Um prefeito oriundo das favelas

Rede de Juventude no Fumace. Foto de Guilherme Figueiredo

Juventude da periferia quer ter voz na política e defende que renovação partidária passa por empatia com questões sociais

Por Liana Melo | ODS 8 • Publicada em 5 de fevereiro de 2018 - 09:48 • Atualizada em 6 de fevereiro de 2018 - 18:06

Rede de Juventude no Fumace. Foto de Guilherme Figueiredo
Rede de Juventude no Fumace. Foto de Guilherme Figueiredo
André Felipe, do projeto “Todo Jovem é Rio”, comanda reunião com jovens da favela do Fumacê, em Realengo, onde mora. Ele enumera os pontos positivos e negativos de um prefeito do Rio vindo da periferia. Foto de Guilherme Figueiredo

Eles são jovens e, em sua maioria, negros. Todos moradores de favela. Cresceram ouvindo os pais falarem mal dos políticos, porque eles só vão a uma comunidade para pedir votos e, invariavelmente, somem, ao final da votação, reaparecendo, quatro anos depois, às vésperas de um novo pleito. De funkeiro a evangélico, passando por candomblecista, trabalhador, estudante, nem nem (que não estuda e nem trabalha), artista, gay, lésbica, travesti, negro, branco… não importa sexo, orientação religiosa, profissão. Com raras exceções, a juventude da periferia tem aversão à política. Acha o assunto muuuuuuuuuuito chato.

A descrença na política não é um fenômeno das favelas e muito menos circunscrita ao Brasil – parece que, ultimamente, nada consegue mobilizar os milhares atraídos às ruas para as “Jornadas de Junho”, em 2013, e durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O ceticismo com as instituições atingiu seu ápice com os sucessivos escândalos de corrupção que emergiram com o processo da Lava-Jato. A sensação é de que o establishment político está caindo de podre. A renovação da representação política virou a palavra de ordem da vez, e será, sem dúvida, uma das marcas das eleições de outubro próximo.

Uma das marcas mais perversas de nossa cultura política é a baixa circulação de ideias e a invisibilidade de opções de candidatura

“Uma das marcas mais perversas de nossa cultura política é a baixa circulação de ideias e a invisibilidade de opções de candidatura”, escreveu o cineasta, escritor, produtor e diretor teatral Marcus Faustini, que, desde 2011, está à frente da Agência de Redes para Juventude. A ONG, que trabalha com jovens entre 15 e 29 anos, moradores de favelas e periferias, entrou no movimento de renovação na política. Só que no lugar de lançar candidaturas, engrossando a lista de novas siglas partidárias, Faustini e sua turma está apostando na possibilidade de a cidade do Rio de Janeiro ter um prefeito vindo da periferia em… 2036. É isso mesmo, só daqui a 18 anos. Parece uma eternidade. Só que não.

Prefeito da favela

Rede de Juventude no Fumace. Foto de Guilherme Figueiredo
Casa na favela do Fumacê abre as portas para receber jovens da comunidade, que aceitaram convite do projeto “Todo Jovem é Rio” para discutir política. Foto de Guilherme Figueiredo

O movimento “Todo Jovem é Rio”, lançado pela Redes, em 2017, está transformando casas nas favelas cariocas em Ágoras, dando uma roupagem contemporânea às praças públicas, onde, na Grécia Antiga, ocorriam as reuniões e assembleias. Nestes encontros, a pergunta feita pela Rede permeia a discussão e o objetivo é de longo prazo: eleger um prefeito de origem popular em 2036.  O projeto inclui 40 encontros em casas de diferentes favelas do Rio. Se Londres pode ter um prefeito muçulmano – Sadiq Khan, eleito em 2016, é filho de um motorista de ônibus com uma costureira paquistaneses -, por que o Rio de Janeiro precisa perpetuar a prática política de eleger prefeitos oriundos das áreas nobres da cidade?

Para os jovens que se reuniram na Favela do Fumacê, em Realengo, na Zona Oeste do Rio, num início de noite, na última semana de janeiro, os principais pontos negativos de um prefeito vindo da favela são discriminação, inexperiência, falta de instrução, ser negro e ser favelado. Divergências à parte, eles convergem quando afirmam em uníssono que, socialmente, “ser favelado é sinônimo de ladrão”. Usando uma metodologia de trabalho que estimula a discussão, o dançarino André Felipe, integrante do grupo Descolados, do Fumacê, e uma jovem liderança local descoberta pela Rede, pede aos jovens presentes no encontro para falarem sobre os pontos positivos de um prefeito favelado. Conhecer o território e saber quais são as reais necessidades dos moradores das favelas são as características positivas apontadas.

Até o final do ano, cerca de 200 jovens de comunidades terão sido mobilizados para discutir política. É um trabalho de formiguinha. Se o objetivo será alcançado daqui a 18 anos ainda é prematuro afirmar, mas o fato é que discutir política ajuda a formar eleitores conscientes. Por enquanto, os jovens têm saído dos encontros convencidos de que discutir política pode ser legal e, o mais importante, que a política não se restringe à esfera do Estado, do governo, dos políticos, de Brasília. Aprendem que fazer política é um ato diário.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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