Presidente Lula, precisamos tirar o meio ambiente do cercadinho

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva conversa com a ex-ministra Marina Silva durante um comício de campanha em Belo Horizonte. Foto Douglas Magno/AFP

Deixar de criar a autoridade climática, com status de ministério, é um erro grave do novo governo

Por Agostinho Vieira | ODS 13 • Publicada em 27 de dezembro de 2022 - 09:08 • Atualizada em 23 de janeiro de 2023 - 13:15

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva conversa com a ex-ministra Marina Silva durante um comício de campanha em Belo Horizonte. Foto Douglas Magno/AFP

Tudo indica que Marina Silva, ex-ministra, ex-senadora e deputada federal eleita por São Paulo, será a nova Ministra do Meio Ambiente. Decisão acertadíssima do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e muito aguardada pelos especialistas do setor. Marina é uma referência inquestionável na área ambiental, reconhecida e respeitada internacionalmente. O problema é que a confirmação do nome de Marina Silva para compor o ministério, da maneira como foi conduzida, joga por terra uma das melhores e mais promissoras ideias do novo governo: a criação do posto de Autoridade Climática com status de ministério e ligado diretamente ao presidente da república.

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Em suas redes sociais, Marina Silva defendeu a tese de que a “Autoridade Climática é um cargo técnico e que deve ficar vinculado ao Ministério do Meio Ambiente”. Não é. A futura ministra está errada. Trata-se de um cargo político, muito político, talvez o mais político de toda a Esplanada. Tanto que necessita do respaldo direto e próximo do presidente eleito, o único que teve mais de 60 milhões de votos. Lula precisa ser o avalista da decisão de transformar o combate incansável à crise climática em tarefa urgente e prioritária do governo. Se não for assim, nada acontecerá. Aliás, como o presidente Lula explicou didaticamente em seu discurso na COP27, em novembro. Vale relembrar alguns trechos:

“Senhoras e senhores, a Organização Mundial da Saúde alerta que a crise climática compromete vidas e gera impactos negativos na economia dos países.

Segundo projeções da Organização, entre 2030 e 2050 o aquecimento global poderá causar aproximadamente 250 mil mortes adicionais ao ano – por desnutrição, malária, diarreia e estresse provocado pelo calor excessivo.

O impacto econômico de todo esse processo, apenas no que se refere aos custos de danos diretos à saúde, é estimado pela OMS entre 2 e 4 bilhões de dólares por ano até 2030.

Ninguém está a salvo.

Os Estados Unidos convivem com tornados e tempestades tropicais cada vez mais frequentes e com potencial destrutivo sem precedentes.

Países insulares estão simplesmente ameaçados de desaparecer.

No Brasil, que é uma potência florestal e hídrica, vivemos em 2021 a maior seca em 90 anos, e fomos assolados por enchentes de grandes proporções que impactaram milhões de pessoas.

Repito: ninguém está a salvo. A emergência climática afeta a todos, embora seus efeitos recaiam com maior intensidade sobre os mais vulneráveis.

Por isso, a luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo.

Senhores e senhoras, não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida. Não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030, da mesma forma que mais de 130 países se comprometeram ao assinar a Declaração de Líderes de Glasgow sobre Florestas.

Por esse motivo, quero aproveitar esta Conferência para anunciar que o combate à mudança climática terá o mais alto perfil na estrutura do meu governo”.

Um bom discurso, certamente, mas, pelo visto, difícil de ser posto em prática. Tenho a impressão de que “o mais alto perfil na estrutura do meu governo” não é exatamente um quadro técnico. Uma hipotética “Autoridade Climática”, se alguma autoridade tiver, haverá de negociar de igual para igual com a área de Agricultura, com o agronegócio, com o Ministério das Minas e Energia, com o Ministério das Cidades, com o Ministério das Relações Exteriores, com a Educação e com os diversos grupos de interesse aboletados no Congresso. Não é tarefa simples.

Quando Marina Silva deixou o governo Lula, em maio de 2008, após cinco anos, quatro meses e 12 dias no cargo, foi exatamente por conta de arestas criadas, e que não puderam ser aparadas, com áreas como Agricultura e Minas e Energia. Alguns colegas de ministério diziam que ela era intransigente demais. Intransigente ou coerente? Perguntarão outros. Pouco importa. O fato é que o trabalho foi interrompido, em mais um capítulo da antiga e mofada novela que põe em lados opostos produção e preservação. É verdade que a Marina Silva de 2022 não é mesma de 2008, assim como o Luiz Inácio da COP 27 não é o mesmo da COP 15.

O fato é que, por motivos alheios aos interesses nacionais, corremos o risco, mais uma vez, de não priorizar o que deveria ser priorizado. Não é só a questão climática, item dramaticamente urgente da pauta, mas todos os temas ditos ambientais, como a preservação da Amazônia, a recuperação dos demais biomas, a agricultura de baixo carbono, a qualidade da água, a poluição nas cidades, a alimentação saudável e tantos outros. E não é só porque cuidar desses assuntos é politicamente correto. Também é. Mas, neste momento, tirar o meio ambiente do cercadinho apertado de uma única pasta, transformá-lo em pauta transversal e em prioridade nacional, pode fazer uma enorme diferença entre elevar ou não o Brasil à condição de potência ambiental respeitada e admirada por todo o mundo.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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