A degradação ambiental do Brasil nos 200 anos da Independência

Da Amazônia à Mata Atlântica, as sistemáticas e deliberadas políticas de destruição do patrimônio natural brasileiro

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 13ODS 15 • Publicada em 27 de junho de 2022 - 08:29 • Atualizada em 23 de janeiro de 2023 - 13:23

Da Amazônia à Mata Atlântica, as sistemáticas e deliberadas políticas de destruição do patrimônio natural brasileiro

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 13ODS 15 • Publicada em 27 de junho de 2022 - 08:29 • Atualizada em 23 de janeiro de 2023 - 13:23

“É sempre bom lembrar, que um copo vazio, está cheio de ar”

Gilberto Gil (Copo Vazio, 1974)

A carta de Pero Vaz de Caminha, uma espécie de certidão de nascimento do Brasil, exaltava as riquezas naturais do novo território e dizia: “Nesta terra, em se plantando, tudo dá!”. De maneira sugestiva, o Brasil é o único país do mundo que tem nome de árvore. Mas a primeira atividade econômica, após a chegada dos portugueses, foi a extração do Pau-Brasil para fins de exportação para a Europa. Também foi com a derrubada de uma árvore que se construiu a cruz usada na primeira missa ocorrida no país, no dia 26 de abril de 1500. Não tem sido simples construir uma civilização nos trópicos.

Para Sergio Buarque de Holanda somos “Desterrados na própria Terra”. O modelo de exploração do território brasileiro trazia embutido uma ameaça distópica de uma população degredada em uma terra degradada. Os ciclos da cana de açúcar, do café e da borracha, juntamente com a expansão da pecuária, da mineração e da indústria provocaram grande desmatamento, poluição e deterioração ecológica.

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Após a Independência, a história de destruição poderia ter sido diferente se o Brasil tivesse ouvido os conselhos do “Patriarca da Independência”, José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), também conhecido como o “Ecologista do Império”. Para José Bonifácio, que estudou em Coimbra e foi membro das principais academias de ciências da Europa, o crescimento do país não poderia se basear na destruição das florestas e na poluição dos rios. Em 1828, ele afirmou que “nossas preciosas matas desaparecem, vítimas do fogo e do machado, da ignorância e do egoísmo. Sem vegetação, nosso belo Brasil ficará reduzido aos desertos áridos da Líbia. Virá então o dia em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos crimes” (Pádua, 2002, p. 35).

Gado em área desmatada e queimada na Gleba João Bento, terra pública federal no Amazonas: 53% do desmatamento entre 2019 e 2021 (Foto: Victor Moryama / Greenpeace - 09/2021)
Gado em área desmatada e queimada na Gleba João Bento, terra pública federal no Amazonas: 53% do desmatamento entre 2019 e 2021 (Foto: Victor Moryama / Greenpeace – 09/2021)

Durante o Império (1822-1889), o alcance da exploração econômica foi limitado. Em 1890, a população brasileira estava pouco acima de 14 milhões de habitantes e o Produto Interno Bruto (PIB) representava cerca de 0,5% do PIB mundial, existindo um imenso interior com ínfimas atividades econômicas. Assim, os primeiros dirigentes da República consideravam urgente incentivar uma população numerosa para ocupar o vasto território nacional. Por conta disso, o presidente Afonso Pena, que governou entre 1906-1909, dizia: “Governar é povoar”. Já Washington Luís, presidente de 1926 a 1930, ampliando esta concepção, afirmava: “Governar é povoar; mas, não se povoa sem se abrir estradas, e de todas as espécies; Governar é, pois, fazer estradas” (ALVES; MARTINE, 2017).

Uma população numerosa era considera essencial para a ocupação e defesa das fronteiras. Os generosos recursos naturais do Brasil eram vistos como um “passaporte para o futuro”. O governo Getúlio Vargas promoveu a “Marcha para o Oeste” que tinha o objetivo de acelerar o processo de ocupação dos “espaços vazios”, na concepção desenvolvimentista do Departamento Nacional de Povoamento. O presidente Juscelino Kubitschek construiu a “Capital do Cerrado” e deu início à abertura da rodovia Belém-Brasília. Os governos militares foram ainda mais longe na exploração desenfreada do meio ambiente e na efetivação de uma política populacional expansionista do “Brasil potência”, dentre outras coisas, promovendo a ampliação de estradas na região Norte (como a rodovia Transamazônica). O general Emílio Garrastazu Médici, presidente de 1969 a 1974, chegou a estabelecer a seguinte orientação para a ocupação territorial da Amazônia: “Levar os homens sem terras à terra sem homens“. Também reforçou a presença militar e a bandeira nacionalista: “Integrar para não entregar”.

A degradação dos principais ecossistemas brasileiros

O progresso nacional tem sido feito às custas do retrocesso ambiental. O Brasil é o quinto país do mundo em extensão territorial, com uma área de 8.515.767 km² e uma densidade demográfica de 25 hab/km2, em 2022.  O país possui a maior reserva ambiental absoluta do mundo, segundo a contabilidade do Instituto Global Footprint Network. Porém, o verde brasileiro está em declínio. Em 1961, a biocapacidade per capita do Brasil era de 23 hectares globais (gha) e a pegada ecológica per capita 2,4 gha, ou seja, havia um superávit de mais de 20 gha per capita, conforme mostrado no gráfico abaixo. Contudo, tal superávit diminuiu muito, pois em 2018 a biocapacidade per capita havia caído para 8,6 gha e a pegada ecológica tinha subido para 2,6 gha. Em outras palavras, o Brasil perdeu biodiversidade per capita, pois a área geográfica do país é a mesma, mas a economia se multiplicou por cerca de 11 vezes, catapultada por uma população que passou de 72 milhões em 1961 para 214 milhões de habitantes em 2022.

Sem dúvida, toda a riqueza natural desse imenso país tem sido ameaçada pelo descuido, destruição e exploração descontrolada dos ecossistemas. O aumento da poluição nas cidades, a destruição dos rios, o uso generalizado de fertilizantes e agrotóxicos, a construção de hidrelétricas, toda a cadeia produtiva industrial, a rede de comércio e serviços, a acidificação dos solos e das águas, a desertificação, a expansão da agricultura e da pecuária, o desmatamento, a malha de rodovias, os incêndios e queimadas, a exploração da biomassa – tudo isto – tem provocado uma redução do “capital” natural do país (Alves e Martine, 2017).

O empobrecimento da natureza compromete o avanço do desenvolvimento humano. No site do Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2021) há muitas informações sobre os ecossistemas brasileiros e sobre as ameaças ao patrimônio natural. Todos os biomas estão ameaçados.

A Mata Atlântica que ocupava uma área de aproximadamente 1.300.000 km2, estendendo-se por 17 estados do território brasileiro foi destruída à ferro e fogo, nos dizeres do historiador Warren Dean (1932-1994). Hoje, os remanescentes de vegetação nativa estão reduzidos a cerca de 22% de sua cobertura original. Mas apenas cerca de 8% estão bem conservados em fragmentos acima de 100 hectares. Mesmo reduzida e muito fragmentada, estima-se que na Mata Atlântica existam cerca de 20.000 espécies vegetais (cerca de 35% das espécies existentes no Brasil), incluindo diversas espécies endêmicas e ameaçadas de extinção. Essa riqueza remanescente da biodiversidade é maior que a de alguns continentes (17.000 espécies na América do Norte e 12.500 na Europa) e, por isso, a região é altamente prioritária para a conservação da fauna e flora mundial.

Em relação à fauna, os levantamentos já realizados indicam que a Mata Atlântica abriga 849 espécies de aves, 370 espécies de anfíbios, 200 espécies de répteis, 270 de mamíferos e cerca de 350 espécies de peixes. Além de ser uma das regiões mais ricas do mundo em serviços ecossistêmicos, ela tem importância vital para cerca de 120 milhões de brasileiros que vivem em seu domínio, onde são gerados aproximadamente 70% do PIB brasileiro, prestando importantíssimas contribuições ambientais, inclusive boa parte da água consumida pela população brasileira.

Trecho de Mata Atlântica em Minas Gerais: governo vai ao STF para liberar atividades agropecuárias em áreas de preservação no bioma (Foto: IEF/MG)
Trecho de Mata Atlântica em Minas Gerais: governo vai ao STF para liberar atividades agropecuárias em áreas de preservação no bioma (Foto: IEF/MG)

O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul, ocupando uma área de 2.036.448 km2, cerca de 22% do território nacional. Em seu espaço, encontram-se as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata), o que resulta em um elevado potencial aquífero e favorece a sua biodiversidade. O Cerrado apresenta extrema abundância de espécies endêmicas, abrigando cerca de 11,6 mil espécies de plantas nativas já catalogadas. Cerca de 200 espécies de mamíferos são conhecidas e a rica avifauna compreende cerca de 837 espécies. Há elevado número de espécies de peixes (1.200 espécies), répteis (180 espécies) e anfíbios (150 espécies). Contudo, inúmeras espécies de plantas e animais correm risco de extinção. Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o bioma brasileiro que mais sofreu alterações com a ocupação humana. Com a crescente pressão para a abertura de novas áreas, visando incrementar a produção de carne e grãos para exportação, tem havido um progressivo esgotamento dos recursos naturais do bioma.

Além disso, a região é palco de uma exploração extremamente predatória de seu material lenhoso para produção de carvão. A despeito do reconhecimento de sua importância biológica, o Cerrado é o ecossistema que possui a menor porcentagem de áreas sob proteção integral e calcula-se que mais de 50% do bioma já tenha sido degradado em função das atividades antrópicas. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) indicam que o desmatamento do cerrado estava em torno de 30 mil km2 no início do século XXI e caiu nos anos seguintes, mas continua em nível elevado, com mais de 8 mil km2 em 2021, conforme mostra o gráfico abaixo.

O Pantanal é considerado uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta. Sua área aproximada mede 150 mil km², ocupando assim 1,76% da área total do território brasileiro. Em seu espaço territorial, o bioma é influenciado por rios que drenam a bacia do Alto Paraguai. O Pantanal mantém 86,8% de sua cobertura vegetal nativa. Estudos indicam que o bioma abriga os seguintes números de espécies catalogadas: 263 espécies de peixes, 41 espécies de anfíbios, 113 espécies de répteis, 463 espécies de aves e 132 espécies de mamíferos sendo 2 endêmicas. Segundo a Embrapa Pantanal, quase duas mil espécies de plantas já foram identificadas no bioma. Apesar de sua beleza natural exuberante, o bioma vem sendo muito impactado pela ação humana, principalmente pela atividade agropecuária e especialmente nas áreas de planalto adjacentes. Apenas 4,4% do Pantanal encontra-se protegido por unidades de conservação. As secas e os incêndios têm se intensificado nos últimos anos, colocando em risco todo o bioma.

A caatinga ocupa uma área de cerca de 844 mil quilômetros quadrados entre o norte de Minas Gerais e o Nordeste, o equivalente a 11% do território nacional. Com uma rica biodiversidade, o bioma abriga 178 espécies de mamíferos, 591 de aves, 177 de répteis, 79 espécies de anfíbios, 241 de peixes e 221 abelhas. Apesar de sua importância, a Caatinga tem sido desmatada de forma acelerada, principalmente nos últimos anos, devido principalmente ao consumo de lenha nativa, explorada de forma ilegal e insustentável, para fins domésticos e indústrias, ao sobre pastoreio e a conversão para pastagens e agricultura.

O Pampa, localizado no estado do Rio Grande do Sul, ocupa uma área de 176.496 km², correspondendo a 63% do território estadual e a 2,07% do território nacional. As estimativas indicam a existência de algo em torno de 3.000 espécies de plantas, com notável diversidade de gramíneas. A fauna ainda é expressiva, com quase 500 espécies de aves. Porém, a progressiva introdução e expansão das monoculturas e das pastagens com espécies exóticas têm levado a uma rápida degradação e descaracterização das paisagens naturais do Pampa. Estimativas de perda de hábitat dão conta de que em 2008 restavam apenas 36,03% da vegetação nativa do bioma Pampa.

A Mata de Araucária ocupava 36,67% da área do estado do Paraná (ou 73 mil km²), 60,1% do estado de Santa Catarina (ou 57 mil km²), 21,6% da área do estado de São Paulo (ou 53 mil km²) e 17,4% do estado do Rio Grande do Sul (ou 48 mil km²). Atualmente, a mata está em perigo, pois foi excessivamente explorada, a maioria das vezes de forma ilegal. Relativamente poucas iniciativas de reflorestamento são realizadas com esta espécie, cujas populações e áreas de ocorrência vêm se reduzindo em pelo menos 50% nos últimos 10 anos.

Os Mangues desempenham um importante papel como exportador de matéria orgânica para os estuários, contribuindo para a produtividade nas zonas costeiras. Por essa razão, constituem-se ecossistemas complexos e dos mais férteis e diversificados do planeta. Sua biodiversidade faz com que essas áreas se constituam em grandes “berçários” naturais, tanto para as espécies típicas desses ambientes, como para animais, aves, peixes, moluscos e crustáceos, que encontram as condições ideais para reprodução. Constituem ainda importante banco genético para a recuperação de áreas degradadas, por exemplo, como aquelas por metais pesados. Ajudam também a atenuar os efeitos de tempestades e ondas marítimas, a redução da erosão e a manutenção do perfil costeiro. A destruição dos manguezais gera grandes prejuízos, inclusive para a economia, direta ou indiretamente, uma vez que são perdidas várias importantes funções ecológicas desempenhadas por esses ecossistemas.

A Mata de Cocais está situada entre uma zona de transição dos biomas da Amazônia e da caatinga nos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Pará e norte do Tocantins. O bioma é naturalmente fragilizado, e a procura de solos férteis, extração de minérios e de madeira, além de instalações industriais e comerciais, estão poluindo o aquífero Tocantins-Araguaia e acelerando o desmatamento. Em um futuro não muito distante, a maior parte desse bioma poderá estar savanizada ou desertificada.

A Floresta Amazônica é o maior bioma do Brasil: em um território de 4,196.943 milhões de km2 crescem 2.500 espécies de árvores (ou um-terço de toda a madeira tropical do mundo) e 30 mil espécies de plantas (das 100 mil da América do Sul). A bacia amazônica é a maior bacia hidrográfica do mundo: cobre cerca de 6 milhões de km2 e tem 1.100 afluentes. Seu principal rio, o Amazonas, corta a região para desaguar no Oceano Atlântico, lançando ao mar cerca de 175 milhões de litros de água a cada segundo. A floresta vive a partir de seu próprio material orgânico, e seu delicado equilíbrio é extremamente sensível às interferências externas.

Dados do Prodes, do INPE, anteriores a 1988, mostram que o desmatamento atingiu o montante de cerca de 400 mil km². Essa área desflorestada é maior do que a soma dos territórios dos estados de São Paulo (248.209 km²), Rio de Janeiro (43.696 km²), Espírito Santo (46.078 km²), Alagoas (27.768 km²), Sergipe (21.910 km²) e Distrito Federal (5.801 km²).  Outros mais de 400 mil km² foram destruídos após 1988. O gráfico abaixo mostra que o desmatamento anual da Amazônia caiu entre 2004 e 2012, mas aumentou entre 2013 e 2021, contrariando as promessas brasileiras estabelecidas nas Conferências e Acordos internacionais da ONU sobre Meio Ambiente e mudanças climáticas. Os dados preliminares mostram que o desmatamento nos primeiros 5 meses de 2022 são maiores do que no mesmo período de 2021, taxa recorde dos últimos 15 anos.

Estudo do cientista Antônio Nobre (2104), que revisou 200 pesquisas sobre o cenário do bioma, concluiu que a floresta já dá sinais de desgaste em seu papel de bombear umidade do oceano para o interior da América do Sul. Desse modo, pode estar em risco o papel de “bomba d’água biótica” que a floresta exerce, o que afeta os “rios voadores” e diminui a quantidade de água que segue para o Sudeste brasileiro, contribuindo para a crise hídrica e energética do país. Diversos estudos mostram que existe um ponto de não retorno para o desmatamento que pode transformar a floresta em uma “savana tropical”, uma espécie de Cerrado. Em outras palavras, o desmatamento da Amazônia gera prejuízos generalizados, afetando inclusive o agronegócio, mas principalmente alterando o clima do Planeta, acelerando o aquecimento global e aumentando as probabilidades de um desastre climático global (Martine e Alves, 2015).

Desafios para a restauração ecológica no século XXI

A ideologia desenvolvimentista brasileira – sucedânea do binômio “Ordem e Progresso”, pertencente aos positivistas que participaram da construção da República – aproxima-se de um impasse diante de uma trifurcação política. O Brasil encontra-se diante de um desafio triplo em função dos problemas econômicos, sociais e ambientais e de um estilo de crescimento econômico insustentável. O Brasil ainda não conseguiu criar um bom padrão para as políticas de educação, saúde e moradia, e pior, provavelmente desperdiça as últimas chances de uma decolagem no desenvolvimento humano com respeito ao meio ambiente. A economia é parte da ecologia e, sem garantir a permanência das bases naturais que sustentam a civilização, o bem-estar humano pode ficar inalcançável (Alves, 2022).

A emergência climática e a perda de biodiversidade são duas fronteiras planetárias que, se ultrapassadas, podem levar a um colapso ecológico sistêmico. Para atender as exigências ambientais do século XX, o mundo precisa promover e aprofundar programas tipo o Green New Deal (Novo Acordo Verde) que promova melhores condições de vida humana e ambiental.  Neste sentido, a centralidade da defesa da Amazônia é chave para os cenários prospectivos do Brasil e do mundo. A humanidade corre o risco de perder um dos maiores tesouros biológicos do Planeta em troca de quase nada. O desmatamento da Amazônia é um crime que não tem preço.

A falta de ação para manter a floresta saudável e de pé não decorre da falta de recursos para a região. É simplismo dizer que o Estado está ausente da Amazônia. O tesouro brasileiro gasta bilhões de reais para financiar subsídios para a Zona Franca de Manaus – que é um caso surreal de maquiladora voltada para o mercado interno – com retornos, no mínimo, questionáveis. O Ministério da Defesa tem um dos maiores orçamentos da Esplanada. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, coordena o Conselho Nacional da Amazônia, que reúne 14 ministérios com o objetivo de integrar ações federais na região amazônica, incluindo articulação com estados, municípios e sociedade civil. Sob a retórica da tríade “preservar, proteger e desenvolver”, o Conselho tem direcionado grandes quantias do orçamento público, por meio das operações de garantia de lei e da ordem. Além de ser presidido pelo general Mourão, a atual composição do Conselho é extremamente militarizada. A secretaria executiva do Conselho, por exemplo, conta com 71% de militares. Sem dúvida, o Conselho gasta muito e faz pouco em defesa da floresta e dos povos originários. A FUNAI e o IBAMA foram intencionalmente sucateadas e não tem cumprido estatutariamente as suas missões.

Cabe, portanto, registrar que o Estado brasileiro atua e está presente na Amazônia, mas de maneira incompetente e ineficiente, promovendo a impunidade e não sendo capaz de evitar as ações criminosas de todo tipo. O que existe é uma política de malversação do dinheiro público e abandono das reivindicações sociais e ambientais.  Atualmente a Amazônia é vítima de uma vil aliança de ações degradadoras, como as queimadas e a grilagem de terras; a pecuária extensiva e invasiva, o desmatamento irregular, o garimpo ilegal, o contrabando de ouro e de espécies nativas, pesca predatória, destruição da biodiversidade, invasão das terras indígenas, missionários que desrespeitam as religiões politeístas, violência contra as populações locais, homicídios e tráfico de drogas. Uma terra sem lei e sem cidadania que torna as populações locais reféns de quadrilhas e bandidos. A realidade mostra que Amazônia, na prática, não é do conjunto dos brasileiros, pois ela está entregue a interesses particulares de traficantes, pistoleiros, invasores de terra e matadores de indígenas. Tudo isto com a inação e até a cumplicidade governamental.

O Brasil é quarto país do mundo que mais mata ambientalistas, de acordo com relatório da ONG Global Witness. A lista de assassinatos é enorme: Chico Mendes em Xapuri, no Acre, em 1988, Dorothy Stang em Anapu, no Médio Xingu, no Pará, em 2005, Maxciel dos Santos, em Tabatinga, no Amazonas, em 2019, e incontáveis eteceteras. O brutal assassinato do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista e escritor britânico Dom Phillips, no dia 05 de junho (Dia Mundial do Meio Ambiente), é a confirmação de uma realidade triste e cruel e que resume a incessante guerra contra a natureza e contra os defensores das florestas. O Brasil não pode tolerar o intolerável e nem aceitar o drama que se avoluma na região. Os esquartejamentos não ficarão insepultos. A sociedade brasileira deve se inspirar no exemplo de luta de Bruno e Dom e reagir indignada contra o descaso e a omissão das autoridades públicas, além de repudiar a retórica do ódio e a postura inconsequente do presidente Bolsonaro que, ao invés de defender a soberania nacional, concilia com as práticas ilegais e com os interesses dos inimigos do meio ambiente. A maior parte da Amazônia e, em especial, o Vale do Javari estão sob domínio do crime organizado ao invés de estar sobre controle republicano do Estado brasileiro.

No bicentenário da Independência, fica evidente que a anomia social e a degradação ambiental estão ameaçando o futuro do Brasil. A economia brasileira cresceu e se avolumou nos últimos 200 anos, mas a flora e a fauna definharam.  Com o crescimento da população, do consumo e da exploração da natureza, os biomas brasileiros foram sendo destruídos e se transformando em antromas – biomas antropogênicos, resultantes da dominação e exploração direta e continuada do ser humano sobre os ecossistemas. A Amazônia está indo pelo mesmo caminho de destruição já experimentado pela Mata Atlântica, a Mata de Araucária etc.

A antropomorfização da natureza é a maneira torta que transforma as imensas áreas verdes, cheias de biodiversidade, em áreas vazias e empobrecidas “vítimas do fogo e do machado, da ignorância e do egoísmo” como alertou José Bonifácio. A destruição da biocapacidade brasileira seria uma grande perda para o país e um fator decisivo de agravamento da crise climática e ambiental, podendo ser um passo irreversível para o colapso sistêmico global, o que colocaria em xeque a existência de grande parte da vida da Terra.

Referências:

ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (com a colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022

https://ens.edu.br:81/arquivos/Livro%20Demografia%20e%20Economia_digital_2.pdf

PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

ALVES, J. E. D., MARTINE, G. Population, development and environmental degradation in Brazil. In: ISSBERNER, L.R.; LÉNA, P (Eds). Brazil in the Anthropocene: Conflicts between predatory development and environmental policies. NY: Routledge Environmental Humanities, 2017.

MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (português e inglês) http://www.scielo.br/pdf/rbepop/2015nahead/0102-3098-rbepop-S0102-3098201500000027P.pdf

ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022

https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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