Para vencer desigualdade, universidade privada precisa se inspirar na pública

Pesquisador concorda que é preciso mais vagas em instituições privadas, desde que o modelo seja semelhante ao das públicas

Por Chico Alves | ODS 4 • Publicada em 19 de junho de 2019 - 08:00 • Atualizada em 23 de junho de 2019 - 16:13

Pesquisa mostra que, apesar das recentes ações de inclusão, universidade no Brasil é desigual (Foto Jose Pelaez/Image source)

Sugestão recorrente na fala do polêmico ministro da Educação, Simon Weintraub, para melhorar o acesso dos estudantes brasileiros ao ensino superior, o fortalecimento das universidades privadas é uma providência que alguns pesquisadores da área avaliam ser realmente necessária. Mas não concordam que isso deva ser feito em prejuízo das universidades públicas, como dá a entender Weintraub, mas paralelo a elas. “Pela composição atual do ensino superior,  a manutenção de um setor que explicitamente tenta incorporar estudantes de perfis heterogêneos, tanto em relação a poder aquisitivo quanto a outros fatores, como raça e gênero, deve ser mantido. É assim o setor público, com as cotas, por exemplo”, argumenta Flavio Carvalhaes, pesquisador do departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Mas se a gente quer reduzir as desigualdades precisamos de políticas de incentivo para que o setor privado também incorpore estudantes de outras faixas de renda e outras características”.

Leia mais reportagens da série #100diasdebalbúrdiafederal

Os alunos mais pobres buscam conexão mais visível com o mercado de trabalho, como as áreas que tenham contato com o ensino ou carreiras como Secretariado Executivo e Ciências Contábeis

Em  parceria com o professor Carlos Antonio Costa Ribeiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Carvalhaes é autor de uma pesquisa que avalia de que maneira o fato de ser rico ou pobre, homem ou mulher, branco ou negro reflete no acesso a 34 cursos de ensino superior. O estudo foi feito baseado em informações do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) de 2007 a 2009. Concluíram que a tardia expansão da oferta do ensino univesitário brasileiro para os grupos estudados não representou quebra significativa na desigualdade. A formação superior realmente representa um aumento de renda, mas esse acréscimo de salário é desproporcional entre os diferentes grupos. Dessa forma, o ensino recebido na universidade mantém as desigualdades, conclui a pesquisa.

Flavio, de azul, com sua equipe: universidade ainda é desigual (Foto: arquivo pessoal)

Cursos “masculinos” e “femininos”

Há exemplos claros. Estudantes oriundos de classe social de maior poder aquisitivo têm quase 15 vezes mais chances de ter acesso ao curso de Medicina que aqueles de menor poder aquisitivo. Relações Internacionais e Odontologia são outros exemplos de carreiras que recebem em grande maioria alunos de famílias de maior renda. Do outro lado, Matemática, Geografia e Pedagogia são cursos com grande contingente de pessoas de menor renda. “Os alunos mais pobres buscam conexão mais visível com o mercado de trabalho, como as áreas que tenham contato com o ensino ou carreiras como Secretariado Executivo e Ciências Contábeis”, explica o professor da UFRJ.

Essa distribuição desigual também se verifica se observada pelo filtro de gênero e raça.  Engenharia e Agronomia, por exemplo, são cursos “masculinos”, enquanto Pedagogia e Secretariado são cursos “femininos”. Na comparação entre brancos e negros, a característica não é tão marcante, mas há maior concentração de negros em áreas como Biblioteconomia e Serviço Social, enquanto os brancos estão mais presentes nos cursos de Medicina, Odontologia e Agronomia.

Prouni esvaziado

Uma das providências para solucionar  essa estratificação, reforça Carvalhaes, é mesmo recorrer à ampliação ao acesso às universidades privadas, já que aparentemente não há dinheiro disponível no governo para multiplicar as vagas nas instituições públicas, que atualmente são insuficientes. “O desenho para uma iniciativa como essa pode ser o mesmo do Prouni. Tínhamos uma política redistributiva que foi desencorajada. O governo poderia seguir esse modelo, apenas aprimorando para termos mais controle sobre a qualidade da oferta educacional”, defende. “É preciso um sistema regulatório bem encaixado e o MEC já tem esse sistema instalado, que pode ser melhorado. No Prouni, as instituições de ensino recebem subsídio do governo federal, mas essa política foi reduzida em favor do Fundo de financiamento estudantil (Fies).”

Se a gente não pensar em políticas públicas que aproveitem vagas no setor privado vamos deixar gerações não atendidas

Outra política pública possível, a partir das constatações do estudo, é a melhoria do ensino médio, que possibilitaria diminuir a desigualdade no acesso aos cursos “de rico”, onde praticamente só entra quem estudou nos melhores colégios preparatórios, quase sempre muito caros. “Parte da solução para aperfeiçoar o acesso ao ensino superior é melhorar o ensino médio. Mas se a gente virasse a Finlândia de hoje para amanhã ainda iríamos demorar muito tempo para ver isso fazer efeito”, acredita o sociólogo.

LEIA MAIS: Cotas para negros e transexuais na pós-graudação

LEIA MAIS: A universidade é pública, a iniciativa é privada

Por isso, aumentar as possibilidades de acesso aos diversos cursos universitários com fortalecimento das instituições privadas é uma medida necessária. Desde que, diferentemente do que sugere o ministro da Educação, as particulares aprendam com as públicas a ampliar as possibilidades dos estudantes mais pobres, independentemente de gênero ou cor da pele. “Se a gente não pensar em políticas públicas que aproveitem vagas no setor privado vamos deixar gerações não atendidas”, reforça Carvalhaes. Ele alerta, porém, que é preciso reforçar os padrões de qualidade. É preciso que se compreenda que o ensino superior não é meramente aula, mas há outros componentes importantes, como a pesquisa. As particulares  devem ser incentivadas, mas  de modo a garantir a qualidade. Nenhum país do mundo trata o ensino superior como mercado desregulado como qualquer produto que se vende numa prateleira”.

33/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal pretende mostrar, durante esse período, a importância  das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil

Chico Alves

Chico Alves tem 30 anos de profissão: por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Na maior parte da carreira atuou como editor-assistente na revista ISTOÉ, mais precisamente por 19 anos. Foi editor-chefe do jornal O DIA por mais de três anos. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho.

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *