Do roçado na Paraíba para a COP28 em Dubai

No final de novembro, Raylson participou da COY-18, a maior conferência da juventude sobre mudanças climáticas da ONU. Foto Arquivo Pessoal

Correspondente na COP28, Raylson Santos diz que “tudo que conquistou foi graças ao esforço coletivo da família, dos professores e às políticas públicas”

Por Raylson Santos | ODS 13 • Publicada em 3 de dezembro de 2023 - 11:29 • Atualizada em 10 de dezembro de 2023 - 22:07

No final de novembro, Raylson participou da COY-18, a maior conferência da juventude sobre mudanças climáticas da ONU. Foto Arquivo Pessoal

Lembro-me de várias vezes quando era criança, enquanto estava no roçado “panhando acerola” com a minha família, dizendo que meu sonho era viajar e conhecer o mundo todo. Foi esse sonho que me fez entrar no curso de jornalismo e ser o primeiro de uma família de agricultores da cidade de Alhandra, na Paraíba, a entrar na universidade. O primeiro a viajar de avião,  o primeiro a sair do Brasil  e em tantas outras coisas mais.

Leu essa? Estudante baiana ganha passagem para representar o Brasil na COP28

Minha história de vida poderia facilmente ser usada como um exemplo de meritocracia do ‘’você só precisar se esforçar’’, mas não.  Tudo o que já conquistei durante os meus 20 anos de vida foi graças ao esforço coletivo da minha família, às políticas públicas que tive acesso e ao apoio incondicional dos meus professores que me ensinaram a sonhar e a ver o mundo além do que a minha realidade permitia.

Quando passei no vestibular, painho deu a ideia de eu tirar uma foto “vestido de agricultor”, ou seja, com a roupa que eu estava usando naquele momento, anunciando o meu ingresso no ensino superior. E assim fizemos o registro. Pegamos um pedaço de papelão e escrevemos com um batom velho a frase: “Do roçado para a universidade, terceiro lugar em jornalismo na UFPB”.

Eu segurava uma enxada na mão, vestindo uma calça velha rasgada, uma camisa amarela de manga longa e as botas e o chapéu de palha do meu pai. A foto que está fixada no feed do meu perfil no Instagram até hoje. Ela serve como um lembrete de que, independente de onde eu vá ou da profissão que eu escolha seguir, aquela é a minha essência, a terra, a simplicidade, a família e a agricultura.

Nesse mesmo ano de 2021, comecei a fazer parte da coordenação da Articulação da Juventude Camponesa (AJC), uma associação que atua na região do litoral sul, várzea e agreste da paraíba. Na AJC, desenvolvemos diversos projetos de mobilização política, fortalecimento da identidade camponesa, da agroecologia e da sustentabilidade em comunidades rurais e quilombolas.

A foto sugerida pelo pai depois que passou no vestibular. Foto Arquivo Pessoal
A foto sugerida pelo pai depois que passou no vestibular. Foto Arquivo Pessoal

Nunca perder oportunidade

Um dia, minha orientadora de iniciação científica compartilhou em nosso grupo de Whatsapp um link de um processo seletivo chamado “Bolsa Climática Para Jovens Latino-Americanos (Financiamento Integral)’’. Tratava-se do Latin American Youth Climate Scholarship (LAYCS), um projeto recém-criado que promove a participação de jovens pretos, pardos e indígenas de comunidades da América Latina em conferências climáticas da ONU.  Eu não sabia bem o que era aquilo, mas sigo uma filosofia de vida que aprendi com a minha mãe, sempre arriscar e nunca perder uma oportunidade. Até porque, pessoas como eu não têm muitas, né?

Tudo o que já conquistei foi graças ao esforço coletivo da minha família, às políticas públicas que tive acesso e ao apoio incondicional dos meus professores que me ensinaram a sonhar e a ver o mundo além do que a minha realidade permitia

Raylson Santos
Correspondente do #Colabora na COP28

Preenchi o formulário de inscrição contando sobre o meu trabalho na agricultura familiar e todas as ações de sustentabilidade e combate às mudanças climáticas que já havia realizado através da AJC.  Dias depois, recebi por e-mail  um convite para participar de uma entrevista on-line como parte da segunda fase do processo seletivo. E, com todo o meu poder de comunicação e convencimento, fui aprovado no processo seletivo.

Com essa bolsa climática, em junho, participei da SB58, uma conferência que acontece anualmente na Alemanha e que organiza a agenda  das discussões da COP. No final de novembro, participei da COY-18, a maior conferência da juventude sobre mudanças climáticas da ONU e agora estou participando da COP28  e tudo isso, claro, graças  ao apoio e  financiamento do LAYCS.

Aqui em Dubai, a cada vez que falo com a minha família, lembro que foi no roçado onde tudo começou. De certa forma, estou representando os sonhos coletivos da minha família, da minha comunidade rural e outras tantas famílias brasileiras do interior. Espero cumprir as expectativas entregando uma cobertura humanizada, a partir do olhar de um filho do roçado.

Raylson Santos

Raylson Santos é paraibano, agricultor, estudante de jornalismo na Universidade Federal da Paraíba e bolsista Climático do Latin American Youth Climate Scholarships (LAYCS)

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *