Mural denuncia destruição da floresta e caos climático

Artistas de Porto Velho, capital de Rondônia, estado que liderou o desmatamento e as queimadas no país, eternizam distopia na Amazônia

Por Liana Melo | ODS 13 • Publicada em 16 de outubro de 2024 - 08:17 • Atualizada em 17 de outubro de 2024 - 10:03

Nath, uma das autoras, à frente do mural denunciando desmatamento e seca na Amazônia: arte contra o caos climático (Foto: Rainer Almeida)

Um enorme mural, de 25 metros de extensão, que levou cinco dias para ficar pronto e eternizou a crise climática na principal avenida de Porto Velho, a capital de Rondônia. O estado liderou a lista de desmatamento e queimadas na Amazônia este ano – uma combinação nefasta que deixou o ar da cidade irrespirável. Em alguns trechos do Rio Madeira, um dos maiores afluentes do Amazonas, os bancos de areia isolaram populações ribeirinhas, prejudicando o transporte de moradores e a distribuição de produtos. Em meados de setembro, o rio atingiu sua pior marca histórica desde que começou a ser monitorado em 1967: 25 centímetros.

Parecia um filme de terror porque era aquela fumaça preta, a gente inalando aquilo 24 horas por dia, dormindo, acordando de novo, e aquilo só piorava

Nath
artista de Porto Velho

Esse cenário distópico para a região que abriga a maior floresta tropical do planeta foi retratado por quatro artistas: Nath, Silva, Rabsk e Latrop, todos eles nascidos e criados no estado. Munidos de tinta spray, o quarteto de grafiteiros alimentou o muralismo de protesto promovido pelo Megafone Ativismo, um programa de desobediência artística. Fazem parte da coalisão as organizações Pimp My Carroça, Instituto Socioambiental (ISA), Engajamundo, Sumaúma Jornalismo e Associação Intercultural de Hip-Hop Urbanos da Amazônia (AIHHUAM).

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“Parecia um filme de terror porque era aquela fumaça preta, a gente inalando aquilo 24 horas por dia, dormindo, acordando de novo, e aquilo só piorava”, lembra Nath, comentando que todos anos essa cena se repete no seu estado, mas “não por tanto tempo e num nível tão elevado”. Silva, seu parceiro nessa empreitada muralista, complementa: “A nossa inspiração é oferecer uma arte-manifesto que convide as pessoas a refletirem sobre o que acontece todos os anos na Amazônica, principalmente entre agosto e outubro, quando acontecem muitas queimadas – grande parte delas criminosas – e a impunidade prevalece, aumentando a sensação de insegurança climática.”

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Oito letras compõem o mural, que juntas formam a palavra Amazônia. Cada letra, com cerca de três metros de largura, destaca um aspecto da região e contam a catástrofe que tem se repetido nas últimas décadas e vem se agravando nos últimos anos: A – floresta; M – indígena; A – onça pintada; Z – Rio Madeira seco; Ô – floresta pegando fogo; N – animais fugindo do fogo; I – brigadistas apagando o fogo; A – revolta popular.

Os artistas grafiteiros Rabsk, Latrop, Nath e Silva em frente ao mural em Rondônia: ativismo para denunciar queimadas e desmatamento (Foto: Rainer Almeida)
Os artistas grafiteiros Rabsk, Latrop, Nath e Silva em frente ao mural em Rondônia: ativismo para denunciar queimadas e desmatamento (Foto: Rainer Almeida)

Batizada com o nome de “Amazônia em Chamas”, o mural encerra com uma mensagem de resistência na última letra, lembrando que se nada for feito para conter a destruição de floresta, a Amazônia pode atingir o ponto de não-retorno. Isso significa que um dos ecossistemas mais importantes da Terra corre o sério risco de não ser mais capaz de se retroalimentar de chuvas, caso o desmatamento não seja contido.

Nós somos a periferia do mundo e também somos a periferia do Brasil. Uma prova disso foi essa fumaça nos sufocando durante dois meses e tudo continuava normal no restante do país, até chegar no Sudeste, em São Paulo, para as pessoas perceberem que tem gente aqui

Txai Suruí
ativista indígena

Nos nove primeiros meses do ano, mais de 740 mil hectares foram queimados em Rondônia – um aumento de 46% em relação ao mesmo período de 2023. Mais da metade desse total (56%) foram queimados em setembro (420 mil hectares), segundo o Monitor do Fogo do MapBiomas. Esses números colocam Rondônia no sexto lugar entre os estados que mais queimaram em setembro e em oitavo lugar entre os que mais queimaram entre janeiro e setembro, mesmo sendo apenas o 13º estado brasileiro em território.

“A gente fala que a Amazônia é o pulmão do mundo, e o pulmão do mundo, durante dois meses, respirou fumaça. Meu sobrinho nasceu faz dois meses, e a minha irmã fez uma fala que me chocou muito. Ela disse que o meu sobrinho ainda não tinha respirado um ar puro. Então você imagina isso, as nossas crianças estão respirando um ar intoxicado”, comentou a ativista indígena Txai Suruí sobre o fato de Rondônia, devido a intensidade das queimadas, ter permanecido como a cidade mais poluída do mundo por vários dias no início de setembro. Seu povo é originário de Rondônia e ela vive em Porto Velho: “Nós somos a periferia do mundo e também somos a periferia do Brasil. Uma prova disso foi essa fumaça nos sufocando durante dois meses e tudo continuava normal no restante do país, até chegar no Sudeste, em São Paulo, para as pessoas perceberem que tem gente aqui.”

Letras do painel destacam facetas da catástrofe climática: A – floresta; M – indígena; A – onça pintada; Z – Rio Madeira seco; Ô – floresta pegando fogo; N – animais fugindo do fogo; I – brigadistas apagando o fogo; A – revolta popular (Foto: Rainer Almeida)
Letras do painel destacam facetas da catástrofe climática: A – floresta; M – indígena; A – onça pintada; Z – Rio Madeira seco; Ô – floresta pegando fogo; N – animais fugindo do fogo; I – brigadistas apagando o fogo; A – revolta popular (Foto: Rainer Almeida)

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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