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Novos números da fome: o que a pesquisa do IBGE nos revela

Reversão de tendência veio da combinação de medidas para o aumento de renda de grupos mais vulneráveis, com políticas públicas de segurança alimentar

ODS 1ODS 2 • Publicada em 6 de maio de 2024 - 08:41 • Atualizada em 7 de maio de 2024 - 09:49

(Francisco Menezes*) – No último dia 25 de abril, o IBGE divulgou os resultados da PNAD-C 2023 Segurança Alimentar, em que utiliza a metodologia da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), visando a identificar o número de brasileiros que estão em segurança alimentar e aqueles que se encontram em insegurança alimentar, dentro das modalidades leve, moderada ou grave. A pesquisa se realizou no último trimestre do ano passado, sempre se reportando à situação vivida pelos moradores dos domicílios visitados nos três meses anteriores. Assinale-se que o levantamento é realizado de cinco em cinco anos desde que se iniciou, o que significa que já temos uma série com os anos de 2004, 2009, 2013, 2017/18 e 2023.

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Na comparação com a pesquisa anterior, de 2017/18, a insegurança alimentar grave, equivalente a fome, teve uma diminuição de 16%, mas ainda somando 8,7 milhões de pessoas. Na insegurança alimentar moderada foram 11,9 milhões e, na leve, um total de 43,5 milhões. São números difíceis de serem compreendidos em um país com plenas condições de prover alimentação em quantidade e qualidade adequada para todas as pessoas que aqui habitam. Houve alguma melhoria em todas as variáveis levantadas pelo IBGE, em confrontação com os dados da pesquisa anterior. No entanto, o período que decorreu entre 2017/18 e o ano passado é absolutamente específico e exige uma avaliação que, mesmo sem contar com dados oficiais sobre a situação da segurança e insegurança alimentar precisa considerar fatores que sugerem que os resultados agora divulgados representaram enorme melhoria.

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Nos últimos cinco anos, até 2023, o país teve três governos inteiramente diferenciados em suas posturas e ações frente à fome e à condição alimentar de sua população. O primeiro deles, até o final de 2018, exerceu seu mandato sem nenhuma legitimidade, em meio a uma intensa crise política e econômica e prisioneiro de medidas que ele próprio criou, como foi a EC-95 do Teto de Gastos, com efeitos particularmente danosos às políticas sociais. O seguinte, de 2019 a 2022, teve como uma de suas marcas principais o negacionismo, sendo que, dentro dessa forma de atuar, assistiu inerte à pandemia da Covid-19. Entre tantas negações estava também o não reconhecimento da fome no país, que se fez acompanhar pela obsessiva compulsão em destruir políticas públicas que antes haviam se mostrado exitosas e que resultaram na saída do Brasil do Mapa da Fome em 2014.

Moradora de Olinda (Pernambuco) com itens da cesta básica: aumento da renda e políticas públicas de segurança alimentar reduziram número de brasileiros atingidos pela fome (Foto: Aline Vieira Costa / ActionAid)
Moradora de Olinda (Pernambuco) com itens da cesta básica: aumento da renda e políticas públicas de segurança alimentar reduziram número de brasileiros atingidos pela fome (Foto: Aline Vieira Costa / ActionAid)

No intervalo desses cinco anos, antes do IBGE divulgar os resultados de sua última pesquisa, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PENSSAN) aplicou dois inquéritos, utilizando metodologia equivalente à adotada pelo IBGE. Uma no final de 2020 e, depois, no final de 2021 e início de 2022, quando mostrou um quadro gravíssimo de insegurança alimentar, sendo que na última trouxe a público o duro número de 33 milhões de pessoas passando fome. Observe-se que, com pequenas diferenças na amostra realizada, se a pesquisa do IBGE não deve ser comparada com a da Rede PENSSAN, esta não se descredencia naquilo que mostrou.

Assim, o que se pode concluir é que, além de expressar uma pequena melhora em relação ao que se constatou em 2017/18, os índices apresentados pelo IBGE em abril atestam uma significativa efetividade da política que voltou a ser aplicada pelo governo atual, em especial se for considerado que os resultados vieram em apenas um ano. Cabe avaliar o que se fez neste primeiro ano nesta direção, bem como os desafios que se apresentam para que o país continue avançando na consolidação da condição de segurança alimentar para uma ampla parcela de sua população. Uma primeira e óbvia premissa é o reconhecimento do problema e a vontade política de enfrentá-lo. De saída isto ficou demonstrado com a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) no primeiro ato de governo, sempre lembrando que o governo anterior extinguira este Conselho, também no seu primeiro ato.

Pode-se afirmar que a reversão de tendência lograda agora se deu pela combinação de medidas que permitiram o aumento de renda de grupos mais vulneráveis, com políticas públicas de segurança alimentar. O próprio IBGE mostrou poucos dias antes da pesquisa sobre segurança alimentar que, em 2023, ocorreu crescimento de 38,5% da renda mensal per capita nos domicílios dos 5% mais pobres e de 16,7% para os entre 5 e 10% a seguir. Em certa medida, isso se dá pela redução do desemprego, inclusive com crescimento do emprego formal, ao lado de aumento da renda advinda de remuneração do trabalho e, dentro desse pacote, a volta do processo de recuperação do valor real do salário-mínimo.

Outro ponto é o retorno do Programa Bolsa Família, com valor médio de repasse revigorado e complementos para crianças e adolescentes e, também, para mulheres grávidas, beneficiando 21 milhões de famílias. Além disso, cabe destacar a retomada de uma estratégia de combate à fome através do Plano Brasil sem Fome, que já em 2023 contou com medidas como o reajuste em média de 36% do repasse do per capita da alimentação escolar pelo governo federal, que tem enorme impacto sobre 40 milhões de alunos do ensino público. Houve também outras medidas, como apoios a restaurantes populares e cozinhas comunitárias nos municípios e o retorno do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), com orçamento de R$ 710 milhões, bem acima do que vinha sendo a ele destinado, mas ainda aquém do que lhe é demandado.

Projetar resultados melhores daqui para frente exige o enfrentamento de barreiras mais difíceis, porém necessárias, de serem ultrapassadas. Para além de políticas cuja implementação precisa ser acelerada, como é o caso da já criada Política Nacional de Abastecimento, há que se observar que esta última pesquisa do IBGE ainda registra acentuadas desigualdades, sejam, entre outras, as regionais, de gênero e as étnico-raciais. Esta última, a racial, sempre mais acentuada e presente nas demais. Isto nos levando a crer que o enfrentamento da fome passa necessariamente pelo enfrentamento de nosso racismo institucional.

*Francisco Menezes, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), é economista e assessor de Políticas da ActionAid 

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