ODS 1
Filtro natural reduz contaminação da água por hormônios
Trabalho de pesquisadores do Rio Grande do Sul é premiado em evento de sustentabilidade nos EUA
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Assim como os alimentos, os medicamentos que ingerimos produzem substâncias que, não sendo absorvidas pelo organismo, são eliminadas na natureza. Com os contraceptivos não é diferente. Perto de completar 60 anos, em 2020, a venda de pílulas anticoncepcionais e as suas consequências para o meio ambiente ainda são pouco debatidas. No entanto, o consumo elevado e a liberação desses produtos na água são um grave problema global. Estudos comprovam a relação clara com a diminuição de peixes e espécies anfíbias, a contaminação dos corpos hídricos e outros efeitos no ecossistema. Para equilibrar o volume de hormônios no ambiente, países como Estados Unidos e Alemanha já investem em processos como a ozonolização, oxidação e degradação dos compostos hormonais presentes na água. O procedimento, caro, torna-se inviável num país do tamanho do Brasil. Mas pesquisadores do Rio Grande do Sul desenvolveram um método mais barato para a solução do problema: a biorremediação.
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O objetivo dos gaúchos Eduardo Cirio, técnico em química, e Daniel Spohr, graduado em materiais e processos avançados na FAU, na Alemanha, ambos alunos pesquisadores bolsistas do CNPq na Unisinos, é implementar o processo no tratamento das águas do país. Para isso, Cirio trabalha no protótipo de uma Estação de Tratamento de Esgoto que utilize o meio de degradação, maneira possível de reduzir a concentração desses princípios através. Os resultados obtidos na pesquisa são significativos. Todas as combinações utilizadas pelos pesquisadores tiveram uma diminuição da concentração inicial dos compostos hormonais. O melhor resultado alcançado pelos autores foi com a bactéria Bacillus thuringiensis, em que houve uma taxa média de degradação de 82% do hormônio.
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Como parte do projeto, a dupla estudou e mapeou o comportamento das estações de tratamento de esgoto do país, para aproveitar sua estrutura. Eles identificaram o uso da biorremediação em Lagoas Aeradas, uma das formas de saneamento básico, e perceberam que os microorganismos não estavam dando conta da quantidade desses hormônios. Os pesquisadores, então, selecionaram bactérias específicas, obtendo melhores resultados. Depois de publicarem em 2014 o artigo “Utilização de microrganismos na degradação de hormônios estrógenos”, com as professoras Carla Kereski Ruschel (da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha) e Tânia Pizzolato (UFRGS), Spohr e Cirio deram continuidade ao trabalho sob orientação de Carla, e venceram o Prêmio de Incentivo à Pesquisa Carlos Armando Koch da Prefeitura de Novo Hamburgo, em 2013, e ficaram em terceiro lugar na categoria Meio Ambiente da I-Sweeep 2014 – International Sustainable World (Energy, Engineering & Environment) Project Olympiad, em Houston, Texas (EUA).
De acordo com Spohr, o fato de o Brasil ser privilegiado em volume de água vinha permitindo aos próprios rios e demais fontes de captação realizar a biorremediação: “Esses estrógenos são biorremediados naturalmente, e por isso não tínhamos esses níveis de estrógeno na água potável, na água da torneira. Mas, com esse excesso de consumo, isso está começando a chegar. E tende a aumentar, porque o recurso natural, a forma natural de biorremediação, não dá conta”.
[g1_quote author_name=”Daniel Sphor” author_description=”Pesquisador” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]São problemas graves que estão atrelados à água. O impacto na vida das pessoas é de assustar. Você começa a pensar ‘não vou mais beber água’. As pessoas utilizam os filtros nas casas e acham que a água é boa para tomar, mas o que se tira nos filtros são os resíduos sólidos
[/g1_quote]O alto consumo de pílulas no Brasil é verificável no Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico divulgado pela Anvisa. De todos os medicamentos, o 8º princípio ativo mais vendido (entre 50 milhões e 100 milhões) é uma fórmula de contraceptivos (levonorgestrel; etinilestradiol), à frente da nimesulida (10º no ranking), contra inflamação, dor e febre, e usado tanto por homens como por mulheres. Entre os 60 princípios ativos com maior faturamento em 2017 no país, cinco são contraceptivos, ou seja, cerca de 10% (o maior deles, gestodeno; etinilestradiol).
“São problemas graves que estão atrelados à água. O impacto na vida das pessoas é bem forte, é de assustar. Você começa a pensar ‘não vou mais beber água’. As pessoas utilizam os filtros nas casas e acham que a água é boa para tomar, mas o que se tira nos filtros são os resíduos sólidos. Eu me preocupo como consumidor dessa água e me sinto na obrigação de fazer alguma coisa na área da pesquisa”, diz Sphor.
O projeto procura sanar um problema de saúde pública que grande parte das pessoas desconhece, inclusive o poder público. “Conversamos com autoridades públicas, procurando parcerias na Estação de Tratamento em Porto Alegre. Mostraram interesse no nosso trabalho, mas tinham conhecimento zero do assunto”, conta Cirio.
Baixo também é o ritmo dos investimentos em saneamento no Brasil, que deveria ser de R$ 15 bilhões ano, mas ficou abaixo de R$ 7 bilhões, empurrando para perto de 2060 a estimativa da universalização do serviço. Assim, o Brasil está longe de garantir dois dos direitos humanos à população: o acesso à água potável e ao esgotamento sanitário. Pelo menos 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e 49% da população não é atendida por sistema de coleta de esgoto, segundo relatório do Instituto Trata Brasil. É como se 5.000 piscinas olímpicas de esgotos fossem despejadas na natureza diariamente. “Antes de querer tratar de problemas como estrógeno, a gente tem que tratar os problemas básicos”, afirma Daniel Spohr.
Ainda de acordo com o pesquisador, é mais fácil focar no tratamento da água do em campanhas pelo uso consciente de anticoncepcionais ou antibióticos. “Mas, apesar das dificuldades em ambos os caminhos, é preciso modificar com urgência o cenário atual, uma vez que se trata de complicações preocupantes”.
Estudo publicado na revista Science, em 2016, aponta que os hormônios dispensados pelo organismo humano desregulam o organismo dos peixes ao chegarem a bacias e oceanos. De acordo com a pesquisa, a elevada concentração do hormônio leva os machos da espécie a apresentarem características femininas, fato que pode resultar na sua extinção. No Brasil, Karina Scurupa Machado, em dissertação de mestrado pela Universidade Federal do Paraná, em 2010, demonstrou a presença desses compostos nos corpos hídricos e até nos efluentes domésticos da Bacia do Alto Iguaçu, região metropolitana de Curitiba.
Entre 2013 e 2017, o Programa de Consolidação do Pacto Nacional pela Gestão das Águas (Progestão) transferiu R$ 73,8 milhões aos estados para o desenvolvimento da gestão de recursos hídricos. O Progestão é um programa de incentivo financeiro da Agência Nacional de Águas (ANA) aos sistemas estaduais, para aplicação exclusiva em ações de fortalecimento institucional e de gerenciamento de recursos hídricos. A quantia de até R$ 5 milhões por estado é liberada mediante o cumprimento das metas pactuadas e da efetivação de investimentos com orçamento próprio mínimo de R$ 250 mil.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]65/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal pretende mostrar, durante esse período, a importância das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil
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Estudante de jornalismo da PUC-Rio e bolsista de Iniciação Científica, em pesquisa sobre livros-reportagem. Estagia desde o primeiro período da faculdade, como assistente de comunicação do Centro Loyola de Fé e Cultura, apresentadora e produtora do CNT Notícias RJ, produtora e roteirista de documentário do Coral da PUC-Rio.
Amante da natureza, se dedica a causas ambientais.
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