O mundo está mais triste

Quase 40 por cento dos adultos ouvidos pela pesquisa disseram ter passado por ansiedade ou estresse no dia anterior. Foto IGOR STEVANOVIC /Science Photo Library

Pesquisa feita em 147 países com mais de 154 mil pessoas mostra que nível de felicidade é o mais baixo em dez anos

Por José Eduardo Mendonça | ODS 15ODS 3 • Publicada em 8 de outubro de 2018 - 08:20 • Atualizada em 8 de outubro de 2018 - 14:51

Quase 40 por cento dos adultos ouvidos pela pesquisa disseram ter passado por ansiedade ou estresse no dia anterior. Foto IGOR STEVANOVIC /Science Photo Library
Quase 40 por cento dos adultos ouvidos pela pesquisa disseram ter passado por ansiedade ou estresse no dia anterior. Foto IGOR STEVANOVIC /Science Photo Library
Quase 40 por cento dos adultos ouvidos pela pesquisa disseram ter passado por ansiedade ou estresse no dia anterior. Foto IGOR STEVANOVIC /Science Photo Library

Tempos bicudos, ou assim parece, se levarmos em conta um índice mundial levantado a partir de pesquisa realizada pelo instituto Gallup, Global Emotions Report, e publicada este mês de setembro. Segundo ela, aumenta o número de pessoas que se dizem ansiosas ou estressadas. A República Central Africana (RCA), envolta em conflitos, é a nação mais triste do mundo, seguida do Iraque.

Coletivamente, o mundo está mais estressado, preocupado, triste ou em dor, hoje do que vimos anteriormente

A parte do relatório onde figuram os piores desempenhos é o Índice de Experiência Negativa, uma medida de como os pesquisados experimentaram sensações de preocupação, estresse, triste, raiva ou dor no dia anterior à entrevista. Quase 40 por cento dos adultos disseram ter passado por ansiedade ou estresse, enquanto 31 por cento disseram que sentiram dor física, 23 por cento tristeza e 20 por cento, raiva. A nota final foi de 30, contra 28 de 2016, e bem acima dos 23 de 2007.

“Coletivamente, o mundo está mais estressado, preocupado, triste ou em dor, hoje do que vimos anteriormente”, afirmou o editor-chefe do relatório, Mohamed Younis. “Na RCA e em alguns outros lugares grandes percentagens da população lutam para conseguir apenas o básico”, diz a principal autora do estudo, Julie Rays. A África Subsaariana, como região, lidera o ranking, com 24 dos 35 países que tiveram os índices mais baixos em 2017, em muitos casos por conflitos que destroem seus sistemas de saúde e levam o povo à fome.

Os países ricos não estão imunes à queda. Cerca de metade dos americanos entrevistados disseram se sentir estressados, quase a mesma proporção da RCA. O economista Jan-Emmanuel De Neve, professor em Oxford e especialista na economia da felicidade, afirmou ser “perturbador” ver o humor global despencar em meio a um pano de fundo de aumento da riqueza e progresso material. “Provavelmente, há um indicador estrutural no fato de o aumento da riqueza não ser inclusivo o bastante”, afirmou.

Manifestação em Assunção contra a homofobia e pelos direitos LGBT. O Paraguai aparece na pesquisa como um dos países mais positivos do mundo. Foto Norberto Duarte/AFP
Manifestação em Assunção contra a homofobia e pelos direitos LGBT. O Paraguai aparece na pesquisa como um dos países mais positivos do mundo. Foto Norberto Duarte/AFP

O Paraguai ficou no topo da lista dos países mais positivos, nos quais os residentes foram perguntados se se sentiam bem, descansados, tratados com respeito, felizes consigo mesmos e se tinham aprendido alguma coisa no dia anterior. No fim da lista figuram Iêmen e Afeganistão.

Para a elaboração do Índice de Experiência Positiva, foram as seguintes as perguntas, todas relativas ao dia anterior da entrevista: Você se sentiu bem descansado? Foi tratado com respeito o dia todo? Sorriu ou riu muito? Aprendeu alguma coisa interessante? Se divertiu?

Já para o Índice de Experiência Negativa, as perguntas foram estas: Você experimentou dor física? Se preocupou? Ficou triste? Sentiu-se estressado? Com raiva?

Assim como nas edições anteriores, diz o relatório, a América Latina mostra ser a região mais feliz do mundo, “o que em parte reflete a tendência cultural local de se focar nas coisas positivas da vida”. Os únicos países, fora desta região, com melhores notas são Canadá, Islândia, Indonésia e Uzbequistâo. O trabalho divulgado não menciona o Brasil tanto na categoria positiva quanto na negativa.

Baseados na pesquisa do Gallup, psicólogos da Universdidade de Purdue, nos EUA, elaboraram um estudo segundo o qual, em todo mundo o dinheiro pode comprar felicidade, mas há limites para isso. Existe um “ponto de satisfação”, no qual a renda maior não gera mais felicidade. O ponto depende de onde as pessoas vivem, mas globalmente ele ocorre em lares com renda anual de US$ 60 mil no caso de emoções positivas, e US$ 75 mil em negativas. A sugestão é que custos associados com rendas mais altas, como maior demanda de tempo, horários de trabalhos mais longos e maior responsabilidade podem levar a estas reduções.

Grande parte das discussões sobre desigualdade de renda centra-se nos problemas dos muito pobres ou nas suas implicações socioeconômicas mais amplas. O que se sabia menos é que a desigualdade torna a vida de todos nós menos feliz, mesmo que estejamos relativamente bem de dinheiro. E quanto mais renda estiver concentrada nas mãos de poucos, mais provável que indivíduos relatem níveis mais baixos de satisfação com a vida e mais emoções negativas em seus cotidianos.

Um estudo paralelo feito por De Neve com a Universidade de Cornell, nos EUA, cita dados da organização humanitária Oxfam, que afirma que os 62 bilionários mais ricos do mundo têm a mesma quantidade de riqueza que 3.6 bilhões de pessoas – a metade mais pobre da população mundial. E, segue o estudo, “apesar da preocupação crescente com as implicações econômicas e sociais da riqueza entre a elite, continuamos a saber pouco sobre como a maior concentração de riqueza do 1 por cento influencia o bem-estar dos outros 99 por cento”

Uma coisa, no entanto, ficou clara: “Há um lembrete gritante dizendo que se não se trata apenas de quanto você tem, ou quanto tem o 1 por cento. Com este grau de acumulação, algumas coisas, como a casa própria, começam a ficar fora do alcance, mesmo que você seja um membro da classe média”. Além disso, podem haver razões psicológicas na correlação entre as rendas mais baixas e o decréscimo na média do bem-estar: um aumento na renda do 1 por cento faz com que sintamos que as chances de melhorarmos de vida são cada vez mais impossíveis.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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Um comentário em “O mundo está mais triste

  1. Claudia Lessa disse:

    É muito importante a divulgação dessas informações e dados sobre as desigualdades econômicas e sociais, além da falta de informação a o sonho da meritocracia.
    Claudia Lessa

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