A cidade que driblou a greve dos caminhoneiros

A Escola Municipal Professor José Boeing funcionou normalmente ontem. Foto Divulgação

Em Rio Fortuna, aulas não são suspensas, unidade de saúde funciona normalmente e pode até sobrar leite

Por Adriana Barsotti | ODS 15 • Publicada em 29 de maio de 2018 - 08:21 • Atualizada em 29 de maio de 2018 - 15:05

A Escola Municipal Professor José Boeing funcionou normalmente ontem. Foto Divulgação
A Escola Municipal Professor José Boeing funcionou normalmente ontem. Foto Divulgação
A Escola Municipal Professor José Boeing funcionou normalmente ontem. Foto Divulgação

Enquanto 556 rodovias continuavam bloqueadas, dez dos 54 aeroportos do país paravam sem combustível, frotas de ônibus eram reduzidas nas principais capitais, manifestantes ocupavam as vias de 25 estados e aulas e cirurgias permaneciam suspensas em escolas, universidades e hospitais, uma cidade no sul do Brasil driblava os efeitos da greve dos caminhoneiros, que completou oito dias nesta segunda-feira (28/5). Na pequena Rio Fortuna, em Santa Catarina, de apenas 4.606 habitantes, a vida seguia sem atropelos: as escolas e a unidade de saúde funcionaram normalmente e o transporte escolar das crianças, feito pela prefeitura, também foi mantido. Pelo menos até o dia 30 não há risco de faltar combustível para conduzir os alunos.

Creio que o pessoal vai tentar beneficiar o leite produzindo queijo artesanal para o consumo das próprias famílias. Mas como a população é pequena e todos são próximos, acredito que o leite também vai ser distribuído à população

O país enfrenta desabastecimento nos supermercados de várias capitais, com prateleiras vazias nas seções de frutas, legumes, verduras e carne. Já em Rio Fortuna, a 14 ª cidade do país em renda domiciliar per capita, começa a faltar apenas  gás de cozinha e leite de caixinha nos mercados, o que não chega a ser um problema, pois a cidade é uma das grandes produtoras de leite de Santa Catarina. Pelo contrário: pode ser que a greve faça sobrar leite.

Quem explica as razões é a engenheira agrônoma Marcela Padilha, da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), empresa pública do governo de Santa Catarina que tem como objetivos a pesquisa e a promoção da competitividade dos produtores rurais. “As vacas precisam ser ordenhadas todos os dias para que mantenham sua vida útil”, explica. “A questão é que talvez as indústrias de laticínios não tenham como ir buscar o leite dos produtores devido à falta de diesel”, prossegue. “Então, pode ser que sobre leite porque ele vai continuar sendo retirado. A solução será dar aos porcos, fazer queijo ou distribuir ao pessoal”, indica a engenheira. “É até mais saudável do que o de caixinha”, completa.

O único posto de saúde da cidade não foi afetado pela greve. Foto Yuri Fernandes
O posto de saúde da cidade não foi afetado pela greve. Foto Yuri Fernandes

No município, onde 65% dos habitantes moram na zona rural, é comum também plantar o que se come e criar animais para o próprio consumo. Como a família Roecker, produtora de leite. O casal Roseli e Luiz Gonzaga, de 48 e 53 anos e o filho Luiz Henrique, de 24, cultivam sua própria horta, onde há batata, aipim, couve, laranja, pêssego e ameixa, entre outras frutas e verduras. Galinhas e gado para consumo próprio também são criados por eles.  O hábito dos moradores da cidade é mais uma razão para espantar o fantasma do desabastecimento de alimentos.

Luiz Henrique se preocupa com a possível falta de combustível para escoar a produção de leite, bem como a falta de ração para os animais. “Mas estão todos cientes de que é um mal necessário, pois já vínhamos há algum tempo com lucros reduzidos”, afirma o jovem produtor sobre a greve dos caminhoneiros. “A esperança é que essa paralisação traga frutos positivos, como a diminuição dos combustíveis”. O movimento mostrou o fracasso das entidades sindicais que tentaram falar pela categoria. Em Rio Fortuna, entretanto, a palavra de ordem é união. Na noite de segunda-feira (28/05), houve uma marcha na rua principal da cidade em apoio aos caminhoneiros convocada espontaneamente por WhatsApp. Uma das moradoras fez uma transmissão ao vivo pelo Facebook. Luiz Henrique afirma que, caso haja a interrupção do escoamento do leite, o excedente será muito grande. “Creio que o pessoal vai tentar beneficiá-lo produzindo queijo artesanal para o consumo das próprias famílias”, supõe. “Mas como a população é pequena e todos são próximos, acredito que o leite também vai ser distribuído à população”, afirma. Mesmo sem selo de certificação – pois o produto é produzido apenas como matéria-prima para as indústrias de lacticínios – parte dele também deve ser vendido localmente.

A orientação na prefeitura, administrada pelo prefeito Lindomar Balmann, do PSD, é manter todos os serviços básicos até dia 30/5, quando uma nova reunião de avaliação será realizada. Até mesmo os encontros da terceira idade, promovidos pela Secretaria de Assistência Social, estão garantidos. “Vamos segurar até o limite. Por enquanto, as escolas têm merenda e há combustível para transportar os alunos”, afirma a assessora de imprensa da prefeitura, Késsia Meurer. Como o ensino é 100% público, todas as escolas estão funcionando. Apenas o transporte de pacientes para outros municípios ficou restrito aos casos graves: hemodiálise, radioterapia, quimioterapia e emergências. Rio Fortuna é mais um ingrediente para se entender o complexo enredo da crise que parou o país.

Adriana Barsotti

É jornalista com experiência nas redações de O Estado de S.Paulo, IstoÉ e O Globo, onde ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo com a série de reportagens “A história secreta da Guerrilha do Araguaia”. Pelo #Colabora, foi vencedora do Prêmio Vladimir Herzog, em 2019, na categoria multimídia, com a série "Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil", em um pool jornalístico com a Amazônia Real e a Ponte Jornalismo. Professora Adjunta do Instituto de Arte e Comunicação Social (Iacs), na Universidade Federal Fluminense (UFF), é autora dos livros “Jornalista em mutação: do cão de guarda ao mobilizador de audiência” e "Uma história da primeira página: do grito no papel ao silêncio no jornalismo em rede". É colaboradora no #Colabora e acredita (muito!) no futuro da profissão.

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