As marcas em Priscila dos tiros em Marielle

A vereadora Marielle Franco após seu último compromisso na Casa das Pretas, com as participantes do debate, Priscila inclusive (Foto: Arquivo Pessoal)

Ativista que participou de debate com vereadora na Casa das Pretas ficou dois meses recolhida até superar o medo e retomar a militância

Por Carolina Moura | ODS 5ODS 8 • Publicada em 14 de março de 2019 - 08:51 • Atualizada em 18 de março de 2019 - 12:33

A vereadora Marielle Franco após seu último compromisso na Casa das Pretas, com as participantes do debate, Priscila inclusive (Foto: Arquivo Pessoal)
A vereadora Marielle Franco após seu último compromisso na Casa das Pretas, com as participantes do debate, Priscila inclusive (Foto: Arquivo Pessoal)
A vereadora Marielle Franco após seu último compromisso na Casa das Pretas, com as participantes do debate, Priscila inclusive (Foto: Arquivo Pessoal)

No dia 14 de março de 2018, Priscila Carvalho, 29 anos, saiu cansada do trabalho, no Centro do Rio, e quase desistiu e participar do debate Jovens Negras Movendo Estruturas, que a Casa das Pretas, na Lapa, promovia com a presença da vereadora Marielle Franco. Pensou em desistir: até sua casa, em Madureira, na Zona Norte, leva, pelo menos, uma hora de ônibus. Foi a participação de Marielle, a quem conhecera dois anos antes, que a fez espantar o cansaço e, mesmo atrasada, correr até a Casa das Pretas. Foi lá que, sem saber, deu seu último abraço na vereadora, pouco antes de ela ser assassinada a tiros, ao lado do motorista Anderson Gomes, a caminho de casa.

Quando deram os tiros na cabeça da Marielle, estavam dando um recado para todo mundo que luta pelas mesmas causas que ela. O sentimento de impotência foi inevitável. Fiquei muito abalada. Tudo doía. Uma sensação de fracasso

A partir daquela noite, a rotina de ativismo de Priscila mudou. Acostumada a participar de mesas de debate e protestos, ela ficou em casa, por dois meses, refém do medo e da insegurança. Priscila não se sentia confortável no que já estava habituada a fazer desde 2015. “Quando deram os tiros na cabeça da Marielle, estavam dando um recado para todo mundo que luta pelas mesmas causas que ela. O sentimento de impotência foi inevitável”, relembra, hoje, a militante, um ano depois do crime. “Me sentia insegura quando tinha que falar de política, ou ir para rua em alguma manifestação.  “Fiquei muito abalada. Tudo doía. Uma sensação de fracasso”, acrescenta.

Formada em sociologia, Priscila trabalha como analista de sistemas. “Quando iniciei minha graduação no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da UFRJ, em 2012, já sabia muito bem o que era ser uma mulher negra nessa sociedade. Comecei a frequentar palestras, rodas de conversa, até que, em 2015, recebi o convite para fazer parte do coletivo Justiça Negra Luis Gama. Inicialmente, o grupo era composto por advogados negros, mas depois se abriu para jovens negros de outras áreas”, conta.

Ser ativista influenciou Priscila na escolha da sua pós-graduação em Educação das Relações Étnico Raciais, no Pedro II. Em 2016, Priscila conheceu Marielle Franco – a quem já admirava pelo seu trabalho na área dos Direitos Humanos – quando a convidou para participar de uma palestra na sede do coletivo Luis Gama. Mesmo sem participar da campanha da futura vereadora, não perdeu de vista suas ações no Legislativo Municipal.”De lá em diante, acompanhei sua carreira na política e sempre admirei muito. A Marielle sempre lutou por coisas que nós, mulheres pretas, lutamos também. Por isso me identifico tanto”, comenta.

Priscila com Marielle no primeiro encontro entre elas em 2016: ' Marielle sempre lutou por coisas que nós, mulheres pretas, lutamos também' (Foto: Arquivo Pessoal)
Priscila com Marielle no primeiro encontro entre elas em 2016: ‘ Marielle sempre lutou por coisas que nós, mulheres pretas, lutamos também’ (Foto: Arquivo Pessoal)

No mesmo ano de 2016, Priscila ficou ainda mais ativa nas causas das mulheres negras. “De tanto que eu frequentava rodas de cultura negra na rua, conheci três mulheres que começavam o coletivo As Panteras Negras e fui convidada a fazer parte. A gente se apresenta em lugares públicos, fazendo protestos em forma de performance”, explica.

Vamos terminar o evento 21h em ponto porque nós mulheres negras temos que voltar para casa em segurança. E nossa cidade não está muito segura, certo?

A noite de 14 de março de 2018 ainda está viva na memória de Priscila. “Lembro como se fosse ontem: a Casa das Pretas cheia, muita mulher reunida trocando ideia sobre o lugar da mulher negra na cidade, empreendedorismo e política. Marielle estava com brilho nos olhos, sua fala era cheia de gás, impulsionava todo mundo”, recorda. A vereadora estava com um bloquinho numa mão e a caneta na outra. Com blusa azul e cabelo meio aloirado, ouviu, anotou e discutiu pautas. “Vamos terminar o evento 21h em ponto porque nós mulheres negras temos que voltar para casa em segurança. E nossa cidade não está muito segura, certo?” – esta foi a frase de Marielle Franco que mais impactou quem estava presente na Casa das Pretas, naquela quarta-feira, segundo Priscila. “Tiramos uma foto e fui embora. Peguei uma hora dentro do ônibus aquele dia. Quando cheguei em casa e li a notícia, não acreditei. Pensei que fosse fake news. Mas não era”, declarou.

Sob o impacto do crime, Priscila não chegou sequer a ir ao velório público de Marielle na Cinelândia quando uma multidão se reuniu em frente à Câmara dos Vereadores. Depois de dois meses afastada da militância, ela atendeu ao chamado de amigas do coletivo Luís Gama para participar de um debate com as militantes feministas Tainá de Paula e Dani Monteiro, exatamente em homenagem a Marielle.  “Comecei a voltar a minha rotina aos poucos. Só consegui retomar a minha militância plenamente porque tive muita mulher preta me ajudando. A gente se impulsiona. Dá medo? Dá. Mas o importante, agora, é não parar”, afirma.

Um ano depois daquela noite, Priscila Carvalho ficou satisfeita com a prisão dos acusados de executar a vereadora Marielle Franco – o sargento PM reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Queiróz foram denunciados pelo assassinato. Mas, como a família de Marielle Franco e as companheiras de militância, continua atrás de mais respostas.  “Quem fez isso quer calar a gente, só que não vão conseguir. Queremos saber: quem mandou matar Marielle?”, pergunta Priscila.

Carolina Moura

Jornalista com interesse em Direitos Humanos, Segurança Pública e Cultura. Já passou pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Jornal O DIA e TV Bandeirantes. Como freelancer já colaborou com reportagens para Folha de São Paulo, Al Jazeera, Ponte Jornalismo, Agência Pública e The Intercept Brasil.

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