Ártico mais chuvoso ameaça pessoas, ecossistemas e vida selvagem

Ursos polares longe da neve em arquipélago ao norte da Noruega: Ártico mais chuvoso e quente afeta população humana, animais e ecossistemas (Foto: Sebnem Coskun / Anadolu Agency / AFP – 26/07/2022)

Estudo envolvendo quase 150 cientistas aponta mudanças nas estações e a redução da temporada de neve com o aquecimento da região polar

Por The Conversation | ODS 13 • Publicada em 6 de janeiro de 2023 - 09:40 • Atualizada em 22 de janeiro de 2023 - 19:22

Ursos polares longe da neve em arquipélago ao norte da Noruega: Ártico mais chuvoso e quente afeta população humana, animais e ecossistemas (Foto: Sebnem Coskun / Anadolu Agency / AFP – 26/07/2022)

(Matthew Druckenmiller, Rick Thoman e Twila Moon*) – No Ártico, a liberdade de viajar, caçar e tomar decisões rotineiras diárias está profundamente ligada às condições de frio e congelamento durante grande parte do ano. Essas condições estão mudando rapidamente à medida que o Ártico esquenta.

O Ártico agora está vendo mais chuvas quando historicamente estaria nevando. O gelo marinho, que antes protegia as costas da erosão durante as tempestades de outono, está se formando mais tarde. E o gelo mais fino de rios e lagos está tornando as viagens de snowmobile, tradicional meio de transporte nestas terras geladas, cada vez mais perigosas.

O tráfego de navios no Ártico também está aumentando, trazendo novos riscos para ecossistemas frágeis, e a camada de gelo da Groenlândia continua enviando água doce e gelo para o oceano, elevando o nível global do mar.

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No Relatório Anual do Ártico (Arctic Report Card 2022), lançado em dezembro, reunimos outros 144 cientistas do Ártico, de 11 países, para examinar o estado atual da região. Nós descobrimos que a precipitação no Ártico está aumentando em todas as estações, e essas estações estão mudando. Grande parte dessa nova precipitação agora está caindo como chuva – às vezes durante o inverno e em épocas tradicionalmente congeladas do ano. Isso atrapalha a vida diária dos humanos, dos animais e das plantas.

As estradas ficam perigosamente geladas com mais frequência e as comunidades enfrentam maior risco de eventos de inundação de rios. Para as comunidades indígenas de criação de renas, a chuva de inverno pode criar uma camada de gelo impenetrável que impede que as renas tenham acesso à vegetação sob a neve.

Em todo o Ártico, essa mudança em direção a condições mais úmidas pode prejudicar a vida de animais e plantas que evoluíram para condições secas e frias, alterando potencialmente os alimentos locais dos povos do Ártico.

Quando a cidade de Fairbanks, no Alasca, recebeu 1,4 polegadas de chuva gelada em dezembro de 2021, a umidade criou uma camada de gelo que persistiu por meses, derrubando árvores e interrompendo viagens, infraestrutura e a capacidade de alguns animais do Ártico de procurar comida. A camada de gelo resultante foi em grande parte responsável pela morte de um terço de um rebanho de bisões no interior do Alasca.

Existem múltiplas razões para esse aumento da precipitação no Ártico. À medida que o gelo do mar diminui rapidamente, mais água aberta é exposta, o que alimenta o aumento da umidade na atmosfera. Toda a região do Ártico teve uma perda de mais de 40% na extensão do gelo marinho no verão, de acordo com registros de satélite por 44 anos. A atmosfera do Ártico também está aquecendo duas vezes mais rápido que o resto do globo, e esse ar mais quente pode reter mais umidade.

Destruição causada pelo tufão Merbok na costa do Alasca: Ártico enfrenta temperaturas mais quentes, temporada de neve menor e aumento do nível do mar (Foto: FEMA - Agência Federal de Gestão de Emergências dos EUA - 20/09/2022)
Destruição causada pelo tufão Merbok na costa do Alasca: Ártico enfrenta temperaturas mais quentes, temporada de neve menor e aumento do nível do mar (Foto: FEMA – Agência Federal de Gestão de Emergências dos EUA – 20/09/2022)

Sob o solo, o Ártico mais úmido e chuvoso está acelerando o degelo do permafrost, sobre o qual a maioria das comunidades e da infraestrutura do Ártico são construídas. O resultado são edifícios em ruínas, estradas caídas e rachadas, o surgimento de sumidouros e o colapso das linhas costeiras das comunidades ao longo dos rios e oceanos.

O clima úmido também atrapalha a construção de uma camada de neve de inverno confiável e gelo de rio seguro e confiável, e muitas vezes desafia os esforços das comunidades indígenas para colher e garantir seus alimentos.

Quando o tufão Merbok atingiu em setembro de 2022, alimentado por águas excepcionalmente quentes do Pacífico, seus ventos com força de furacão, ondas de 50 pés e tempestades de longo alcance danificaram casas e infraestrutura em mais de 1.600 quilômetros da costa do Alasca do Mar de Bering e interromperam a caça e a colheita.

Rena perto da vila de Longyearbyen, na ilha de Spitsbergen, no arquipélago de Svalbard, norte da Noruega: temporada de neve mais curta no Ártico ameaça vida selvagem (Foto: Jonathan Nackstrand / AFP - 06/05/2022)
Rena perto da vila de Longyearbyen, na ilha de Spitsbergen, no arquipélago de Svalbard, norte da Noruega: temporada de neve mais curta no Ártico ameaça vida selvagem (Foto: Jonathan Nackstrand / AFP – 06/05/2022)

Temporada de neve menor no Ártico

A neve desempenha papéis críticos no Ártico, e a temporada de neve está diminuindo.

A neve ajuda a manter o Ártico fresco, refletindo a radiação solar recebida de volta ao espaço, em vez de permitir que ela seja absorvida pelo solo mais escuro e sem neve. Sua presença ajuda o gelo do lago a durar mais na primavera e ajuda a terra a reter a umidade por mais tempo no verão, evitando condições excessivamente secas que são propícias a incêndios florestais devastadores.

A neve também é usada pelos deslocamentos de caçadores – com seus snowmobiles – e um habitat para muitos animais que dependem dela para fazer ninhos e moradas para filhotes e se proteger de predadores.

Uma estação de neve cada vez menor está interrompendo essas funções críticas. Por exemplo, a extensão da cobertura de neve de junho no Ártico está diminuindo a uma taxa de quase 20% por década, marcando uma mudança dramática na forma como a temporada é definida e vivenciada no Polo Norte.

Mesmo no auge do inverno, as temperaturas mais quentes estão surgindo. A cidade de Utqiaġvik, no extremo norte do Alasca, atingiu 40 graus Fahrenheit (4,4º C graus  acima de zero) em 5 de dezembro de 2022, embora o sol não rompa o horizonte de meados de novembro a meados de janeiro.

Quedas fatais através do gelo fino do mar, lago e rio estão aumentando em todo o Alasca, resultando em tragédias imediatas, além de aumentar o custo humano cumulativo da mudança climática que os povos indígenas do Ártico estão enfrentando em uma escala geracional.

Icebergs formados pelo desprendimento das geleiras na Baía de Disko, na Groenlândia: região perdeu 36% da superfície do manto de gelo no fim do verão no Hemisfério Norte (Foto: Robert Meerding / ANP MAG / AFP - 17/09/2022)
Icebergs formados pelo desprendimento das geleiras na Baía de Disko, na Groenlândia: região perdeu 36% da superfície do manto de gelo no fim do verão no Hemisfério Norte (Foto: Robert Meerding / ANP MAG / AFP – 17/09/2022)

Derretimento do gelo na Groenlândia

Os impactos do aquecimento do Ártico não se limitam à região. Em 2022, a camada de gelo da Groenlândia perdeu gelo pelo 25º ano consecutivo. Isso contribui para a elevação dos mares, aumentando o perigo para comunidades costeiras em todo o mundo que precisam se planejar para mitigar inundações e tempestades.

No início de setembro de 2022, o manto de gelo da Groenlândia experimentou um evento de derretimento sem precedentes para o final da temporada de calor: 36% da superfície do manto de gelo. Isso foi seguido por outro evento de derretimento no mesmo mês, causado pelas consequências do furacão Fiona, subindo ao longo do leste da América do Norte.

Equipes internacionais de cientistas se dedicam a avaliar a escala em que a formação e a perda de gelo da camada de gelo da Groenlândia está desequilibradas. Eles também estão aprendendo cada vez mais sobre o papel transformador que o aquecimento das águas oceânicas desempenha.

O Arctic Report Card deste ano inclui descobertas da missão Oceans Melting Greenland (OMG) da NASA, que confirmou que o aquecimento das temperaturas oceânicas está aumentando a perda de gelo nas bordas da camada de gelo.

Mudanças causadas pelo homem

Estamos vivendo em uma nova era geológica – o Antropoceno – em que a atividade humana é a influência dominante em nosso clima e ambientes. No aquecimento do Ártico, isso exige que os tomadores de decisão antecipem melhor a interação entre um clima em mudança e a atividade humana. Por exemplo, dados de satélites desde 2009 mostram claramente que o tráfego marítimo de navios aumentou em todo o alto mar do Ártico e nas zonas econômicas costeiras dos países na região à medida que a região se aqueceu.

Para essas águas ecologicamente sensíveis, esse tráfego adicional de navios levanta preocupações urgentes, desde o futuro das rotas comerciais do Ártico até a introdução de ainda mais tensões causadas pelo homem nos povos, ecossistemas e clima do Ártico. Essas preocupações são especialmente pronunciadas devido às incertezas em relação às atuais tensões geopolíticas entre a Rússia e os outros estados do Ártico – Noruega, Dinamarca (Groenlândia), Islândia, Canadá e Estados Unidos (Alasca) – por causa de sua guerra na Ucrânia.

O rápido aquecimento do Ártico requer novas formas de parceria e compartilhamento de informações, inclusive entre cientistas e detentores de conhecimento indígenas. A cooperação e a construção de resiliência podem ajudar a reduzir alguns riscos, mas uma ação global para controlar a poluição por gases de efeito estufa é essencial para todo o planeta.

*Matthew Druckenmiller é pesquisador do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo (NSIDC), do Instituto Cooperativo de Pesquisa em Ciências Ambientais (CIRES) da Universidade do Colorado Boulder; Rick Thoman é especialista em Clima da Universidade do Alasca Fairbanks; e Twila Moon é cientista-chefe adjunta, Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo (NSIDC), do Instituto Cooperativo de Pesquisa em Ciências Ambientais (CIRES), Universidade do Colorado Boulder

 

The Conversation

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