Jardim Botânico do Rio vai ganhar área de soltura de animais silvestres

Tucano-do-bico-preto no Jardim Botânico do Rio: animais silvestres de espécies nativas do parque vão ganhar área para soltura (Foto: Alexandre Machado/JBRJ)

Espécies nativas do parque serão libertadas por instituto especializado em acolher bichos feridos, retirados de seu habitat ou vítimas de tráfico

Por Trajano de Moraes | ODS 15 • Publicada em 19 de agosto de 2022 - 07:56 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 10:21

Tucano-do-bico-preto no Jardim Botânico do Rio: animais silvestres de espécies nativas do parque vão ganhar área para soltura (Foto: Alexandre Machado/JBRJ)

Você já ouviu falar do murucututu-de-barriga amarela? É uma ave da família estrigiforme. Continua no escuro? E se eu disser que é uma coruja, melhorou? Pois a possibilidade de frequentadores e visitantes do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) avistarem uma delas vai aumentar com o acordo firmado com o Instituto Vida Livre (IVL). Não só dessa ave como de uma série de animais naturais do local, outros que podem ser encontrados lá e espécies compatíveis com o JBRJ, do macaco-prego ao tucano-de-bico-preto.

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O IVL tem por objetivo o acolhimento de animais feridos, doentes, extraviados de seu habitat ou apreendidos por órgãos de fiscalização, seu tratamento, reabilitação e soltura na natureza. O trabalho, que já está em fase inicial, é realizado em conjunto com a Equipe de Fauna do JBRJ. Os animais chegam ao IVL devido a uma série de fatores, como atropelamento em rodovias, maus tratos de toda a sorte, filhotes órfãos, queda de ninhos, choques em fios de eletricidade, apreensões do tráfico, entre outros.

A fauna é historicamente negligenciada no Brasil. A importância da proteção à biodiversidade não consta de nenhum currículo escolar. É como se fosse um luxo aprender sobre animais silvestres no país

Roched Seba
Fundador do Instituto Vida Livre

O Instituto, fundado em 2015, vai construir, com o apoio de seus parceiros e de doações, três recintos de soltura no Jardim Botânico, cada um com 7m de comprimento por 3m de altura. Ali, os animais vão para a fase final de reabilitação e treinamento para seu retorno à natureza. A partir do acordo de cooperação técnica, animais levados ao IVL já estão sendo soltos no JBRJ. Mas sso se intensificará com a construção dos recintos, prevista até o fim do ano. Trabalham no IVL cinco veterinários e uma bióloga, que contam com o apoio da Equipe de Fauna do JBRJ. Os dois órgãos já são parceiros nessa difícil e delicada tarefa de conservação da biodiversidade.

Em entrevista ao #Colabora, o diretor de Ambiente e Tecnologia do JBRJ, Marcos Gaspar, explicou os pontos positivos do acordo. “O IVL tem uma estrutura, principalmente veterinária, que auxilia o Jardim Botânico quando resgatamos algum animal que precisa de cuidados. Além disso, recebemos espécies da região, o que ajuda no processo de repovoamento da fauna local”.

Murucututu-de-barriga-amarela, espécie nativa do Jardim Botânico: parceria para soltar animais recuperados após tratamento (Foto: Carlos Costa/JBRJ)
Murucututu-de-barriga-amarela, espécie nativa do Jardim Botânico: parceria para soltar animais recuperados após tratamento (Foto: Carlos Costa/JBRJ)

Segundo Marina Bordin, responsável pela Equipe de Fauna da instituição, além do murucututu-de-barriga amarela,jibóia, macaco-prego, cachorro-do-mato, gambá-de-orelha-preta, preguiça-comum, ouriço-caixeiro e tucano-de-bico-preto também são nativas do JBRJ. Uma fêmea desta espécie de tucano foi alvo de ação do IVL com enorme repercussão: a ave, sem um pedaço da parte superior do bico, foi apreendida numa feira do tráfico de animais no Rio. Em parceria com três universidades, uma prótese de plástico coberta com esmalte e selada com óleo de mamona foi desenvolvida após três meses de trabalho. Uma impressora 3D encarregou-se de tornar realidade a parte do bico perdida por Tieta, nome escolhido para a tucana, e implantada com sucesso na ave.

Diretor-fundador do IVL, Roched Seba descreveu a experiência inicial de Tieta com a prótese, que restituiu a aparência original à tucana. “Ela levou três dias para entender que seu bico estava reconstituído. Demos frutas e ela ignorou. Mas, quando demos animais vivos, como larvas ou baratas, ela os ingeriu imediatamente. Creio que era esse o tipo de alimentação que ela comia antes de perder parte do bico, e isso ativou sua memória”.

Recentemente, o Ibama nos repassou cerca de 200 passarinhos apreendidos de traficantes. Essa cultura de manter em gaiola, para usufruto de uma pessoa, precisa mudar. Eles são de todos nós, devem estar soltos na natureza

Roched Seba
Fundador do Instituto Vida Livre

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi fundado em 1808 por d. João VI e ocupa uma área de 143 mil m2, equivalente a 17 campos de futebol de dimensões oficiais. Há novos projetos em andamento e, segundo o diretor Marcos Gaspar, um dos mais importantes é o Programa Ecomuseu. O parque reúne amplo acervo que vai de sítios arqueológicos, obras de arte, monumentos e edificações históricas até coleções científicas e biológicas, como de seu herbário e do próprio arboreto, a área de visitação mais conhecida do público.

Preguiça-de-três-dedos no Jardim Botânico do Rio: centro de pesquisa dos biomas brasileiros (Foto: Alexandre Machado/JBRJ)
Preguiça-de-três-dedos no Jardim Botânico do Rio: centro de pesquisa dos biomas brasileiros (Foto: Alexandre Machado/JBRJ)

O programa reunirá esse acervo a partir de sete núcleos conceituais: sítios arqueológicos, coleções vivas, conjuntos paisagísticos, monumentos, obras de arte, pesquisa e ensino. O conceito prevê a musealização in-situ, isto é, o objeto não é separado de seu contexto e ambiente. Um dos objetivos do programa é criar ações de conscientização ambiental a partir do fortalecimento das relações com a sociedade e estimular o desenvolvimento sustentável do patrimônio material e imaterial do JBRJ, disse Marcos Gaspar. Os já existentes museus do Meio Ambiente e Sítio Arqueológico Casa dos Pilões farão parte do programa.

O Instituto de Pesquisas Jardim Botânico abriga algumas das principais linhas de pesquisa do país sobre os biomas brasileiros e tem intensificado as parcerias com outros órgãos e instituições para proteção da flora e da fauna. Por exemplo, com a Secretaria de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, coleta e identificação de espécies ameaçadas de extinção para possibilitar sua recuperação; com o Instituto Nacional do Meio Ambiente (INMA), para conservação da biodiversidade da Mata Atlântica na região central-serra do Espírito Santo; com o Instituto Chico Mendes, intercâmbio científico com ênfase no Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade; com a Fiocruz, pesquisas para geração de produtos relacionados a espécies da flora brasileira e pesquisas de pós-graduação e mestrado; com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), para conservação, restauração e manejo da biodiversidade do Pantanal, da Caatinga e do Pampa, entre outras.

O Instituto Vida Livre, por sua vez, se mantém com doações e parcerias, sem vínculo com o setor público, a não ser em termos de cooperação. Os animais que chegam ao IVL ficam em suas próprias instalações ou em recintos nas outras áreas de soltura até que tenham condições de serem postos em liberdade. Em sete anos de atividades, a instituição tem números robustos para mostrar. Segundo o diretor Roched Seba, são cerca de 10 mil animais atendidos e mais de três mil hectares transformados em áreas de soltura e monitoramento da fauna, regulamentadas pelo Ibama. Mais três áreas estão em andamento no Ibama. Seba prefere não dizer onde ficam para não atrair caçadores e traficantes de animais.

Roched Seba, diretor-fundador do IVL, com um cachorro-do-mato reabilitado na instituição: mais de 10 mil animais atendidos desde 2015 (Foto: Instituto Vida Livre / Divulgação)
Roched Seba, diretor-fundador do IVL, com um cachorro-do-mato reabilitado na instituição: mais de 10 mil animais atendidos desde 2015 (Foto: Instituto Vida Livre / Divulgação)

De acordo com Roched Seba, araras e tucanos foram via aérea para o Cerrado;, harpias e jaguatiricas, para o Rio Grande do Sul; catetos, bugios e um gato-do-mato, para o próprio Estado do Rio. “A fauna é historicamente negligenciada no Brasil. A importância da proteção à biodiversidade não consta de nenhum currículo escolar. É como se fosse um luxo aprender sobre animais silvestres no país. O valor da biodiversidade é muito grande”, afirmou o fundador do IVL. “Recentemente, o Ibama nos repassou cerca de 200 passarinhos apreendidos de traficantes. Essa cultura de manter em gaiola, para usufruto de uma pessoa, precisa mudar. Eles são de todos nós, devem estar soltos na natureza”, acrescentou.

O IVL, que inaugurou recentemente sua sede no bairro do Jardim Botânico, busca ampliar a cooperação com empresas e instituições privadas para fazer frente à demanda por acolhida, tratamento, reabilitação e soltura de espécies. O instituto estuda receber estagiários das áreas de veterinária e biologia e também voluntários e tem conseguido apoio de companhias aéreas para repatriação de animais. O IVL também produz, em conjunto com a National Geographic, a série Livres no Rio – que está na TV a cabo e vai ficar disponível em streaming – e mantém projetos paralelos na área artística, que serão expostos na ArtRio, a ser realizada de 14 a 18 de setembro.

Trajano de Moraes

Jornalista com longas passagens por Jornal do Brasil, na década de 1970, e O Globo (1987 a 2014), sempre tratando de temas de Política Internacional e/ou Economia. Estava posto em sossego quando foi irresistivelmente atraído pelos encantos do #Colabora. E resolveu sair da toca.

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