Piratas nos rios amazônicos

Morte de turista britânica revela a falta de segurança nas águas da região

Por Liege Albuquerque | ODS 11ODS 14 • Publicada em 29 de setembro de 2017 - 09:35 • Atualizada em 29 de setembro de 2017 - 15:09

Imagem do caiaque de Emma Kelty quando foi encontrado na semana passada. Foto Marinha do Brasil
Imagem do caiaque de Emma Kelty quando foi encontrado na semana passada. Foto Marinha do Brasil

O latrocínio sofrido pela britânica Emma Kelty na semana passada, quando praticava canoagem sozinha pelo Rio Solimões, na Amazônia, deixou à mostra a insegurança e a falta de policiamento em todos os rios da região, pondo em risco a vida de turistas e ameaçando o transporte fluvial de mercadorias. Na bacia amazônica, são milhões de quilômetros de rios desprotegidos, especialmente no Amazonas, uma das entradas da rota do tráfico de drogas oriunda dos países fronteiriços.

A atuação criminosa tem duas correntes principais: os grupos de piratas ligados ao tráfico, que roubam navios com combustível ou mantimentos; e os chamados barrigas d´água, que agem como batedores de carteira ou ladrões de celular em áreas urbanas. Para estes, o foco são os barcos de turistas.

Todos os rios da Amazônia são perigosos, especialmente no Amazonas. Não há segurança em trecho algum, nem mesmo próximo às capitais. Turistas ou cargas estão à mercê de ataques de piratas ou barrigas d´água, sempre armados e violentos

Até agora, segundo as investigações da polícia civil, os prováveis responsáveis pela morte de Emma seriam barrigas d´água. Ela teria sido assassinada próximo ao local onde, em dezembro do ano passado, um grupo ligado ao tráfico foi apontado como responsável pelo sumiço do delegado Thiago Garcez. Garcez estava numa operação policial e o grupo que o acompanhava relatou que ele teria sido morto. Seu corpo, no entanto, até hoje não foi encontrado, assim como o de Emma.

Para enfrentar os grupos de traficantes e barrigas d`água, a Delegacia Fluvial do Amazonas, ligada à Polícia Civil, conta com apenas três lanchas, que fazem o policiamento nos arredores de Manaus. Não há nenhum outro barco fazendo policiamento ao longo do Amazonas.  Em Belém, segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública, o Grupamento de Polícia Fluvial da Polícia Militar do Pará, que monitora a orla de Belém e ilhas nos arredores, conta com oito lanchas, dois barcos condutores de tropa e duas embarcações de ações táticas.

A esportista britânica Emma Kelty, que foi morta no Rio Solimões. Foto Facebook
A esportista britânica Emma Kelty, que foi morta no Rio Solimões. Foto Facebook

“Todos os rios da Amazônia são perigosos, especialmente no Amazonas. Não há segurança em trecho algum, nem mesmo próximo às capitais. Turistas ou cargas estão à mercê de ataques de piratas ou barrigas d´água, sempre armados e violentos”, afirmou o vice-presidente do Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial do Estado do Amazonas (Sindarma), Claudomiro Carvalho Filho.

A Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) não tem dados discriminados de furtos, roubos e latrocínios nos rios do Amazonas. Quando estes crimes são registrados, não há nenhuma triagem que mostre se eles ocorreram em barcos ou em terra. Na verdade, por medo de represálias, muitos dos roubos e furtos em embarcações não são sequer registrados na polícia. O Sindicato reúne anualmente depoimentos de comandantes e tripulação de navios furtados ou roubados.

Há anos, o Sindarma faz campanha pela votação da PEC 52/2012, que propõe a criação de uma Polícia Hidroviária Federal para monitorar e policiar os rios. “Só estamos pedindo igualdade: se as estradas federais têm a polícia rodoviária, os rios, que também são da União, têm urgência adiada há décadas de atraso de um policiamento 24 horas ostensivo”, defendeu.

“Os rios são corredores do tráfico de drogas, fazemos fronteiras com produtores (de drogas). E não é de avião que esses entorpecentes saem desses países e entram no Brasil, é através dos rios”, destacou Claudomiro. Segundo ele, os cálculos anuais do Sindicato apontam que os prejuízos com furtos e roubos só de combustíveis nos rios do Amazonas sejam da ordem de R$ 100 milhões.

Segundo depoimentos do “Relatório de ataques de piratas em rios que banham o estado do Amazonas” do Sindarma, os piratas se aproximam das embarcações em lanchas rápidas, rendem e ameaçam tripulantes utilizando armamento de grosso calibre. Em alguns casos, a tripulação é agredida durante a ação dos criminosos.

Os piratas roubam, principalmente, combustíveis, mas as cargas gerais também são alvo dos criminosos. Nos últimos anos, segundo o relatório, os principais trechos onde ocorrem ataques de piratas são: o Rio Solimões, nas proximidades de Coari; o Rio Negro (mais na margem esquerda, entrando no rio Cuieiras), orla de Manaus; Rio Amazonas; Estreito de Breves no Pará (trecho utilizado por embarcações que seguem de Manaus para Belém); Rio Madeira, entre Itacoatiara e Porto Velho (RO).

Ainda no relatório, há depoimentos, a maioria de comandantes e tripulantes não identificados, da ação dos piratas, muitas vezes com a ousadia de usarem fardamento policial. “Eles estavam em uma voadeira branca seminova de motor de 40 (HPs). Todos eles estavam fardados com roupas da Polícia Militar, dizendo que eram policiais. Usavam até coletes à prova de balas. Se comunicavam chamando de major e capitão, mas percebemos que eles estavam mentindo. Eles renderam primeiro o motorista, o marinheiro de máquina na parte de baixo. Depois subiram para render os tripulantes na parte do comando. Alguns dos tripulantes conseguiram se esconder, mas eu, a cozinheira e outro marinheiro fomos trancados no comando”, contou um comandante de 53 anos ao Sindarma.

Segundo as vítimas deste roubo, registrado no relatório do Sindicato, os criminosos eram violentos e chegaram a disparar contra um dos tripulantes. “De vez em quando, um deles ia até onde estávamos e apontava uma arma no meu peito. Eles falavam que queriam drogas e armas. Foi uma situação muito difícil. Um deles até atirou e quase pega na minha cabeça”. Os criminosos levaram uma quantia de R$ 2.600, nove celulares, equipamentos e pertences de um dos veículos que eram transportados na balsa.

Liege Albuquerque

Liege Albuquerque é jornalista e mestre em Ciências Políticas (USP). É professora de jornalismo e publicidade na UniNorte/Laureate em Manaus, de onde faz freelances para diversos veículos. Foi repórter e editora de Cidades e Política em jornais como A Crítica, Amazonas em Tempo e Diário do Amazonas (em Manaus), Folha de S. Paulo e Veja (em São Paulo), O Globo e O Estado de S. Paulo (em Brasília). Trabalhou por oito anos como correspondente do Estadão no Amazonas. É autora de dois livros infantis e tem um blog sobre maternidade com outras jornalistas: o maescricri.

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