ODS 1
Contra Bolsonaro, Suécia homenageia cinema brasileiro
Festival exibe 15 filmes nacionais e diretor define presidente como “ex-militar de direita que vê os cineastas brasileiros como inimigos armados com câmeras”
O Festival de Cinema de Gotemburgo, na Suécia, é considerado o maior do gênero nos países nórdicos. Seus organizadores, todos os anos, saem pelo mundo em busca de filmes para exibir na mostra, que, em 2020, acontecerá entre os dias 24 de janeiro e 3 de fevereiro. São cerca de 450 títulos e 80 países representados. Este ano, em sua 43ª edição, o Brasil terá um destaque especial. E a justificativa para a escolha mistura o reconhecimento da qualidade dos profissionais brasileiros e de seus trabalhos com o temor da “política cultural” do atual presidente da República.
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Veja o que já enviamos“Talvez o cinema brasileiro nunca tenha sido melhor do que é agora. Ainda assim, corre o risco de ser destruído. Essa contradição é o ponto de partida para o foco do Festival de Cinema de Gotemburgo nos filmes brasileiros, uma homenagem à arte cinematográfica brasileira e uma manifestação de solidariedade aos cineastas do país que atualmente enfrentam uma enorme pressão política”, afirma Jonas Holmberg, diretor artístico do evento, em texto no site oficial do festival. O presidente Jair Bolsonaro é descrito por Holmberg como um “ex-militar de direita que vê os cineastas brasileiros como inimigos armados com câmeras”.
“(…) Ele (Bolsonaro) tem sido muito claro sobre querer mudar radicalmente o cinema brasileiro. Ou destruí-lo”, afirma o diretor do Festival de Gotemburgo. “Em julho, Bolsonaro fez um discurso que parecia uma bomba no mundo do cinema. Ele afirmou que o estado não mais financiaria ‘pornografia’ e que os cineastas brasileiros deveriam ‘defender os valores da família’ e ‘prestar homenagem aos heróis brasileiros’”, informa Holmberg, graduado em cinema e que atuou como crítico por muitos anos.
[g1_quote author_name=”Jonas Holmberg” author_description=”Diretor do Festival de Gotemburgo” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Os ataques de Bolsonaro à arte cinematográfica livre estão chegando ao mesmo tempo que um boom no cinema brasileiro. Desde o Cinema Novo, da década de 1960, o cinema brasileiro nunca foi tão bem-sucedido como agora.
[/g1_quote]Até a transferência da sede da Ancine para Brasília foi citada pelo diretor artístico do festival de Gotemburgo: “Ele (Bolsonaro) anunciou que a sede da Ancine seria transferida do Rio de Janeiro para Brasília, mais perto do controle político. E, a menos que a Ancine concorde em introduzir ‘filtros’, a instituição será completamente fechada. (…) grande parte da indústria cinematográfica ficou aterrorizada, paranóica (…)”.
As críticas à política cultural do governo Bolsonaro para o cinema realçam os rasgados elogios à produção brasileira. “Os ataques de Bolsonaro à arte cinematográfica livre estão chegando ao mesmo tempo que um boom no cinema brasileiro. Desde o Cinema Novo, da década de 1960, o cinema brasileiro nunca foi tão bem-sucedido como agora. Nos últimos anos, muitos filmes brasileiros foram elogiados em festivais internacionais – somente este ano foram premiados diversos”, afirma o sueco, que cita Bacurau, dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles; A Vida Invisível, com direção de Karim Ainouz; A Febre, de Maya Werneck Da-Rin; Pacificado, dirigido por Paxton Winters, entre outros. No total, incluindo esses títulos, serão exibidos 15 filmes brasileiros.
Holmberg escolheu Bacurau como o símbolo “da guerra cultural em andamento”. Para ele, o filme é um “neo-faroeste”, que exala Sergio Leone e Quentin Tarantino, e estabeleceu recordes de audiência, não só por ser excelente, “mas também porque se tornou um ato de resistência”. Ele reproduziu um post do Twitter, sem revelar a autoria: “Deveria ser obrigatório ver Bacurau, especialmente se você é da Europa ou dos Estados Unidos. Você entenderá quem você é, quem somos e o que encontramos. Nós somos as pessoas. Nós somos a resistência”.
[g1_quote author_name=”Jonas Holmberg” author_description=”Diretor do Festival de Gotemburgo” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]O cinema brasileiro não é um movimento nacional de resistência política que fala a uma só voz. É internacional, versátil e contraditório, mas, através de suas representações da sociedade brasileira, capta reflexões incríveis do presente e uma forte esperança para o futuro
[/g1_quote]Na avaliação de Holmberg, “a fundação da nova era de ouro do cinema brasileiro foi lançada” no início dos anos 2000. “Foi nessa época que a Ancine foi fundada, e o presidente Lula da Silva, e seu ministro da Cultura, Gilberto Gil, formularam uma estratégia de política para filmes. Entre outras coisas, os impostos sobre os canais de TV e telefonia móvel permitiram o financiamento de amplo apoio ao cinema e a regionalização da política cinematográfica, permitindo que a produção ocorresse fora dos centros culturais do Rio e São Paulo”, informa o sueco. “O resultado foi uma explosão quantitativa (em 1992 foram feitos três filmes no Brasil, em 2019 o número ultrapassou 300), um fogo de artifício artístico e uma maior diversidade social. Novos grupos tiveram a oportunidade de fazer filmes, e minorias sociais, étnicas e sexuais receberam um interesse cinematográfico de uma maneira totalmente nova”, avalia.
“Bolsonaro vai significar o fim de tudo isso? (…) Talvez se ele tiver a energia e as habilidades necessárias para realmente cumprir o que prometeu. Então, falências, drenos de talentos e uma avalanche de filmes evangélicos provavelmente se tornarão realidade”, teme o sueco. “Mas Bolsonaro promete mais do que pode cumprir. Até agora, tudo é muito incerto, embora a autocensura seja sempre a primeira a se espalhar. A maioria dos filmes que estreará agora foi financiada e gravada antes da entrada do presidente no poder, e são obras que fornecem uma imagem crítica e multifacetada da nação brasileira, seus sonhos, repressão e movimentos de resistência”, diz Holmberg.
Cinema feito por mulheres
Para o diretor artístico do festival, juntamente com filmes como o documentário de protesto ativista Espero tua (re)volta, de Eliza Capai, e A Febre, drama dirigido por Maya Werneck Da-Rin e estrelado por um ator indígena, Bacurau “apresenta uma imagem multifacetada dos conflitos, sonhos e pesadelos de uma sociedade”. “O cinema brasileiro não é um movimento nacional de resistência política que fala a uma só voz. É internacional, versátil e contraditório, mas, através de suas representações da sociedade brasileira, capta reflexões incríveis do presente e uma forte esperança para o futuro”, finaliza o sueco.
Mas a defesa do cinema brasileiro não é o único exemplo da importância sociocultural do Festival de Gotemburgo, ao qual, em média, comparecem anualmente cerca de 160 mil pessoas. Este ano, a metade dos filmes exibidos foram dirigidos por mulheres, parte da iniciativa “Visão 50/50”. A ideia é apresentar obras contemporâneas dirigidas sob a ótica feminina. Na abertura do festival, será exibido, pela primeira vez, Psychosis, dirigido por Maria Bäck, que leva às telas os traumas provocados por abuso sexual. Junto com a competição, haverá mostras dedicadas a filmes que apresentam diferentes graus de problemas enfrentados por mulheres em todo o mundo.
Em outro texto do site oficial, Holmberg diz que a mostra (Focus: Brazil) é uma homenagem a uma das culturas cinematográficas mais fascinantes do mundo. Ao longo desta semana, deverão ser anunciados os outros filmes brasileiros no festival. Entre os diretores internacionais com presença anunciada em Gotemburgo, estão os brasileiros Karim Aïniouz e Juliano Dornelles. Além das exibições de filmes, o festival oferece seminários, apresentações de música ao vivo e exposições de arte.
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