Cidadania ecológica: vizinhos de rio carioca mantêm curso d’água a salvo da poluição

Hoje com 47 anos, Roberto Fonseca há mais de 20 anos se dedica à limpeza do rio e preservação ambiental da comunidade. Foto: Ana Carolina Aguiar

Projeto Horto Natureza, fundado em 2020, faz o trabalho de preservação ambiental em comunidade do Jardim Botânico, na Zona Sul da capital fluminense

Por Ana Carolina Aguiar | ODS 11ODS 6 • Publicada em 6 de fevereiro de 2023 - 08:10 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 14:35

Hoje com 47 anos, Roberto Fonseca há mais de 20 anos se dedica à limpeza do rio e preservação ambiental da comunidade. Foto: Ana Carolina Aguiar

Entre condomínios e mansões das mais caras na Zona Sul carioca, resiste a bicentenária comunidade do Horto, que vive entre as árvores da Mata Atlântica e um rio, cenários de lições cotidianas da mais renitente cidadania ecológica. Moradores nos fundos do Jardim Botânico, que frequentemente são ameaçados de despejo, cuidam voluntariamente da preservação ambiental do território e da limpeza do Rio dos Macacos, que atravessa o lugar até desaguar na Lagoa Rodrigo de Freitas.

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A partir da sua relação com a natureza e a vontade de contribuir com a comunidade onde cresceu, Roberto Fonseca fundou, em 2020, o projeto Horto Natureza. Desde criança, ele tem proximidade intensa com o meio ambiente. Seu tio-avô, o Folha Seca, trabalhava na limpeza do Jardim Botânico e também monitorava a limpeza das águas do Rio dos Macacos. “Ele sempre vinha aqui atrás na casa do meu avô e comecei a observar o cuidado dele com o rio”, narra ele Fonseca que, em 2001, se tornou Guardião do Rio – iniciativa da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.

Em 2005, a iniciativa na comunidade parou, mas o ambientalista resolveu continuar na manutenção e revitalização do curso d’água. “Com o incentivo da família e o trabalho de guardião, continuei essa limpeza porque gosto de tomar banho de rio. Essa harmonia com a natureza cresceu em mim quando percebi que a gente merece morar aqui e ter água bem cuidada”, explica.  

Para Fonseca, o compromisso da preservação começa pelos moradores. “A responsabilidade é nossa como ser humano. Tomamos banho no rio e nos pocinhos, principalmente no verão. Os órgãos vêm para ajudar na coleta, educação ambiental e saneamento básico, mas o compromisso com a preservação é nosso”, convoca. O Horto Natureza varre o estigma social de que a poluição vem da área mais pobre do bairro. “A intenção era sempre acusar a comunidade pela destruição da vegetação e sujeira no rio. Hoje estamos aqui para mostrar que é um rio limpo, com o oxigênio que deixa a Lagoa com a água brilhando”, orgulha-se.

O Rio dos Macacos cruza a comunidade do Horto e áreas periféricas: água limpa. Foto: Ana Carolina Aguiar

A gente colabora com educação e com a manutenção, como guardiões do rio. Uma coisa muito importante é que os moradores estão cooperando. Não se vê mais tanto lixo como era antigamente dentro dele

Ricardo Matheus
Guardião do Rio e morador da comunidade do Horto há 65 anos

A visibilidade por meio das redes sociais permitiu a Fonseca mostrar seu trabalho e também fazer denúncias.  “A rede social me fez aparecer. Desde 2001, são 22 anos. Não tínhamos isso. Antigamente, lá embaixo eles acusavam o Rio dos Macacos de poluição e atribuíam à  favela”, reclama. Para ele, o trabalho do Horto Natureza no Rio dos Macacos, junto com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e os Guardiões do Rio, está dando resultado. O líder da iniciativa percorre diariamente o curso do rio desde a Floresta da Tijuca, descendo pelas casas da comunidade, passando pelos canais do Jardim Botânico até a Lagoa. 

O Projeto Horto Natureza promove educação ambiental para os moradores da comunidade. Foto: Ana Carolina Aguiar

Além de Fonseca, Ricardo Matheus e Alvin Figueiredo são Guardiões do Rio e trabalham no projeto. Diariamente, descem o rio para retirar os resíduos plásticos. Matheus mora no Horto há 65 anos e é testemunha da despoluição. “A gente colabora com educação e com a manutenção. Uma coisa muito importante é que os moradores estão ajudando. Não se vê mais tanto lixo como era antigamente dentro dele”, festeja.

Isso ajuda a descaracterizar essa imagem de uma comunidade invasora e predadora do meio-ambiente. Sendo que é justamente o contrário, nós fomos fincados aqui para defender o meio-ambiente e trabalhar com ele

Alvin Figueiredo
Guardião do Rio e morador da comunidade do Horto

Figueiredo também atesta a boa qualidade da água, devido ao trabalho realizado pelo Horto Natureza e o programa Guardiões do Rio. Para ele, a culpa da poluição ainda não é recai sobre a população mais rica, que mora em volta da Lagoa. “Só falam do saneamento básico por lá, não aqui. Os programas nascem e se interrompem novamente, então a população local realmente sempre fez sua manutenção. Não fosse assim, aqui estaria como outros lugares da cidade. Essa é a água que o Jardim Botânico usa lá nos lagos deles”, revela.

Figueiredo e Matheus estavam desempregados quando Fonseca convidou os dois para o Horto Natureza. “Precisamos sobreviver, então o programa trouxe a parte econômica. Junto a isso, veio a vontade de fazer algo pela comunidade, desconstruindo a imagem de invasora e predadora do meio ambiente. É justamente o contrário, estamos aqui para preservar e defender a vegetação e as águas”, garante. 

O projeto é a outra cara do Horto. Tem como ficar a comunidade e tem como ficar a natureza

Roberto Fonseca
Guardião do Rio e fundador do Projeto Horto Natureza

Idealizado por Dom João VI em 1808, o Jardim Botânico foi construído pelos escravos, ancestrais de grande parte dos moradores do Horto. Em 1830, ainda durante a construção, os primeiros moradores chegaram ali, iniciando uma relação que atravessou várias gerações até hoje. Figueiredo relata que essa preocupação com  a natureza sempre existiu nos seus pais e avós, dentro da ideia de preservar o território. Quando criança, estudou na Escola Municipal Julia Kubitschek, voltada para os filhos dos trabalhadores dos órgão ambientais na época. “Antes não tinha escola para os filhos desses trabalhadores. Ou seja, foi o poder público dizendo ‘fiquem e trabalhem aí porque seus filhos vão ter educação’ ”.

A Horta Comunitária Professor Walter carrega esse nome em homenagem a um mestre de ciências de uma das escolas da comunidade. Foto: Ana Carolina Aguiar

Eles pregam que o trabalho realizado no Horto deveria se multiplicar. Além do Horto Natureza cuidar da manutenção e despoluição do Rio dos Macacos, o projeto também realiza atividades com crianças da comunidade estimulando a educação ambiental, além de manter uma horta comunitária. A ideia é trazer pertencimento aos moradores, que plantam as sementes e cuidam das plantas. “O mais importante para mim é o benefício de ver um morador ajudar. Isso já entra na nossa questão de preservação e que merecemos estar aqui. O projeto é a outra cara do Horto. Tem como ficar a comunidade e tem como ficar a natureza”, sustenta Roberto.

Ana Carolina Aguiar

Jornalista, comunicadora antirracista, da Baixada Fluminense e apaixonada por ouvir e contar histórias. Seja por meio da fotografia, audiovisual ou escrita. Foi estagiária da assessoria de comunicação do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro e colaboradora do portal Notícia Preta.

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