COP30: Brasil convoca para mutirão global contra mudanças climáticas

Em carta, presidência brasileira faz apelo para países, empresas e comunidades irem além das promessas e agirem coletivamente para acelerar a implementação

Por #Colabora | ODS 13 • Publicada em 10 de março de 2025 - 12:11 • Atualizada em 10 de março de 2025 - 12:23

O presidente da COP30, André Corrêa do Lagoa, fala a jornalistas ao lado da secretária-executiva, Ana Toni: carta convoca países para mutirão global contra mudanças climáticas (Foto: Isabela Castilho/ COP30 Amazônia)

O presidente da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), embaixador André Corrêa do Lago, divulgou nesta segunda-feira, 10/03, uma carta em que convoca o mundo para agir coletiva e urgentemente em um “mutirão” contra a mudança do clima. O documento destaca a necessidade de cooperação internacional para acelerar a implementação, além de soluções climáticas, em uma nova década de ação global para combater a crise climática.

A mudança é inevitável – seja por escolha ou por catástrofe. Se o aquecimento global não for controlado, a mudança nos será imposta, ao desestruturar nossas sociedades, economias e famílias. Mudar pela escolha nos dá a chance de um futuro que não é ditado pela tragédia, mas sim pela resiliência e pela agência em direção a uma visão que nós mesmos projetamos

André Corrêa do Lago
Presidente da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30)

Para manter viva a meta de limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC, o Brasil convida a comunidade internacional para um “mutirão”, palavra em português derivada da família linguística indígena Tupi-Guarani. “A cultura brasileira herdou dos povos indígenas nativos do Brasil o conceito de “mutirão” (“Motirõ” em tupi-guarani), que se refere a uma comunidade que se reúne para trabalhar em uma tarefa compartilhada, seja colhendo, construindo ou apoiando uns aos outros. Ao compartilhar essa inestimável sabedoria ancestral e tecnologia social, a presidência da COP30 convida a comunidade internacional a se juntar ao Brasil em um mutirão global contra a mudança do clima, um esforço global de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. que se refere a um grupo que se reúne para trabalhar uma tarefa compartilhada”, destaca o documento.

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Apenas ao compreender a gravidade do cenário e ao atuar contra a catástrofe e o negacionismo, será possível “reescrever um futuro diferente”, acrescenta a carta. “Juntos, podemos fazer da COP30 o momento em que viramos o jogo, quando colocamos em prática nossas conquistas políticas e nosso conhecimento coletivo sobre o clima para mudar o curso da próxima década”, afirma Corrêa do Lago no documento, que também destaca a importância de defender e fortalecer o regime climático multilateral.

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O chamado coincide com a confirmação de que 2024 foi o ano mais quente já registrado e o primeiro em que a temperatura média global ultrapassou 1,5°C acima de níveis pré-industriais. A COP30, portanto, deve ser um ponto de virada na luta contra a mudança do clima, com a coordenação de esforços entre governos, empresas, mercados, pequenos negócios, cientistas, acadêmicos, inovadores tecnológicos, entre outros.

“A mudança é inevitável – seja por escolha ou por catástrofe. Se o aquecimento global não for controlado, a mudança nos será imposta, ao desestruturar nossas sociedades, economias e famílias”, afirma o presidente da COP30. “Mudar pela escolha nos dá a chance de um futuro que não é ditado pela tragédia, mas sim pela resiliência e pela agência em direção a uma visão que nós mesmos projetamos.”

Alavancas pelo clima

Na avaliação de Corrêa do Lago, houve progresso coletivo significativo, mas muito ainda precisa ser feito para cumprir a meta de 1,5ºC. Com o livro de regras do Acordo de Paris finalizado em 2024, neste ano a conferência do clima da ONU deve dar a largada em uma nova década de inflexão na luta climática global para implementar o que já foi acordado.

Para que os combustíveis fósseis entrem na pauta da conferência será necessário um amplo processo de pressão e união sobre o tema. Apesar do cenário internacional adverso, a liderança do Brasil na COP 30 abre essa oportunidade. A carta da presidência diz que a COP30 pode iniciar uma inflexão na luta contra a crise climática e que podemos ganhar de virada. Para virar esse jogo, o Brasil terá que jogar no ataque

Marcio Astrini
Secretário executivo do Observatório do Clima

Segundo o embaixador, é necessário puxar todas as alavancas possíveis para alinhar os esforços aos objetivos de longo prazo do Acordo de Paris relativos à temperatura, resiliência e fluxos financeiros, por exemplo. Formuladores de políticas nacionais e líderes políticos devem não apenas apresentar Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) compatíveis com 1,5ºC, mas também se comprometer com a cooperação internacional para fortalecer as capacidades e instituições em todos os países.

“Ao reconhecermos que somos todos interdependentes na luta contra a mudança do clima, devemos reconhecer que a comunidade internacional é tão forte quanto seu elo mais fraco”, afirma o embaixador.

Um aspecto-chave da COP30 será tratar de adaptação junto à mitigação. Entre as prioridades da conferência está cumprir o mandato sobre indicadores globais de adaptação, avançar no “Mapa do Caminho de Baku para Adaptação” e o diálogo de alto nível de Baku sobre adaptação. “Para que os objetivos climáticos sejam alcançados, o financiamento da adaptação e da mitigação precisará ser aumentado exponencialmente”, afirma a carta.

Como parte deste esforço, Corrêa do Lago destacou o compromisso de Brasil e Azerbaijão com o trabalho conjunto no “Mapa do Caminho de Baku a Belém para 1,3 Trilhão”, que apontará formas de aumentar o financiamento climático para países em desenvolvimento. O presidente da COP30 também defendeu que Bancos Multilaterais de Desenvolvimento e Instituições Financeiras Internacionais devem evoluir “para entidades maiores, melhores e mais eficazes, que apoiem estruturalmente uma ação climática mais ambiciosa”.

O presidente da COP30, André Corrêa do Lagoa, e a secretária-executiva, Ana Toni em entrevista coletiva: ambientalistas criticam pouca menção a combustíveis fósseis na carta da presidência brasileira da COP30 (Foto: Isabela Castilho/ COP30 Amazônia)
O presidente da COP30, André Corrêa do Lagoa, e a secretária-executiva, Ana Toni em entrevista coletiva: ambientalistas criticam pouca menção a combustíveis fósseis na carta da presidência brasileira da COP30 (Foto: Isabela Castilho/ COP30 Amazônia)

Florestas são chave

André Corrêa do Lago defende a ciência como essencial para reavaliar o papel das florestas e das comunidades que as preservam. “As florestas podem nos fazer ganhar tempo na ação climática durante uma janela de oportunidade que se está fechando rapidamente. Se revertermos o desmatamento e recuperarmos o que foi perdido, poderemos ativar remoções maciças de gases de efeito estufa da atmosfera e, ao mesmo tempo, trazer ecossistemas de volta à vida”.

A carta destaca que aproveitar esse potencial exige mais apoio e investimento global por meio de recursos financeiros, transferência de tecnologia e capacitação. “Ecossistemas mais saudáveis também podem oferecer oportunidades para resiliência e bioeconomia, promovendo meios de subsistência locais, criando cadeias de valor sofisticadas e gerando inovações em biotecnologia”, analisa o embaixador.

Para o presidente da COP30, o tema estará no coração dos debates “Quando a COP chegar à Amazônia, as florestas serão naturalmente um tópico central. Com base nos resultados da Cúpula Amazônica de 2023, a iniciativa “Unidos por nossas Florestas” estimulará o debate sobre o papel das florestas na luta contra a mudança do clima. Os temas que receberão atenção especial serão energia, cidades, tecnologia e inovação, entre outros”, aponta a carta.

Reações dos ambientalistas

Após a divulgação da carta, o Observatório do Clima destacou que o documento traz um alívio e uma preocupação. O alívio é saber que as negociações do Acordo de Paris agora estão na mão de profissionais; a preocupação é ver que a única solução real para a crise do clima – a eliminação gradual, justa e equitativa dos combustíveis fósseis – ainda não consta na lista de prioridades da COP30. “Para que os combustíveis fósseis entrem na pauta da conferência será necessário um amplo processo de pressão e união sobre o tema. Apesar do cenário internacional adverso, a liderança do Brasil na COP 30 abre essa oportunidade”, afirmou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima. “A carta da presidência diz que a COP30 pode iniciar uma inflexão na luta contra a crise climática e que podemos ganhar de virada. Para virar esse jogo, o Brasil terá que jogar no ataque”.

O Instituto ClimaInfo também demonstrou preocupação. “Um ponto merece atenção: a menção aos combustíveis fósseis é mínima. O documento apenas repete a linguagem do Balanço Climático Global da COP28, sem reforçar a necessidade de acelerar a transição e sem indicar como a presidência pretende lidar com esse tema central”, afirmou, em nota, a organização climática, que destaca outros pontos da carta. “O documento traz outra novidade, o “Global Ethical Stocktake” (GES), uma proposta que expande a lógica do Balanço Global Climático (Global Stocktake, GST) para incluir critérios de justiça e responsabilidade histórica. E a sugestão de um “Circle of Indigenous Leadership” (Círculo de Liderança Indígena) pode dar forma concreta à reivindicação do movimento indígena por um papel central na COP30″, apontou.

Alexandre Prado, líder de mudanças climáticas do WWF-Brasil viu no documento um chamado à ação. “A carta do presidente da COP30 é uma mensagem contundente de defesa do multilateralismo, de que apenas saídas individuais não bastam para enfrentar o desafio global das mudanças climáticas. Só a partir do diálogo e da cooperação (e a COP é um espaço privilegiado para que isso aconteça) é que podemos adotar saídas e soluções coletivas para um problema que afeta diretamente a vida das pessoas em todos os lugares do mundo”, destacou. “Essa será a COP da implementação, destacando a essencial participação de lideranças indígenas, mostrando que ciência, tecnologia e conhecimentos tradicionais devem caminhar juntos para o enfrentamento das crises climática e de biodiversidade”, acrescentou.

A gestora ambiental Carolle Alarcon, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, destacou os acertos da Carta da Presidência da COP 30: ênfase no realismo climático, valorização das florestas na luta contra a mudança climática, promessa de protagonismo para os povos indígenas e as comunidades locais. “Outro ponto de destaque é a proposta de formação de um Círculo de Presidências, um grupo que acumularia o conhecimento adquirido em todas as cúpulas desde a assinatura do Acordo de Paris — um reconhecimento dos avanços alcançados, ainda que mais modestos do que o desejável”, afirmou. “Soma-se a isso a importante sinergia proposta entre as discussões de clima, biodiversidade e desertificação, refletindo a interdependência dessas crises globais e a necessidade urgente de abordá-las de forma integrada”.

Ilan Zugman, diretor para a América Latina e Caribe da 350.org, também viu pontos positivos. “A natureza proativa e detalhada dessa carta da presidência da COP30 é um sinal encorajador – especialmente em contraste com a COP29. No entanto, a COP30 deve ser marcada por ações concretas, não apenas discussões e anúncios de compromissos sem maneiras claras de implementá-los”, destacou, lembrando entretanto a falta de citação de metas concretas sobre a eliminação dos combustíveis fósseis. “A presidência da COP30 não deve seguir os discursos contraditórios em torno da expansão dos combustíveis fósseis com os quais o governo brasileiro tem brincado ultimamente”, disse.

#Colabora

Texto produzido pelos jornalistas da redação do #Colabora, um portal de notícias independente que aposta numa visão de sustentabilidade muito além do meio ambiente.

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