Para entender o fracasso sindical da greve dos caminhoneiros

Apenas 9% dos trabalhadores brasileiros são sindicalizados; apesar do aumento no número de autônomos, filiações vêm caindo

Por Adriana Barsotti | ODS 8 • Publicada em 27 de maio de 2018 - 15:52 • Atualizada em 29 de maio de 2018 - 13:25

Centenas de caminhões bloqueiam a Rodovia Presidente Dutra, em São Paulo. Foto STR/AFP
Centenas de caminhões bloqueiam a Rodovia Presidente Dutra, em São Paulo. Foto STR/AFP

“Não me representa”. Foi a mensagem dos caminhoneiros ao discordarem do acordo firmado pelo governo Temer com oito entidades da categoria e continuarem a greve que iniciaram para protestar principalmente contra os sucessivos aumentos no preço do diesel. Não é para menos. A baixa representatividade dos sindicatos no país é uma das razões para isso. Só 9% dos trabalhadores brasileiros são sindicalizados. No setor de serviços, onde se inclui os transportes, o índice é ainda mais baixo: 7,8%, segundo dados do Ministério do Trabalho citados na pesquisa Síntese dos Indicadores Sociais 2017, do IBGE.

Entre os jovens brasileiros de 16 a 29 anos, a taxa de sindicalização era de apenas 5,9% em 2015. Entre o grupo de 50 a 59 anos, era de 13,4%. O IBGE alerta que, uma vez que a adesão dos mais jovens equivale à metade dos mais velhos, “menos representativos poderão se tornar os sindicatos”

Foi via WhatsApp, e não por meio das entidades sindicais, que caminhoneiros se organizaram, deixando desmoralizado o alto escalão do governo e surpreendendo a população, que enfrentou bloqueios nas estradas de todo o país e desabastecimento de combustíveis e alimentos. Calcula-se que um terço desses caminhoneiros seja autônomo. E trabalhadores com esse perfil também não têm recorrido aos sindicatos para os representarem. O número de profissionais que trabalham por conta própria ou como empregadores aumentou de 24 milhões para 28 milhões entre 2012 e 2016 como reflexo do aumento do desemprego no país. O crescimento é equivalente a 11,3%. Entretanto, no mesmo período, o percentual dos que se associaram a cooperativas de trabalho ou produção caiu, no mesmo período, de 6,4% para 5,9%, revelou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.

Quanto mais jovem o trabalhador, menor também é a chance de ser sindicalizado. Um vídeo de dois caminhoneiros fazendo cover de “Take my breath away” mostrou o vigor da juventude no movimento. Ele circulou pelas redes sociais e foi exibido fartamente no Twitter sob a hashtag #TemerAbaixaAGasolina, na sexta-feira (25 de maio). Entre os jovens brasileiros de 16 a 29 anos, a taxa de sindicalização era de apenas 5,9% em 2015. Entre o grupo de 50 a 59 anos, era de 13,4%. O IBGE alerta que, uma vez que a adesão dos mais jovens equivale à metade dos mais velhos, “menos representativos poderão se tornar os sindicatos”. Ainda seria cedo para uma afirmação conclusiva, adverte o relatório, pois este poderia ser um comportamento que pode se alterar com o avançar da idade. Ou seja, à medida que se torna mais velho, o trabalhador procuraria a proteção sindical. Mas também pode ser “um indicativo de uma mudança definitiva na estrutura sindical do país”, observa o relatório da pesquisa.

Caminhoneiros parados na porta da Reduc, em Caxias. Foto Antonio Scorza/AFP
Caminhoneiros parados na porta da Reduc, em Caxias. Foto Antonio Scorza/AFP

Depois de ver fracassar as negociações do governo Temer com as entidades sindicais, o governador de São Paulo, Márcio França, procurou caminhos alternativos. A OAB identificou motoristas que pudessem falar pela categoria. Identificadas as lideranças, chamou-os para uma reunião neste sábado (26/5) no Palácio dos Bandeirantes. O ministro Raul Jungmann, da Segurança Pública, também reconheceu a impotência da negociação com os sindicatos durante entrevista no Palácio do Planalto, a segunda coletiva do dia do governo para tratar da greve. Ele enfatizou o caráter de rede do movimento, referindo-se ao grau de conectividade e articulação dos caminhoneiros pela internet. Mas as manchetes da coletiva foram para os 37 inquéritos abertos para investigar o locaute promovido pelos donos de transportadoras durante a greve. O quase muxoxo de Jungmann passou despercebido.

Simultaneamente ao processo de enfraquecimento sindical, assistimos à ascensão dos smartphones e das redes sociais, fenômenos estreitamente relacionados. Operadoras de celular já entregam acesso gratuito, sem cobrança de dados, às principais redes, como Facebook e Twitter. A fatia dos consumidores brasileiros que usam smartphones cresceu mais de quatro vezes nos últimos cinco anos. Enquanto em 2012 apenas 14% usavam telefones do gênero, no ano passado, a penetração desses aparelhos atingiu 62%, revelou pesquisa do Google.

No livro “Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet”, Manuel Castells, um dos fundadores do pensamento sobre a sociedade em rede, analisa diversos movimentos que surgiram na internet e ganharam as ruas: Occupy Wall Street, os Indignados, na Espanha, a Primavera Árabe. Em comum, eles nasceram nas redes sociais, mas têm a rua como extensão e concretização de suas reivindicações. Para o sociólogo, o espaço dos movimentos sociais em rede é um espaço híbrido, que flui entre o online e off-line.  Portanto, para além das fraquezas das relações trabalhistas no Brasil, é preciso observar o dinamismo e o poder das redes na articulação de demandas sociais. Resta saber se o fracasso sindical poderá ser preenchido pela organização em rede.

Adriana Barsotti

É jornalista com experiência nas redações de O Estado de S.Paulo, IstoÉ e O Globo, onde ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo com a série de reportagens “A história secreta da Guerrilha do Araguaia”. Pelo #Colabora, foi vencedora do Prêmio Vladimir Herzog, em 2019, na categoria multimídia, com a série "Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil", em um pool jornalístico com a Amazônia Real e a Ponte Jornalismo. Professora Adjunta do Instituto de Arte e Comunicação Social (Iacs), na Universidade Federal Fluminense (UFF), é autora dos livros “Jornalista em mutação: do cão de guarda ao mobilizador de audiência” e "Uma história da primeira página: do grito no papel ao silêncio no jornalismo em rede". É colaboradora no #Colabora e acredita (muito!) no futuro da profissão.

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Um comentário em “Para entender o fracasso sindical da greve dos caminhoneiros

  1. Hylton Sarcinelli Luz disse:

    Muito boa a matéria, pelo que esclarece acerca dos ingredientes decisivos deste bem sucedido movimento, que acrescenta mais um exemplo no cenário das novas articulações em rede, fazendo história e provocando reflexões.

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