#Colabora, Ponte e Amazônia Real na final do Prêmio Herzog

A dona Júlia Marques, de 89 anos, mora às margens da BR-135, no Maranhão, e está no contingente dos sem direito ao saneamento básico: não têm esgoto, água encanada e sua casa, construída de pau a pique, não é contemplada por coleta de lixo. Foto Yuri Fernandes

Série de reportagens sobre os brasileiros “Sem Direitos” mostra como a colaboração ajuda o jornalismo a ir mais longe e ter mais qualidade

Por Carolina Moura | ODS 10 • Publicada em 2 de outubro de 2019 - 17:01 • Atualizada em 3 de outubro de 2019 - 18:46

A dona Júlia Marques, de 89 anos, mora às margens da BR-135, no Maranhão, e está no contingente dos sem direito ao saneamento básico: não têm esgoto, água encanada e sua casa, construída de pau a pique, não é contemplada por coleta de lixo. Foto Yuri Fernandes
Moradora do interior do Maranhão, Dona Júlia Marques não tem os três serviços de saneamento básico, assim como 58,8% dos nordestinos. Foto Yuri Fernandes
Moradora do interior do Maranhão, Dona Júlia Marques não tem os três serviços de saneamento básico, assim como 58,8% dos nordestinos. Foto Yuri Fernandes

A série de reportagens “Sem Direitos”, sobre os brasileiros que vivem sem a garantia de direitos básicos é uma das finalistas do 41ª Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, na categoria Multimídia.  O trabalho colaborativo foi resultado de uma parceria entre o Projeto #Colabora, a Amazônia Real e a Ponte Jornalismo, três iniciativas de jornalismo independente e nativo digital. De autoria da jornalista Adriana Barsotti, do #Colabora, a série contou com a participação de Carolina Moura, Catarina Barbosa, Edu Carvalho e Fausto Salvadori, com imagens e vídeos de Daniel Arroyo, Pedrosa Neto e Yuri Fernandes e infográficos de Fernando Alvarus. As reportagens, publicadas durante cinco dias, mostraram que cerca de 65% dos brasileiros não têm pelo menos um dos seguintes direitos garantidos pela Constituição: educação, proteção social, moradia adequada, saneamento básico e comunicação (internet). Ao longo do trabalho de apuração, foi incluído um sexto direito que também não é respeitado: o direito à vida. Os dados foram extraídos da Pesquisa Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE 2017 e 2018.

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A série contou, entre outras, as histórias de Júlia Marques, de 89 anos, e de Pedro Leôncio de Sousa, de 87 anos. Ela mora às margens da BR-135, entre os povoados de Ponta da Ilha e Curva, no Maranhão. Ele mora na Rocinha, a maior favela do Brasil, localizada no Rio de Janeiro. Dona Júlia está no contingente dos sem direitos ao saneamento básico: não têm esgoto, água encanada e sua casa, construída de pau a pique, está sem coleta de lixo. Seu Pedro faz parte do grupo populacional dos sem direitos à educação: é analfabeto. Figura entre os 7% dos brasileiros de 15 anos ou mais que não sabem ler nem escrever, segundo o IBGE.

Juntos conseguimos ir a mais estados do que poderíamos com nosso orçamento. Ampliamos a divulgação do material e conseguimos fazer com que ele reverberasse mais. É um formato de jornalismo colaborativo encarar o outro não como concorrente, mas como parceiro. Estamos unindo forças

O maior desafio dessa série, para Adriana Barsotti, foi trabalhar com o jornalismo de dados. “Eu tinha pouca experiência com jornalismo de dados. Primeiro eu li relatórios do IBGE e, a partir desses documentos, fui pedindo várias planilhas para o pesquisador até chegar aos números que estão nos infográficos das reportagens”, contou Adriana. “É uma área que pretendo investir cada vez mais daqui para frente. Hoje temos muitos números disponíveis e pouca gente para organizá-los. O jornalista precisa desempenhar esse papel”, completou. Outra coisa importante, segundo ela, foi o pool feito com a Ponte Jornalismo e a Amazônia Real: “Juntos ,conseguimos ir a mais estados do que poderíamos com nosso orçamento. Conseguimos ampliar a divulgação do material e fazer com que ele reverberasse mais. É um formato de jornalismo colaborativo encarar o outro não como concorrente, mas como parceiro. Estamos unindo forças”, acrescentou.

Há 25 anos,  a jornalista já havia sido agraciada com uma menção honrosa neste mesmo Prêmio, com a  reportagem “História secreta da Guerrilha do Araguaia”, junto com os colegas Amaury Ribeiro Jr, Aziz Filho, Cid Benjamin e Consuelo Dieguez.

Para dar rosto a essas pessoas que vivem à margem do que a Constituição assegura, o #Colabora, a Amazônia Real e a Ponte Jornalismo foram a três regiões do país. E foi decidido criar uma sexta categoria: os sem direito à vida, vítimas da violência policial que assola o país. Segundo a OAB, a polícia brasileira é a que mais mata no mundo. No Complexo da Maré, uma das maiores favelas do Rio, os jornalistas conversaram com Bruna Silva, mãe de Marcus Vinicius, de 14 anos, morto pelas forças da intervenção federal no Rio quando estava a caminho da Escola Estadual Vicente Mariano, em 20 de julho de 2018. Ele vestia uma camiseta do colégio no dia em que foi baleado. “O direito de vê-lo crescer me foi negado pelo Estado”, lamentou Bruna.

Isaac Santos na ocupação Laércio Barbalho: "Comprei as tábuas e ganhei as telhas de um amigo”/ Foto Pedrosa Neto
Isaac Santos na ocupação Laércio Barbalho: “Comprei as tábuas e ganhei as telhas de um amigo”. Foto Pedrosa Neto

Fausto Salvadori, Editor da Ponte Jornalismo, se sentiu honrado com a indicação: “É uma honra para qualquer jornalista ser finalista do prêmio Vladimir Herzog, um nome que desde sempre é sinônimo de luta por direitos humanos”, disse. “Essa indicação mostra que reportagens boas e de impacto podem surgir quando os veículos jornalísticos deixam de lado por um momento a lógica da competição, que é tão forte em nosso meio, e abraçam a ideia da cooperação”, concluiu.

Entre os estados, o Amapá é o que concentra o maior número de brasileiros sem direitos, com 95,7% da população excluída, praticamente em empate técnico com Rondônia, com 95,6%, seguido do Pará, com 95%. Clay Luiz Nascimento Cirilo, de 38 anos, está entre os paraenses sem moradia adequada. Ele tem 38 anos e mora com a mulher, Mirian Neves Aquino, de 24, e as duas filhas, Rebeca e Raiane, de 8 e 6 anos, em uma casa de um cômodo construída na ocupação Laércio Barbalho, localizada na Rodovia do Tapanã, bairro afastado do centro de Belém.

Para Kátia Brasil, Editora da Amazônia Real, dar visibilidade aos que são esquecidos pelo poder público é a missão do jornalista. “Fico muito feliz de saber que somos finalistas desse prêmio importante. Precisamos dar voz a essas pessoas que não têm, que são esquecidas pelo governo, que não têm direitos”, declarou. “É muito importante essa série, principalmente porque foi feita de uma forma colaborativa. Um veículo ajudando o outro deu neste resultado”, finalizou.

Os outros finalistas, na categoria Multimídia, são o site G1, com a reportagem “Monitor da Violência: um ano depois”; o trabalho “Segunda Chance”, do Jornal do Comércio Online, de Recife; e o especial “Vidas Secas – 80 anos”, do jornal O Estado de S.Paulo.

Carolina Moura

Jornalista com interesse em Direitos Humanos, Segurança Pública e Cultura. Já passou pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Jornal O DIA e TV Bandeirantes. Como freelancer já colaborou com reportagens para Folha de São Paulo, Al Jazeera, Ponte Jornalismo, Agência Pública e The Intercept Brasil.

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