Cadeia da carne bovina responde por quase 60% das emissões brasileiras

Boiada em estrada em Mato Grosso: Cadeia da carne bovina responde por quase 60% das emissões brasileiras (Foto: Zig Koch / WWF Brasil)

Sistemas alimentares responderam em 2021 por 73,7% das 2,4 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa lançadas na atmosfera pelo país

Por Oscar Valporto | ODS 12ODS 13 • Publicada em 24 de outubro de 2023 - 12:43 • Atualizada em 21 de novembro de 2023 - 08:54

Boiada em estrada em Mato Grosso: Cadeia da carne bovina responde por quase 60% das emissões brasileiras (Foto: Zig Koch / WWF Brasil)

Estudo com base no SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa) do Observatório do Clima, divulgado nesta terça (24/10), aponta que os sistemas alimentares responderam em 2021 por 73,7% (1,8 bilhão de toneladas) das 2,4 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa lançadas na atmosfera pelo Brasil. Foram consideradas neste recorte o gás carbônico que vai para o ar quando vegetação nativa é convertida em lavouras e pastos, as emissões diretas da agropecuária — como o metano do “arroto” do gado —, os combustíveis fósseis queimados maquinário agrícola e pelo transporte da comida, o uso de energia na agroindústria e nos supermercados e os resíduos sólidos e líquidos de todos esses processos.

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As emissões de sistemas alimentares do país são dominadas pelo desmatamento, grande vilão dos gases de efeito estufa no Brasil ao longo dos anos: o setor de mudança de uso da terra responde por 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente – 56% do total do setor. Depois vem a agropecuária, com emissões lideradas pelo rebanho bovino, com 600 milhões de toneladas (34% do setor), seguida de energia, com 100 milhões de toneladas(6%). O recorte da carne bovina estima que essa cadeia tem uma emissão de 1,4 bilhão de toneladas brutas – quase 60% (58,3%) das emissões brasileiras. Se fosse um país, o bife brasileiro seria o sétimo maior emissor do planeta, à frente do Japão.

Este resultado reforça a urgência da implementação efetiva das ações públicas e privadas para eliminação do desmatamento em todos os biomas brasileiros. Torna-se fundamental acelerar a implementação, por exemplo, da rastreabilidade conjuntamente com os planos de descarbonização da agropecuária

Estudo Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa dos Sistemas Alimentares no Brasil

O desmatamento responde por 70,6% das emissões da carne, seguido pelas emissões diretas do rebanho (29,2%). Os setores de energia e resíduos têm participação praticamente desprezível: 0,2% do total. “Esse estudo inova ao trazer um olhar transversal sobre as emissões, conectando numa cadeia todos os setores de emissão que são tratados isoladamente nas metodologias de inventários. E, no Brasil, os sistemas alimentares, e dentro deles a cadeia da carne bovina, respondem pela maior parcela das emissões, merecendo esse olhar especial”, afirma o engenheiro David Tsai, coordenador do SEEG e diretor de projetos do Iema.

A análise do SEEG ressalta o peso da pecuária bovina nas emissões brasileiras. “O recorte analítico na cadeia produtiva da carne bovina, em função da dimensão do rebanho bovino nacional e das áreas de pastagem, tem-se que a produção de carne bovina é a que mais contribuiu para as emissões alocadas nos sistemas alimentares em 2021 com total de 1,4 GtCO2e o que corresponde a 78% das emissões estimadas”, aponta o estudo do Observatório do Clima, rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, integrada por mais de 90 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais..

Comparação das emissões de gases de efeito estufa totais e pelos Sistemas Alimentares do Brasil em 2021 (Tabela: SEEG / Observatório do Clima)
Comparação das emissões de gases de efeito estufa totais e pelos Sistemas Alimentares do Brasil em 2021 (Tabela: SEEG / Observatório do Clima)

Os pesquisadores destacam que o trabalho tem como objetivo aumentar a compreensão sobre os sistemas alimentares no Brasil através de um olhar sobre as suas implicações em emissões de gases de efeito estufa. “Trata-se de um primeiro exercício de estimativa de emissões de gases de efeito estufa para o conjunto dos sistemas alimentares realizado especificamente para o país. Portanto, as emissões foram mensuradas e alocadas a partir das estimativas já realizadas pelo SEEG”, aponta o estudo ‘Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa dos Sistemas Alimentares no Brasil’.

Esse relatório deveria ser lido pelos representantes do agronegócio e pelo governo como um chamado à responsabilidade. Ele demonstra, para além de qualquer dúvida, que está nas mãos do agronegócio o papel do Brasil como herói ou vilão do clima. Até aqui, o setor parece querer que o país encarne o vilão, tentando destruir a legislação sobre terras indígenas, legalizar a grilagem e acabar com o licenciamento ambiental

Marcio Astrini
Secretário-Executivo do Observatório do Clima

Os autores do estudo destacam ainda que ele pode orientar estratégias de mitigação e contribuir com o objetivo de reduzir a intensidade de emissão final desses produtos, tornando-os menos impactantes pelo viés climático e gerando sistemas produtivos menos emissores e mais eficientes. A análise das emissões para o sistema alimentar reforça as conclusões da série histórica do SEEG de que o desmatamento é responsável pela elevação desses números. “Este resultado reforça a urgência da implementação efetiva das ações públicas e privadas para eliminação do desmatamento em todos os biomas brasileiros. No momento em que os grandes planos de combate ao desmatamento, PPCDAm e PPCerrado, foram restituídos e revisados, torna-se fundamental acelerar a implementação, por exemplo, da rastreabilidade conjuntamente com os planos de descarbonização da agropecuária”, ressaltam os autores nas considerações finais do estudo.

O trabalho também frisa a necessidade de que tecnologias da agropecuária de baixas emissões sejam transferidas em escala. Na entrevista realizada para o lançamento do estudo, foi citado o sequestro de carbono em solos, sobretudo em pastagens bem manejadas. A imensa área de pastos degradados do Brasil — 96 milhões de hectares, segundo o MapBiomas — tornava o país um grande emissor. Na última década, na esteira do Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), produtores no país inteiro começaram a recuperar pastos degradados. Hoje, essas pastagens recuperadas já capturam 200 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano.

A remoção líquida de carbono nos solos chegou a 138 milhões de toneladas em 2021, só que essa captura ainda não é contabilizada no inventário nacional de emissões e, portanto, não pode ser oficialmente computada para efeito de cumprimento de metas internacionais no clima. “Esse relatório deveria ser lido pelos representantes do agronegócio e pelo governo como um chamado à responsabilidade. Ele demonstra, para além de qualquer dúvida, que está nas mãos do agronegócio o papel do Brasil como herói ou vilão do clima”, afirmou o ambientalista Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

Para Astrini, o agronegócio precisa mudar de postura. “Até aqui, o setor parece querer que o país encarne o vilão, tentando destruir a legislação sobre terras indígenas, legalizar a grilagem e acabar com o licenciamento ambiental, ao mesmo tempo em que manobra no Congresso para ficar totalmente livre de obrigações no mercado de carbono”, acrescentou.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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