ODS 1
CPT: indígenas foram as principais vítimas de conflitos no campo
Ano de 2022 foi marcado pela disparada de casos de violência contra pessoas: foram registrados 18 assassinatos de indígenas
Relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado nesta segunda-feira (17), mostra que o ano de 2022 foi marcado pela disparada de casos de violência contra pessoas em decorrência de conflitos no campo. Ao todo, foram 553 ocorrências, que vitimaram 1.065 pessoas, 50% a mais do que o registrado em 2021 (368, com 819 vítimas). Neste tipo de ocorrências – assassinatos, tentativas de homicídio, ameaças, agressões, tortura e prisões – indígenas foram as principais vítimas.
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Em 2022, 38% das 47 pessoas assassinadas no campo eram indígenas – 18 casos. Em seguida na lista de vítimas, aparecem trabalhadores sem-terra (9), ambientalistas (3), assentados (3) e trabalhadores assalariados (3). As mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, no Vale do Javari, no Amazonas, marcaram esse cenário crítico de mortes no campo. O relatório Conflitos no Campo 2022 aponta ainda que o número de homicídios significa um crescimento de 30,5% em relação a 2021 (36 mortes) e 123% em comparação com os dados registrados em 2020 (21 mortes).
Entre os assassinatos, a CPT destacam os casos ocorridos em Mato Grosso do Sul, em territórios de retomada dos indígenas Guarani-Kaiowá. Foram seis indígenas vitimados entre maio e dezembro, colocando o estado como o terceiro do país que mais registrou assassinatos decorrentes de conflitos no campo. Três dessas mortes ocorreram em ação de retomada da Tekoha Guapoy, no interior da Reserva Indígena de Amambai. No local, emboscadas e perseguições resultaram na morte de Vitor Fernandes, em 24 de junho de 2022, durante despejo ilegal executado pela Polícia Militar do estado, em ação que deixou mais 15 pessoas feridas. As outras vítimas foram Márcio Moreira e Vitorino Sanches.
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Veja o que já enviamos“Temos visto uma queda das ocupações de terra e avanço dos conflitos para dentro de comunidades ocupadas por populações tradicionais. Há um ataque efetivo contra as comunidades indígenas, de forma específica”, disse Isolete Wichinieski, da Coordenação Nacional da CPT, na apresentação do relatório em Brasília.
O relatório anual da CPT referente a 2022 apontou um total de 2.018 ocorrências de conflitos no campo, envolvendo 909,4 mil pessoas e mais de 80,1 milhões hectares de terra em disputa em todo o território nacional, o que corresponde à média de um conflito a cada quatro horas. Esses números indicam incremento de 10,39% em relação ao ano anterior, quando houve o registro de 1.828 ocorrências totais de conflitos rurais.
Outro número divulgado pelo relatório é o de tentativas de assassinatos. Em 2022 foram notificadas 123 ocorrências desse tipo de violência, um número 272% maior que os 33 registrados em 2021. Em seguida estão os dados de ameaça de morte, que também aumentaram na comparação entre 2022 e 2021, passando de 144 para 206, com crescimento de 43,05%.
Terra Yanomami: 103 mortes
Boa parte dessas violências por conflitos no campo atingiu especificamente mulheres. Foram seis assassinatos, número que se iguala aos ocorridos em 2016 e 2017. Os demais tipos de violência sofrida pelas mulheres em 2022 foram a ameaça de morte (47, resultando em 27% do total), intimidação (32, com 18%), criminalização (14, com 8%), tentativa de assassinato (13, com 7%) e agressão e humilhação (9 cada uma, com 5%).
Crianças e adolescentes passaram a estar na mira desse tipo de violência durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. De 2019 a 2022, segundo os números levantados pela CPT, foram nove adolescentes e uma criança mortos no campo. Desses, cinco eram indígenas. Entre os dados de violência contra a pessoa, a morte em consequência de conflito registrou 113 casos, sendo 103 na Terra Indígena Yanomami, com 91 vítimas crianças, representando 80,5% dos casos. O povo Yanomami viveu, nos últimos anos, um agravamento da crise humanitária de saúde e segurança em meio à invasão de suas terras por garimpeiros.
“O futuro das comunidades indígenas está ameaçado, não só pela invasão de suas terras e o assassinato de lideranças, mas por impedir a existência das próximas gerações”, afirmou Isolete. A dirigente da CPT cobrou do novo governo que cumpra a promessa de resgatar as políticas de proteção territorial e de reforma agrária, que demanda orçamento e pessoal. Ela também cobra a reforma e ampliação do programa de defensores de direitos humanos, para enfrentar as graves ameaças e impedir o assassinato recorrente de lideranças comunitárias no campo.
Fronteira agrícola
O relatório da CPT abrange não apenas as disputas específicas pela terra, mas também a disputa por água, trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão, contaminação por agrotóxico, assassinatos, mortes e outros casos de violência. “Nos últimos dez anos, foi só em 2020 que tivemos um número geral de conflitos maior do que esse, em plena pandemia. Por isso, os números do ano passado são muito graves”, observou Isolete Wichinieski.
Das unidades da federação com índices mais elevados de conflitos por terra, quatro integram a Amazônia Legal. A região concentrou, em 2022, um total de 1.107 conflitos no campo, o que representa mais da metade de todos os conflitos ocorridos no país (54,86%), aponta o relatório. Dos 47 assassinatos no campo registrados no Brasil no ano passado, 34 ocorreram na Amazônia Legal, o que representa 72,35% de todos os assassinatos no país.
“A curva ascendente na Amazônia Legal a torna um dos mais graves epicentros da violência no campo na atualidade”, diz a CPT no levantamento. O relatório descreve a região como “palco de exploração e devastação, criando um verdadeiro campo minado, no qual foram atingidas 121.341 famílias de povos originários e comunidades camponesas em 2022”.
Os dados da CPT também apresentam os principais causadores desses conflitos. No ano passado, os fazendeiros foram responsáveis por 23% das ocorrências de conflito por terra, seguidos do governo federal, com 16%. Em seguida, aparecem empresários (13%) e grileiros (11%). A principal mudança em relação ao ano de 2021 foi o crescimento da participação do governo federal nos conflitos por terra, que saltou de 10% para 16%.
Áreas de fronteira agrícola na Amazônia têm registrado índices crescentes de conflito. É o caso da Zona de Desenvolvimento Sustentável (ZDS) Abunã-Madeira (Amacro), que engloba 32 municípios localizados no sul do Amazonas, leste do Acre e noroeste de Rondônia: uma área de mais de 454 mil quilômetros quadrados. A região tem sido palco de crescente número de conflitos por terra nos últimos anos, tendo como foco sobretudo comunidades tradicionais, como territórios indígenas. Em 2022, foram registrados 150 casos de conflitos por terra nessa região especificamente, o terceiro número mais alto dos últimos dez anos, segundo a CPT.
“A comissão tem observado que, de 2004 para cá, está havendo mudança no foco desses conflitos, que deixaram de ser, em sua grande maioria, com os sem-terra, de disputa pela terra e contra a reforma agrária, para conflitos que vão para cima das comunidades, especialmente indígenas, por meio da grilagem mesmo ou invasões”, destacou Isolete Wichinieski.
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