O Doce não morreu

Operação de resgate no Rio Doce, perto do município de Bento Rodrigues

Maior rio da região Sudeste está em estado crítico, mas sua recuperação é possível

Por Agostinho Vieira | ArtigoEconomia VerdeODS 14ODS 6 • Publicada em 18 de novembro de 2015 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:48

Operação de resgate no Rio Doce, perto do município de Bento Rodrigues

rio doce/Projeto Viva Rio Doce

Fato 1 – A mineração, assim como a exploração de petróleo e de carvão, é uma indústria suja, está no topo da chamada economia marrom. É muito difícil ter uma atividade nestas áreas sem que elas causem algum dano às pessoas e ao meio ambiente, por menor que seja. Não é à toa que a Vale e a Petrobras, assim como as suas similares ao redor do mundo, investem tanto em prevenção, mitigação e divulgação de ações ambientais.

Fato 2 – O acidente de Mariana foi gravíssimo, deixou mortos, desaparecidos, aniquilou o distrito de Bento Rodrigues, prejudicou o abastecimento de água e provocou um passivo ambiental ainda não devidamente estimado. Mesmo classificado como acidente, ele poderia ter sido evitado ou minimizado, como mostraram as reportagens de Ciça Guedes para o Projeto #Colabora que podem ser relidas aqui e aqui. Logo, os responsáveis devem ser punidos.

Dito isso, e apesar de tudo, o rio Doce não morreu e nem vai morrer. O boato sobre o falecimento do maior rio da região Sudeste vem se espalhando pelas redes sociais há alguns dias, mas não tem qualquer fundamento. É verdade que ele está em estado grave, mas a sua internação no CTI não aconteceu na semana passada. Ele vem respirando por aparelhos há vários anos e, mesmo assim, quase não recebe visitas dos parentes.

Se fosse possível fazer um ranking dos problemas do rio Doce, o terrível acidente de Mariana apareceria apenas em terceiro ou talvez quarto lugar. Antes dele, num incontestável primeiro lugar, está a crônica falta de saneamento do país. O rio tem 853 km de extensão e banha 228 municípios – 202 em Minas Gerais -, mas são poucos os que possuem um sistema adequado de coleta e tratamento de esgoto. O rompimento das barragens lançou no rio Doce 62 milhões de metros cúbicos de lama. Um tsunami de água, barro e resíduos de ferro. Mas que não é quase nada quando comparado com o volume de cocô in natura que chega às suas águas diariamente. Junto com a falta de saneamento, o pobre paciente sofre com as secas dos últimos anos e com o desmatamento irresponsável na região, que vem provocando um forte assoreamento. As matas ciliares foram dando lugar aos bois e às pequenas propriedades agrícolas.

Operação de resgate no Rio Doce, perto do município de Bento Rodrigues
Operação de resgate no Rio Doce, perto do município de Bento Rodrigues

Isso quer dizer que o acidente não teve importância? Claro que teve. Gravíssimo, terrível ou dramático. Seja qual for o adjetivo, ele vai passar. A lama vai baixar e a vida e o rio vão seguir o seu curso. A Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) divulgou um laudo garantindo que não foram encontrados metais pesados no rio. Ontem, a cidade de Governador Valadares já voltou a captar e tratar a água do rio Doce.

Hoje, a pluma de lama chegará a Colatina, no Espírito Santo. Certamente, a prefeitura de lá também vai interromper o abastecimento por um ou dois dias. O professor Paulo Canedo, do Departamento de Hidrologia da Coppe, explica que o principal problema é a turbidez da água. Ela impede a passagem do sol, a fotossíntese e provoca a morte dos peixes e da vegetação aquática. Além disso, com níveis altos de turbidez, a água não pode entrar nas estações de tratamento. Daí a necessidade de interromper o abastecimento. Segundo Canedo, os maiores danos devem acontecer mesmo nos primeiros 100 km do rio, mas ele alerta para a importância do monitoramento ao longo de todo o percurso.

No entanto, o que não pode passar, de jeito nenhum, é a chance de resolver os velhos e novos problemas do rio de uma vez por todas. A crise criou a oportunidade, como teriam dito os chineses. O Instituto Terra, do fotógrafo Sebastião Salgado, tem um projeto grande de recuperação das nascentes, que foi apresentado à presidente Dilma e às empresas envolvidas. Ele não foi desenhado por conta do acidente, já existia. Mas precisa de apoio. Ricardo Valory, diretor-geral da Agência de Bacia de Águas do Rio Doce, diz que o órgão também tem um documento detalhado mostrando como tornar o rio mais saudável. Faltam recursos. Nas redes sociais, além de boatos, circulam movimentos como o “Viva Rio Doce”, organizado por pescadores esportivos com o objetivo de criar e repovoar o rio com espécies típicas da bacia.

É difícil calcular quanto custaria a recuperação completa do Doce. Alguns especialistas falam em algo entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões. Talvez seja mais. Certamente será um valor maior do que a ridícula multa de R$ 250 milhões aplicada pelo Ibama ou o acordo de R$ 1 bilhão feito pelo Ministério Público. Mas será muito menor do que os lucros e benefícios que empresas e governos tiraram do rio Doce ao longo dos anos. É hora de devolver. Não apenas investindo dinheiro, como tempo e vontade política para solucionar a questão.

Dizer que o rio morreu ou vai morrer, além de não ser verdade, cria um clima de desmobilização. Se já morreu, por que fazer alguma coisa? Nunca é demais lembrar que o rio Tâmisa, em Londres, chegou a ser considerado biologicamente morto. Hoje está limpo. O Tietê, em São Paulo, estava cheio de metais pesados, e vem sendo despoluído.  Lentamente, é verdade, mas vem. Há muito trabalho a ser feito no Doce. O rio está vivo.

 

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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25 comentários “O Doce não morreu

  1. Américo Diniz disse:

    Ótimo artigo Agostinho, muito esclarecedor e no momento ideal! Também achei que o rio estivesse com os dias contados e que a recuperação dele fosse um evento entre o improvável e o impossível. Agora j’acho que o movimento que deve ser iniciado é justamente o de cobrar às autoridades competentes(!?!) um plano de ação.

    Um grande abraço e parabéns pelo Colabora!

    Américo.

    • Fiz essa pergunta para várias entidades e políticos, o rio tem nascente e outros rios grandes como Piranga e do Carmo, enfim morreu uma parte, mas acredito em soluções, mas com pessoas verdadeiras e a ajuda de todos que vivem nessas cidades. Que comec disse:

      Sempre há esperanças

  2. Selma disse:

    Então, vamos cobrar que as autoridades constituídas punam os culpados, exigindo o ressarcimento do prejuízo material e moral dos danos causados à sociedade, e a recuperação do nosso Rio Doce!

  3. luciano disse:

    Toda vez que vejo uma matéria sobre o rio meus olhos enchem de lágrimas mas peco a Deus que olhe por toda essa maldade do homem só posso confiar em Deus abraços reflitam

  4. Paulo Henrique disse:

    Desculpe, mas o Rio Doce está morto sim; isso não quer dizer que em seu leito não vai mais correr água e nem serão pescados mais peixes, mas as espécies endêmicas, vegetais ou animais, estas estão extintas, e centenas delas ainda não eram conhecidas pela sociedade.
    Lógico que seus tributários como o Santo Antônio, Suaçui, Piranga, vão todos contribui para que daqui a algumas dezenas de anos possa existir alguma coisa que chamemos de Rio doce, mas certamente não será o Rio Doce, pode até continuar a ser chamado de Rio Doce, mas não será mais ele.
    E é exatamente este fato que dá a métrica da dimensão da tragédia, isso lógico que não entrando no mérito das vidas humanas e bens culturais.

  5. João Manoel disse:

    Parabéns, ao autor do texto, claro e objetivo, contextualizando pra o momento de tantos oportunistas sobre a desgraças alheias, atragedia de Marina provocando pela Samarco foi apenas mais um dos impactos ambientais de tamanha relevantes , que o Rio Doce vêm ao longo dos anos sofrendo, por descaso políticos e iresponsabilida da sociedade.

  6. Fernando Nagle disse:

    Concordo totalmente com o texto. Parabéns pela clarezae pelo discernimento.
    Tenho lido muita bobagem sobre este desastre, inclusive em jornais de grande circulação que insistem em matérias alarmistas.
    Acredito que a recuperação da vida ni Rio Doce virá de seus afluentes, por onde a lama não passou. Nesses rios e riachos a vida continua como antes e, com o tempo (não sei quanto), suas águas e ecossistemas “invadirão” o Doce repovoando-o.

  7. getúlio disse:

    Sinto muito ,mas vamos pedir a DEUS que o rio se volte a viver.A verdade que vários rios estão em situação critica e as autoridades estão se esquecendo de trata-los com mais seriedade ,
    colocando leis mais severas para proteger o liquido precioso dos nossos rios.

  8. Celso disse:

    Cara, não consigo acreditar no que você escreveu…
    Quando leio seu texto, parece que você fala como alguém que está intencionado a diminuir o estraga causado pelas empresas e consequentemente diminuir a responsabilidade pela tragédia ambiental ocorrida.
    Não consigo ver criticidade no seu texto, mas intencionalidade. Espero e torço para que isso seja apenas um equivoco da minha parte.
    Não me parece que você tenha visto o estado do Rio Doce em Governador Valadares e nas cidades que se localizam no percurso do rio, após a passagem da lama. Que ainda não parou de descer, apesar de estarmos já no dia 20 de novembro.
    Não notei em sua escrita, qualquer referência à sedimentação do leito do rio pela lama, que impede o crescimento da vegetação aquática, mata e extingue dezenas de espécies de organismos e micro-organismos que compõem e integram o bioma do rio e que sem eles a cadeia alimentar é quebrada e todas as espécies que dependem deles, direta e ou indiretamente, também serão mortos e extintos.
    Não vi a menção de que no momento do rompimento da barragem, o Rio Doce se elevou a 3,3 mt acima do seu nível normal, e invadiu as margens, arrastando e arrasando tudo que encontrava pela frente, deixando para trás uma camada espessa dessa lama venenosa e estéril, que secou e sedimentou com a ação do Sol e do calor.
    Enfim… vou para por aqui, pois refletir sobre isso está me deixando profundamente chateado e aborrecido.
    A verdade é que esperava um posicionamento mais firme e mais agressivo até, contra as empresas que causaram o que a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, classifica como a maior tragédia ambiental do Brasil.
    Abraços

  9. Cavalcante disse:

    Cara o rio Doce assim como a maioria dos outros rios Brasileiro, sofrem com agressão antropica, mas dizer que ficaria em terceiro lugar o ocorrido, não concordo pq, mesmo com os outros problemas os peixes não estavam morrendo e agua ainda estava sendo usada. Ou seja oque aconteceu foi muito sério, é obvio que o Rio não morreu, suas águas vem de nascentes,divisores de aguas que não foram atingidos pois ficam ajusante.

  10. Leonardo disse:

    Fato 2 parágrafo 3: “O rio tem 853 km de extensão e banha 228 municípios – 202 em Minas Gerais -, …”. O Rio Doce não banha 26 municípios no ES, apenas 3 (Baixo-Guandu, Colatina e Linhares). Talvez a bacia do Rio Doce, o que inclui seus afluentes, banhe 26 municípios no ES, mas os afluentes são irrelevantes para análise do acidente porque não sofrem impacto.

  11. Rezende disse:

    Falou se muito do rio doce e de sua provável recuperação também insentando se.de uma.provável culpa já que.ele estava na uti então resolveram desligar os aparelhos que o mantinha Vivo ( eutanásia?) enfim esqueceram das inúmeras propriedades agrícolas e residências e enfim todo esse povo ( nossos irmãos) que estão agora sem teto sem água sem comida sem trabalho sem sustento…

  12. Osiris Alcantara disse:

    Artigo tendencioso e nitidamente “comprado” pela Vale. Os funcionários da área de comunicação da empresa estão em polvorosa, compartilhando o texto. Vocês não enganam ninguém. Que vergonha…

  13. Mauro disse:

    O cheiro funebre de morte discorda de suas palavras, a desolação de toda uma cultura ribeirinha da época da colonização dizcorda de suas palavras. Uma mera análise superficial e inadequada, o rio morreu e mesmo que volte a vida jamais será o mesmo.

  14. Pedro disse:

    Ué, mas claro que a recuperação é possível. Há milhões de anos toda a vida se finou no planeta com fogo vindo do céu. Não recuperou entretanto? Pois é. Haja paciência. E nada como citar um provérbio chinês. Agora é a crise como oportunidade. É útil, esse artigo? É, permite relativizar a tragédia. É química: basta diluir a responsabilidade. O rio já estava sujo mesmo, né? É culpa da sociedade, do governo, da meteorologia, do Pedro Alvares Cabral e da crise do Vasco. Um dia a gente vai ver outra vez o rio tinindo. Entretanto, a Vale já começou pela limpeza de sua imagem, bem mais rápida e barata. Não lhe faço a injustiça de achar que é a sua intenção, mas esse seu texto me deixa um sabor amargo, por não apontar claramente os culpados. Cuidado com o aproveitamento de suas palavras pela Vale.

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