Henry Thoreau, um revolucionário

Obras do filósofo influenciaram o movimento ambientalista

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 15Vida Sustentável • Publicada em 20 de janeiro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:51

Estátua de Henry Thoreau
Estátua de  Thoreau às margens do lago Walden

Henry David Thoreau (1817-1862) foi um autor norte-americano e uma grande personalidade do século XIX. Ele teve vida e obra curtas, mas coerentes, sendo que seu pensamento inovador possui o mérito de gerar influência crescente ao longo do tempo. Em todas as suas atividades, Thoreau foi um precursor de movimentos libertários, defensor de uma vida simples, autossuficiente e em harmonia com a natureza, além de um rigoroso crítico do modelo de desenvolvimento consumista e degradador do meio ambiente.

Thoreau nasceu e morreu na pequena cidade de Concord, em Massachusetts, mas jamais foi provinciano, já que teve uma vida intelectual global e sem fronteiras. Aos 16 anos, foi estudar Letras e Literatura na vizinha Universidade de Havard. Aprendeu grego, alemão e francês e se tornou grande conhecedor de textos clássicos das culturas grega, hindu e chinesa. Foi também em Harvard que Thoreau conheceu e ficou amigo do poeta e escritor Ralph Waldo Emerson (1803-1882), que defendia os princípios do transcendentalismo – doutrina influenciada pelo neoplatonismo, pela metafísica alemã e pelo brahmanismo, e que pregava a concepção da correspondência entre o espírito humano e a natureza, sendo que o pleno desenvolvimento espiritual envolvia a descoberta íntima da verdade pessoal.

O transcendentalismo de Thoreau foi fortemente marcado pelo individualismo, mas sem ser antropocêntrico. Segundo José Augusto Drummond, na introdução do livro “Desobedecendo” (1984), Thoreau pode ser classificado como anarquista individualista libertário. Porém, embora acreditasse no primado do conhecimento e da ação individual, tinha plena consciência dos problemas econômicos, socias e ambientais da acumulação capitalista que afloravam no mundo, sendo a Nova Inglaterra um dos polos mais dinâmicos deste modelo de desenvolvimento.

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Depois de formado, Thoreau optou pelas atividades acadêmicas e, sendo pacifista, foi um professor que rejeitava qualquer tipo de violência, achando um absurdo o uso da força no meio escolar, pois considerava que o aprendizado deveria ser adquirido com alegria e harmonia. Sua primeira experiência profissional no Liceu de Condord durou pouco tempo, pois demitiu-se quando o diretor o intimou a usar a palmatória e ser menos liberal com os alunos. Em 1838, Thoreau abriu uma escola particular, junto com seu irmão John e, juntos, introduziram as excursões de campo (field-trips) como método de ensino das ciências naturais. Tal prática inovadora se espalhou pelos Estados Unidos e pelo resto do mundo. Nas férias escolares de 1839, os irmãos Thoreau passaram 13 dias viajando de barco pelos rios Concord e Merrimack (experiência que, anos depois, se transformou no livro “Uma semana nos rios Concord e Merrimack”). A escola funcionou até 1841 e só fechou em virtude da morte de John Thoreau.

Nos anos seguintes, Thoreau desenvolveu diversos trabalhos manuais e literários. Ele se opunha à guerra dos Estados Unidos contra o México, à escravidão e ao genocídio dos índios americanos. Coerente com suas posições políticas e com sua visão libertária de “anarquista individualista”, deixou de pagar alguns tributos exigidos pelo Estado. Como resultado, foi preso e passou uma noite na prisão pelo não pagamento do imposto per capita. Desta experiência nasceu o famoso texto “A desobediência civil” (publicado em 1849), onde Thoreau explica sua resistência pacífica a certas leis de um Estado que era belicista, escravista, perseguia os povos indígenas e não respeitava a natureza. A ideia da desobediência civil atravessou as fronteiras geográficas e temporais e se transformou numa grande referência da luta contra a opressão, a exploração, a injustiça e a discriminação, embora Thoreau não tenha sobrevivido à fama e à difusão do seu texto.

O fim da escravidão nos Estados Unidos ocorreu em 1865, depois da Guerra de Secessão e três anos após a morte de Thoreau. Mas a aplicação dos princípios da desobediência civil começou a se espalhar pelo mundo quando Leon Tolstói (1828-1910) passou a utilizar a ideia no combate ao totalitarismo czarista na Rússia. Em seguida, Mohandas Gandhi utilizou os mesmos princípios, num primeiro momento, na luta contra a discriminação racial na África do Sul e, num segundo momento, na luta pacífica pela independência da Índia. Também foi com base no texto da desobediência civil que Martin Luther King organizou a luta não violenta contra a discriminação racial e pelos direitos civis nos Estados Unidos, cem anos após a publicação do texto original de Thoreau. Em termos acadêmicos, o princípio da desobediência civil influenciou pensadores da ciência política, como Hannah Arendt e John Rawls, dentre outros.

Outra grande contribuição de Thoreau – cada vez mais atual – se deu na área do meio ambiente, com a publicação do livro “Walden, ou, A vida nos bosque” (publicado originalmente em 1854), que apresenta as suas reflexões sobre a vida simples, a contemplação, a autossuficiência e a defesa dos direitos da natureza e da vida selvagem (Wilderness). Como exemplo de união entre teoria e prática Thoreau construiu sozinho uma pequena cabana às margens do lago Walden, localizado nas florestas ao redor da cidade de Concord. Ele se mudou para sua nova moradia no dia 04 de julho de 1845 e permaneceu lá até 6 de setembro de 1847, mostrando que era possível ter uma vida independente da civilização, com pouco trabalho, muitas caminhadas, observação da natureza, leitura, escrita e autorresponsabilidade com a alimentação e os afazeres domésticos.

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Como pioneiro do movimento ambientalista, Thoreau mostrou não só que a relação correta com o meio ambiente pode contribuir para a realização espiritual dos indivíduos, mas também fez uma defesa dos direitos ambientais e dos direitos das espécies vegetais e animais

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Ele se tornou vegetariano, andava pelas florestas sem qualquer arma e se transformou em um dos principais inspiradores filosóficos da preservação ecológica. Para ele, uma civilização é rica não pela expansão do consumo supérfluo, mas pela quantidade de áreas naturais e selvagens preservadas. Em 1860, fez um discurso para a Sociedade Agrícola Middlesex, em Massachusetts, intitulado “A sucessão das árvores da floresta”, defendendo a ecologia florestal e encorajando a comunidade agrícola a plantar árvores. Suas obras se tornaram uma das influências mais permanentes do movimento ambientalista. Por exemplo, Thoreau foi um dos inspiradores da criação do Parque Nacional de Yosemite (inaugurado em 1864, com 3.100 km2) e do Parque Nacional de Yellowstone – inaugurado em 1872 (com 8.980 km2).

Um século após a sua morte, as ideias de Thoreau serviram também de inspiração para o movimento hippie e o lema “Paz e Amor” dos jovens que contestavam os valores tradicionais da sociedade de consumo e a hegemonia do complexo econômico-militar. Os hippies buscavam praticar a não-violência em todas as relações e constituíram um movimento pelos direitos civis, de combate às injustiças e de defesa da natureza, nos moldes da luta de Gandhi e Martin Luther King, ou seja, inspirados na ideia de “desobediência civil” de Thoreau e na defesa dos direitos da natureza do livro Walden.

Na década de 1970, Thoreau foi inspiração para o movimento de Ecologia Profunda, termo proposto pelo filósofo norueguês Arne Naess (1973) que sugeriu uma mudança do paradigma antropocêntrico dominante (chamada de “ecologia rasa”) para uma concepção ecocêntrica ou biocêntrica. Assim como Thoreau, Naess critica o antropocentrismo que vê o ser humano acima da natureza e fonte essencial de todo o direito, atribuindo à natureza um valor meramente instrumental. A ecologia profunda, ao contrário, considera que a natureza tem valor intrínseco, com respeito aos direitos das diferentes espécies. Neste sentido, Thoreau também influenciou a luta ética contra o especismo, pelo abolicionismo animal e pela extensão dos direitos morais às espécies não-humanas, conforme defendem os filósofos Paul Singer e Tom Regan.

Inspiradas em Thoreau, existem várias propostas de redução das áreas ecúmenas e de ampliação das áreas anecúmenas. Por exemplo, o biólogo da Universidade de Harvard, Edward Osborne Wilson, duas vezes vencedor do Prêmio Pulitzer e autor de mais de 25 livros, acredita que o ser humano está provocando um “holocausto biológico” e, para evitar a “extinção em massa de espécies”, ele propõe uma estratégia para criar corredores ecológicos e destinar metade do planeta exclusivamente para a proteção dos animais e para a reselvagerização (rewilding) dos territórios.

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Henry Thoreau continua atual no século XXI, pois serve de inspiração para diversos movimentos alternativos e libertários que contestam o imperativo do crescimento econômico, a acumulação capitalista concentradora de riqueza, o vício do consumo conspícuo excessivo (consumicídio) e a degradação da natureza

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Thoreau também inspirou a ideia de “Decrescimento e Sociedade Convivial”, livro escrito por Serge Latouche, e “Simplicidade Voluntária”, título do livro de Duane Elgin – que prega um estilo de vida no qual os indivíduos conscientemente escolhem minimizar a preocupação com o “quanto mais melhor”, em termos de riqueza e consumo. E também movimentos alternativos como Downshifting – redução de velocidade, intensidade ou nível de atividade – e o Slow Food – direito ao prazer da alimentação, utilizando produtos artesanais de qualidade especial, produzidos de forma que respeite tanto o meio ambiente quanto as pessoas responsáveis pela produção e os consumidores.

Por fim, e não menos importante, Henry Thoreau influenciou a obra do poeta Manoel de Barros. Thoreau dizia: “Tornei-me vizinho dos pássaros, não por ter aprisionado um, mas por ter me engaiolado perto deles”, enquanto Barros escreveu: “Quando meus olhos estão sujos da civilização, cresce por dentro deles um desejo de árvores e pássaros”.

 

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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7 comentários “Henry Thoreau, um revolucionário

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  3. EMERSON DO NASCIMENTO TOSTES disse:

    Muito legal, bem escrita e inspiradora a síntese que fez. Variadas e ricas referências num tempo que necessitamos bastante de resgatar ideias que tragam progresso em todas as áreas do planeta

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