A dinâmica demográfica e econômica do Brasil e de Portugal

Apesar das diferenças de escala, países enfrentam desafios sociais, ambientais e econômicos semelhantes

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 10 • Publicada em 6 de setembro de 2022 - 09:09 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 10:12

Apesar das diferenças de escala, países enfrentam desafios sociais, ambientais e econômicos semelhantes

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 10 • Publicada em 6 de setembro de 2022 - 09:09 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 10:12

Brasil e Portugal possuem uma longa e conflituosa história. A língua é uma das heranças que permanece comum e aproxima as duas nações. Mesmo depois da Independência, em 1822, os caminhos dos dois países permaneceram intricados. Dom Pedro I nasceu em Portugal, em 1798, veio para o Brasil em 1808, se tornou Imperador de 1822 a 1831, voltou para sua terra natal, se tornou Rei de Portugal, em 1832, como Pedro IV e morreu no Palácio de Queluz, em 1834. Portugal tem uma área de 92,3 mil km2 e o Brasil uma área de 8,5 milhões de km2.

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Na época da Independência, em 1822, a população brasileira era de 4,65 milhões de habitantes, com uma densidade demográfica de 0,6 habitantes por km2. Na mesma data, a população portuguesa era de 3,3 milhões de habitantes, com uma densidade demográfica de 36 habitantes por km2. Em 1900, as respectivas populações eram de 17,9 milhões e 5,4 milhões habitantes. Em 1950, a população brasileira chegou a 53,9 milhões e a população portuguesa chegou a 8,4 milhões. Em 2000, os números passaram para 176,4 milhões e 10,3 milhões.

Em 2022, a população do Brasil chegou a 215 milhões, com uma densidade demográfica de 26 habitantes por km2 e a população de Portugal se manteve em 10,3 milhões de habitantes, com 111 habitantes por km2. Nos 200 anos da Independência a população brasileira cresceu 46 vezes e a população portuguesa cresceu 3,1 vezes, conforme mostra o gráfico abaixo com dados do projeto Maddison (2020) e da Divisão de População da ONU (revisão 2012).

População de Portugal e do Brasil nos 200 anos da Independência: 1822-2022

Fonte: Maddison Project Database, 2020 (1822 a 2018) e UN World Population Prospects 2022

Em termos econômicos, Portugal tinha uma renda per capita de $ 1.665, quase o dobro da renda per capita brasileira de $ 867, em 1822, segundo dados do projeto Maddison (de 1822 a 2018), mostrado no gráfico abaixo. Em 1900, a renda per capita de Portugal chegou a $ 2.075, cerca de 2,4 vezes maior do que a renda per capita brasileira de $ 874, que ficou estagnada durante o século XIX. Nas primeiras 8 décadas do século XX, a economia brasileira cresceu mais rápido do que a economia portuguesa e, em 1980, a renda per capita do Brasil chegou a $ 9.778, diminuindo a diferença em relação à renda per capita de Portugal que registrou $ 12.822 (1,6 vezes maior do que a brasileira).

A partir de 1981, a economia brasileira perdeu ritmo e revelou diversos sinais de perda de produtividade, baixa competitividade e tendência à estagnação. Assim, no aniversário do bicentenário da Independência, em 2022, a renda per capita portuguesa ficou em $ 27.923 e a renda brasileira em $ 14.550 (Portugal voltou a ter uma renda per capita quase duas vezes superior à renda brasileira por habitante). Portugal faz parte da União Europeia e pertence ao clube dos países ricos, enquanto o Brasil parece preso à armadilha da renda média.

 Renda per capita de Portugal e do Brasil nos 200 anos da Independência: 1822-2022

Fonte: Maddison Project Database, 2020 (1822 a 2018) e FMI/WEO 2022 (2019 a 2022)

O futuro demográfico de Portugal

A população portuguesa cresceu, em ritmo lento, nos séculos XIX e XX, e vai apresentar decrescimento no século XXI, tendo uma estrutura etária envelhecida. O gráfico abaixo (painel do lado esquerdo) mostra a evolução da população total de Portugal de 1950 a 2100. A população portuguesa era de 8,4 milhões de habitantes em 1950, chegou ao pico populacional em 2009, com 10,6 milhões e já apresentou uma pequena redução para 10,3 milhões de habitantes em 2022. As projeções da Divisão de População da ONU mostram diversos cenários demográficos para o restante do século. Na projeção média (a mais provável), a população portuguesa vai decrescer para 6,9 milhões de habitantes em 2100. Podendo ser 10 milhões na projeção alta ou 5 milhões na projeção mais baixa.

O outro gráfico abaixo (painel do lado direito) mostra a evolução da população de 15 a 59 anos. A população em idade ativa era de 5 milhões de pessoas em 1950, chegou a 6,5 milhões na primeira década do atual século e deve ficar pouco acima de 3 milhões de pessoas em 2100 (na projeção média). Desta forma, Portugal deve ter uma redução pela metade na força de trabalho e terá de aumentar a produtividade do trabalho para manter a economia com aumento da renda per capita.

O decrescimento populacional é o resultado do aprofundamento da transição demográfica e da transformação da estrutura etária. Os gráficos abaixo mostram o estreitamento da base e o alargamento do topo das pirâmides populacionais de Portugal entre 1950 e 2100. A pirâmide etária de 1950 tinha uma base larga e um topo estreito, devido às altas taxas de natalidade e mortalidade. Alguns “dentes” da pirâmide são resultado do aumento da mortalidade e redução da natalidade ocorrido durante as duas Grandes Guerras da metade do século XX.

A pirâmide populacional de 2022 mostra uma redução do tamanho dos grupos etários abaixo de 50 anos, refletindo a rápida queda nas taxas de fecundidade que ocorreu a partir da década de 1970, especialmente após a Revolução dos Cravos, de 1974. Já a pirâmide de 2100 apresenta uma base estreita e um topo largo em decorrência da manutenção secular de taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição. Portanto, a principal característica demográfica portuguesa no atual século é o envelhecimento populacional e a expectativa de vida ao nascer deve atingir 92 anos em 2100.

A mudança na estrutura etária gera efeitos diferenciados na razão entre a população em idade ativa e inativa ao longo do tempo. O gráfico abaixo mostra a razão de dependência da população portuguesa de 1950 a 2100. Nota-se que havia 75 pessoas consideradas dependentes para cada 100 pessoas em idade produtiva. A razão caiu para caiu para 60 na virada do século e voltou para a casa de 65 em 2022. Este foi o período mais favorável ao aproveitamento do 1º bônus demográfico. Porém, a razão de dependência vai subir rapidamente nos próximos 20 anos, passando a ter mais pessoas em idade dependente do que pessoas em idade ativa. Nesta nova configuração, para avançar nos indicadores de desenvolvimento humano, Portugal terá que aproveitar o 2º bônus demográfico (relacionado ao aumento da produtividade) e o 3º bônus (relacionado à longevidade).

 

O futuro demográfico do Brasil

Se a população de Portugal cresceu 3 vezes nos últimos 200 anos, a população brasileira cresceu quase 50 vezes no período. O gráfico abaixo (painel do lado esquerdo) mostra a evolução da população total do Brasil de 1950 a 2100. A população brasileira era de 53,9 milhões de habitantes em 1950 e chegou a 215 milhões em 2022. As projeções da Divisão de População da ONU mostram diversos cenários demográficos para o restante do século, sendo que, na projeção média (a mais provável), a população brasileira vai atingir o pico populacional em 2046, com 231,2 milhões de habitantes. A partir de 2047 a população brasileira começa a decrescer e deve chegar a 184,5 milhões em 2100.

O outro gráfico abaixo (painel do lado direito) mostra a evolução da população de 15 a 59 anos. A população em idade ativa era de 30 milhões de pessoas em 1950, está atualmente em torno de 140 milhões de pessoas e deve ficar em torno de 90 milhões de pessoas em 2100 (na projeção média). Desta forma, assim como Portugal, o Brasil deve ter uma redução significativa força de trabalho na faixa etária em questão e, também, terá de aumentar a produtividade do trabalho para manter a economia e o aumento da renda per capita.

O decrescimento populacional será a grande novidade do século XXI e marcará um período de grande contraste com os 500 anos anteriores da história brasileira. Os gráficos abaixo mostram o processo de estreitamento da base e o alargamento do topo das pirâmides populacionais do Brasil entre 1950 e 2100. A pirâmide etária de 1950 tinha uma base muito larga e um topo muito estreito, devido às altas taxas de natalidade e mortalidade. Ao contrário da pirâmide português, não há “dentes” na pirâmide brasileira de 1950, pois o país não foi muito afetado pelas duas Grandes Guerras Mundiais.

A pirâmide populacional de 2022 mostra uma redução do tamanho dos grupos etários abaixo de 40 anos, refletindo a queda da natalidade que começou nos anos de 1980. Já a pirâmide de 2100 apresenta uma base estreita e um topo largo em decorrência da manutenção secular de taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição. Portanto, a principal característica demográfica brasileira no atual século, assim como da maioria dos países de renda média e renda alta, será o envelhecimento populacional, sendo que a expectativa de vida ao nascer deve atingir 88 anos em 2100.

De modo universal, a mudança na estrutura etária gera efeitos diferenciados na razão entre a população em idade ativa e inativa ao longo do tempo. O gráfico abaixo mostra a razão de dependência da população brasileira de 1950 a 2100. Nota-se que havia quase 100 pessoas consideradas dependentes para cada 100 pessoas em idade produtiva na década de 1960. A razão caiu pela metade, para cerca de 50 e já começou o processo de aumento, voltando para o patamar de 100 na década de 2060. Portanto, o século compreendido entre 1965 e 2065 apresentou a menor razão de dependência. Este foi o período mais favorável ao aproveitamento do 1º bônus demográfico. Porém, com a elevação da razão de dependência, que passará a ter mais pessoas em idade dependente do que pessoas em idade ativa, o impulso econômico deverá ser buscado além da demografia. Nesta nova configuração de uma sociedade plenamente envelhecida, o Brasil terá que recorrer ao 2º bônus demográfico (relacionado ao aumento da produtividade) e ao 3º bônus (relacionado à longevidade). O Brasil não poderá mais contar com o alto crescimento da população e vai ter que investir mais na qualidade do que na quantidade de habitantes.

Os desafios ambientais de Portugal e do Brasil

O crescimento demoeconômico, em geral, tem impacto negativo sobre o meio ambiente, pois um volume maior da produção e consumo de bens e serviços significa maior extração de recursos ecossistêmicos, com o consequente aumento da poluição e das emissões de gases de efeito estufa. Promover o desenvolvimento socioeconômico conjuntamente com a sustentabilidade ambiental continua sendo uma meta utópica ainda distante de ser colocado em prática.

O crescimento econômico de Portugal nos últimos 60 anos tem aumentado a sobrecarga ambiental. Segundo o Instituto Global Footprint Network, Portugal tinha, em 1961 uma Pegada Ecológica per capita de 2,26 hectares globais (gha) e uma Biocapacidade per capita de 1,24 gha. Portanto havia déficit de 1,02 gha. Mas com o crescimento econômico a Pegada Ecológica per capita passou para 4,55 gha e a Biocapacidade se manteve no mesmo patamar, 1,29 gha em 2018. Assim, o déficit ecológico per capita passou para 3,26 gha, o que representa um déficit relativo de 253%, conforme mostra a figura abaixo.

A situação do Brasil é diferente, pois o país conta com uma grande extensão territorial, abriga a maior floresta tropical do mundo e possui uma densidade demográfica baixa. Mesmo assim os desafios não são menores, apesar de o país ter superávit ambiental. Segundo o Instituto Global Footprint Network, o Brasil tinha, em 1961 uma Pegada Ecológica per capita de 2,4 hectares globais (gha) e uma grande Biocapacidade per capita de 24,34 gha. O Brasil estava deitado em “berço esplêndido”. Mas com o crescimento demoeconômico a Pegada Ecológica per capita passou para 2,59 gha e a Biocapacidade teve uma grande redução para 8,61 gha em 2018. Assim, o Brasil continua com superávit ambiental, mas com superávits cada vez menores, como mostra a figura abaixo.

A dinâmica demográfica de Brasil e Portugal está cada vez mais parecida, pois os dois países vão apresentar decrescimento populacional no século XXI e vão chegar em 2100 com uma população menor do que a atual e mais envelhecida. Ambos os países vão assistir ao fim do 1º bônus demográfico e terão que contar com o 2º e o 3º bônus. Portanto, será preciso avançar com a produtividade do trabalho para manter o bem-estar social. Portugal leva vantagem, pois já tem uma renda per capita que está no limiar de baixo dos países ricos e tem reduzidos níveis de pobreza e bons níveis de proteção social da população. O Brasil precisa vencer a armadilha da renda média e resolver o problema da exclusão social de boa parte da população.

Desta forma, os dois países precisam avançar em termos sociais, sem descuidar dos problemas ambientais. A tarefa central do Brasil é manter e ampliar o superávit ambiental e de Portugal é reduzir o déficit ambiental. Ambos os países devem participar do esforço global para evitar uma possível catástrofe climática e ecológica. Neste sentido, Brasil e Portugal, a despeito de todas as adversidades do passado, estão destinados a permanecer juntos na tarefa de manter a Terra habitável e na luta para se atingir um padrão elevado de bem-estar humano e ambiental.

Referências:

ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (com a colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022

https://ens.edu.br:81/arquivos/Livro%20Demografia%20e%20Economia_digital_2.pdf

ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022

https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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