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A seleção brasileira, o verde e o (sinal) amarelo

CBF acerta ao vestir time pentacampeão em defesa da Amazônia, mas fará gol contra se escolher Carlo Ancelotti, técnico leniente com o racismo, para suceder Tite

ODS 13ODS 17 • Publicada em 2 de março de 2023 - 12:33 • Atualizada em 15 de março de 2023 - 07:33

No próximo julho, o futebol produzirá o milagre de uma das suas maiores grifes se engajar em causa essencial para a sobrevivência dos humanos sobre a Terra. A seleção brasileira vai jogar, pela primeira vez, de verde, da cabeça aos pés, para alertar o mundo sobre a importância – e urgência – de salvar a Amazônia. A partida será numa data Fifa (quando os melhores jogadores atuam pelas equipes nacionais), provavelmente em Manaus.

Leu essa? Menos torcida, menos racismo

A renda do jogo será revertida para a SOS Amazônia, ONG que promove a “conservação da biodiversidade e o crescimento da consciência ambiental” sobre a floresta martirizada. De seu lado, a CBF, “dona” da seleção, recolherá ganhos na sua corroída imagem, por se integrar à mobilização que combate a destruição da maior joia do meio ambiente no mundo.

A ideia da seleção brasileira verde surgiu no segundo semestre do ano passado, em conversa do acima assinado com o diretor de comunicação da CBF, Rodrigo Paiva. A entidade mandachuva do futebol brasileiro organizava seminário sobre racismo (outro movimento progressista) e o dirigente acolheu o alerta sobre a dramática agenda da preservação ambiental.

A seleção segue o caminho de um dos seus craques, Richarlison, do Tottenham, da Inglaterra, que adotou a onça-pintada Acerola, durante viagem ao Pantanal. O atacante sustenta permanente atitude social, socorrendo populações vulneráveis que sofrem com enchentes e outras tragédias. É gloriosa exceção em meio à alienação boleira.

A CBF vai com mais cautela. Ednaldo Rodrigues, seu presidente, avisa que a alteração cromática será pontual – e a entidade continuará carregando a cruz da camisa canarinho associada ao esgoto do autoritarismo no Brasil. Inimigos da democracia transformaram a farda pentacampeã no uniforme das manifestações bolsonaristas – na tentativa de golpe do 8 de janeiro, hordas de terroristas que depredaram prédios e acervos históricos em Brasília vestiam a roupa celebrizada nos campos do mundo por Pelé, Garrincha, Gerson, Zico, Ronaldo, Vinicius Jr. No disputado mundo das marcas, a associação com a bandidagem política vira algo pesado para sustentar.

Fabricante e sócia na imagem da peça, a Nike silencia, mas obviamente se incomoda com a associação nefasta. É, para resumir, péssimo para os negócios – ainda mais com a queda do bolsonarismo. Os inimigos do autoritarismo (maioria da população, como restou provado na última eleição) rejeitam a camisa icônica, que perde valor comercial. De outro lado, trocar a cor de algo tão futebolisticamente lendário – como sugeriu Sérgio Rodrigues, em 2021 – está longe de ser simples.

Nem sempre foi amarela a cor da seleção brasileira. De sua estreia, em 1915, até a Copa de 1950, o scratch (assim se chamava à época) nacional usou branco, mas a irrecuperável derrota para o Uruguai, dentro do Maracanã recém-construído, amaldiçoou a roupa. Sua sucessora, a camisa canarinho, vestiu o magistral time de Didi, Garrincha e Pelé, no caminho para a conquista do primeiro Mundial, em 1958, na Suécia. Os outros quatro títulos também foram com ela, construindo a fama planetária do futebol brasileiro.

A CBF reescreve o samba de Noel – “Com que roupa que eu vou/ Pro jogo que você me convidou?” – na hesitação do rumo a seguir. Enquanto isso, tenta dar um brilho na imagem massacrada por um caudaloso prontuário de mazelas. Outro dia mesmo, um presidente da entidade foi apeado do cargo por obscenos relatos de assédio sexual – para ficar só no último capítulo.

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Vinicius Jr: melhor jogador brasileiro da atualidade vítima de racismo contumaz na Europa. Foto Xavier Bonilla/NurPhoto/AFP
Vinicius Jr: melhor jogador brasileiro da atualidade vítima frequente de racismo na Europa. Foto Xavier Bonilla/NurPhoto/AFP

Como o sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão (viva Guimarães Rosa!), a atual gestão descobriu o valor das causas sociais e identitárias. A valorização do futebol feminino – contra a gritaria machista e misógina dos caretas – e o enfrentamento ao racismo em campos e arquibancadas se transforaram em agendas caras aos chefões da bola. Foi um golaço a decisão de punir até com perda de pontos as manifestações de preconceito pela cor da pele entre jogadores, cartolas e torcidas.

Mas precisa sempre tomar cuidado com o contra-ataque. Toda trabalhada na melodiosa cantiga das boas intenções, a CBF desafina quando cogita Carlo Ancelotti, o comandante do multicampeão Real Madrid, para ser o técnico da seleção. O italiano, que seria o primeiro estrangeiro no posto, mantém desavergonhada leniência com a perseguição implacável dos racistas contra Vinicius Jr, prodígio do Real Madrid – e principal jogador brasileiro da atualidade.

O negro periférico (São Gonçalo, RJ) é alvo de ofensas e gestos preconceituosos e intolerantes em quase todo jogo, e Ancelotti faz que não é com ele. Diante das seguidas ocorrências criminosas, desfila platitudes. “Não vejo esta forma de racismo na Espanha, mas mantenho a posição do clube e de Vinícius, e a partir daí falamos de futebol”, fugiu, em setembro. “Todo mundo o pressiona, acho besteira. Eu o amo muito e queremos que ele seja um pouco mais respeitado por todos”, desconversou, em janeiro. “Vinicius não é culpado, é a vítima de algo que não entendo”, esquivou-se, no início de fevereiro, durante o Mundial de Clubes (no qual o brasileiro foi o melhor jogador).

O alienado professor lidera as especulações para suceder Tite, no processo que a CBF conduz sem pressa. A entidade está desafiada a excluir oficialmente o italiano da lista – ou as boas iniciativas de inclusão cairão na vala do descrédito. Aqui, vale a lição de uma camisa 10 monumental, a ativista americana Angela Davis: “Não basta não ser racista; tem que ser antirracista”.

O aforismo oferece mais ensinamentos. Para combater verdadeiramente a discriminação, a entidade que comanda o futebol deve apostar em representatividade nos seus quadros, em especial os de poder. A comissão técnica da seleção, por exemplo, precisa ter mais negros; as gerências e a diretoria também.

O mesmo ocorre na conscientização ambiental, que precisa ganhar a vida real muito além da camisa dos jogadores. A CBF precisa incluir parâmetros de sustentabilidade nos contratos com patrocinadores – e cancelar os acordos com quem não se enquadrar; apostar na compensação dos danos que causa ao planeta; associar suas marcas e garotos-propaganda (os jogadores) a ações ambientais muito além da Amazônia. Entre muitas outras possibilidades.

Esses jogos, o racial e o ambiental, têm nada de amistosos; precisam ser mais à vera do que a Copa do Mundo.

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