ODS 1
Brasileiros acham que é caro manter uma vida sustentável
Consumidor reclama de falta de apoio do governo, das empresas e da pouca informação sobre produtos saudáveis e sustentáveis baratos
A terceira edição do estudo global de percepção do consumidor, realizado pelo Instituto Akatu e a GlobeScan, revelou tendências que demonstram a visão de mundo com respeito à relação entre consumo individual e fenômenos globais. Divulgado no final de novembro de 2021, o estudo entrevistou online 31 mil pessoas em 31 países, entre junho e julho, entre elas, mil brasileiros maiores de 18 anos. Ele revela que, embora continue predominando um estilo de vida pouco sustentável ambiental e socialmente, o consumidor dá sinais de que está mais consciente em relação ao problema. Além disso, a pesquisa registrou que a pandemia de covid-19 afetou os hábitos do consumidor.
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Os dados permitem inferir questões que vão além das leis da economia e suas teorias do consumo, tais como a relação entre oferta e demanda. Considerado do ponto de vista cultural, o comportamento muitas vezes compulsivo do consumidor reflete hábitos e estilos de vida pouco sustentáveis e muitas vezes movidos por falsas demandas. A boa notícia é que cresce a percepção crítica dessa realidade, sobretudo entre as gerações mais novas, como pôde ser visto na COP-26, preocupadas com o próprio futuro.
Tido como mera compulsão, o consumo revela, portanto, uma lógica mais complexa. Ou seja, os hábitos de aquisição, acumulação e descarte de bens e serviços não se dão num vazio cultural, mas dentro de valores, moralidades e percepções da realidade, que variam ao longo do tempo e das necessidades que a realidade impõe.
Consumo consciente
Segundo o levantamento, entre 2020 e 2021 a percepção dos brasileiros aponta para uma queda generalizada quanto ao cumprimento das responsabilidades socioambientais de todos os segmentos produtivos no Brasil – indivíduos, empresas e instâncias governamentais. Além disso, para 50% dos brasileiros é muito caro manter uma vida saudável e sustentável.
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Veja o que já enviamosNesse sentido, cerca de 60% dos brasileiros sentem maior necessidade de apoio mediante políticas públicas para estimular o consumo consciente, enquanto 50% têm a mesma percepção em relação às empresas. A pesquisa revela ainda que, frente a média global, 55% dos respondentes gostariam de obter informações sobre como obter produtos saudáveis e sustentáveis mais baratos.
Os respondentes também creem que as mudanças climáticas são fenômenos incomuns, estimulados pela ação do homem, especialmente o consumo predatório e a demanda insustentável. Entre os brasileiros, 77% dos participantes do estudo afirmaram que o que é bom para um indivíduo não necessariamente o é para o meio ambiente. Resultado bem acima da média mundial, de 43%. Na mesma comparação, 86% dos brasileiros pretendem reduzir seu impacto individual sobre o meio ambiente, frente 73% da média mundial.
Quase 70% dos entrevistados gostariam de ver uma inversão da lógica do governo e agências federais em suas políticas públicas, buscando recuperar o papel de liderança do Brasil na área socioambiental. A adoção de objetivos ambiciosos para conter o aquecimento global é uma das ações consideradas prioritárias nessa estratégia.
Pandemia, desigualdade e pobreza
O estudo revelou ainda que a pandemia de covid-19 – que no caso brasileiro foi agravada por uma política pública negacionista e aposta em medicamentos sem eficácia comprovada –, além de provocar quase 620 mil óbitos até o momento, em quase dois anos, influiu profundamente nos hábitos de consumo em todo o mundo e evidenciou a extrema desigualdade social existente. Não se trata apenas do alastramento da infecção, com novas cepas do vírus, mas também de efeitos colaterais mais amplos, como a explosão do êxodo de refugiados para os países centrais.
Para 62% dos brasileiros, revela a pesquisa, a pandemia teve impacto negativo em sua situação financeira, ao passo que para 22% o efeito foi positivo e 16% consideraram que não houve impacto positivo ou negativo. Por outro lado, entre 43% e 46% dos entrevistados no Brasil afirmaram que mudaram, ainda que levemente, seus estilos de vida, passando a levar em conta a sustentabilidade do meio ambiente, bem como adotaram um comportamento mais saudável e socialmente solidário. A infecção também melhorou a relação dos brasileiros com a natureza e o meio ambiente (57%); e aumentou o senso de comunidade e conexão social (51%).
No quesito sobre a gravidade dos problemas globais, os brasileiros demonstraram preocupação acima da média mundial com aspectos sociais. É o caso, por exemplo, da percepção da pobreza extrema. Enquanto 87% dos brasileiros consideram este um problema muito sério, a média mundial foi de 60%. Outras categorias, na mesma comparação: poluição das águas, 85% ante 63%; pandemia de covid-19, 84% ante 66%; escassez de água potável, 82% ante 55%; esgotamento dos recursos naturais, 81% ante 63%.
Além de revelar mudanças de comportamento do consumidor no período da pandemia, a pesquisa sugere expectativas para a vida pós-pandemia e barreiras e gatilhos para a prática de uma vida mais saudável e sustentável. Dos respondentes, 48% declararam que a infecção da covid-19 afetou negativamente sua vida em vários aspectos, inclusive emocionalmente, provavelmente devido à abrupta alteração de seu modo de vida. Em compensação, para 56% dos brasileiros, a pandemia chamou a atenção para a importância da preservação da natureza e do meio ambiente.
Consumo e qualidade de vida
Além das crises causadas pela pandemia e os eventos climáticos, a lógica de consumo atual evidencia uma voracidade pouco sustentável e individualista. Ela foi se tornando predominante nas sociedades industriais, sobretudo nos grandes centros urbanos e metrópoles, com impacto na qualidade de vida e no meio ambiente. O resultado desse comportamento aparece na acumulação excessiva de bens muitas vezes desnecessários, no estímulo à demanda de matérias-primas que aquecem o planeta, no problema do descarte e do lixo, entre outros. Mas igualmente afeta o campo social, com aumento da pobreza e da desigualdade.
Não à toa, destacam os realizadores da pesquisa, “vivemos um momento de adversidades sem precedentes – mudanças climáticas, perdas de biodiversidade, poluição das águas e desigualdade social crescente – além da pandemia de covid-19” e suas mutações, prestes a completar dois anos. Esse quadro, destacam o Akatu e o GlobeScan, “tem como causa ou como consequência a prática de estilos de vida pouco saudáveis e/ou sustentáveis.”
Segundo o Akatu e a GlobeScan, esse quadro exige uma série de iniciativas, a começar pelo desenvolvimento de políticas públicas que estimulem ampliar a conscientização de pessoas e empresas sobre a necessidade de um consumo sustentável. Os dados da pesquisa também sugerem que se estabeleça uma parceria multidisciplinar, reunindo academia e organizações do terceiro setor com o objetivo de gerar inovações tecnológicas e sociais.
No que tange o campo corporativo, os pesquisados creem que as empresas devem aprimorar sua cadeia de produção, considerando, além dos ganhos de receita e dividendos, melhor impacto social e ambiental, o que inclui desde formas de descarte de produtos e embalagens à redução da desigualdade social. Além desses aspectos pontuais, de acordo com os pesquisados, é preciso ainda adequar os estilos de vida e o comportamento do consumidor aos novos tempos, reduzindo efeitos negativos tanto na produção quanto no consumo.
Em resumo, a situação atual exige esforços dos diversos atores sociais para que sejam implementadas as mudanças inadiáveis, de modo a inverter o atual processo de destruição dos biomas e gerar condições socialmente mais justas e menos desiguais. Diante das crises que vivemos na atualidade, adotar uma forma mais sustentável de consumo se tornou uma questão incontornável.
Akatu e GlobeScan
O Instituto Akatu é uma ONG sem fins lucrativos, criada em 2001 com o objetivo de sensibilizar pessoas e empresas para um consumo sustentável e consciente de seus impactos na sociedade. A ideia é consumir de modo diferente, eliminando a voracidade impulsiva de acumulação por um consumo mais consciente, evitando excessos e desperdício e garantindo a todos o acesso a bens e serviços. O acesso às vacinas contra a covid-19 é exemplo dessa meta. A GlobeScan, por sua vez, é uma consultoria que assessora corporações, ONGs e agências governamentais nas estratégias de sustentabilidade, inclusive o consumo consciente.
De acordo com Hélio Mattar, diretor-presidente do Akatu, “a pesquisa ressalta o que o consumidor brasileiro espera das empresas, principalmente no pós-pandemia. Ele deseja, por exemplo, receber mais apoio por parte delas, ter acesso a produtos mais sustentáveis de baixo custo e acesso a mais informações sobre os produtos”.
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Paulo Thiago de Mello é jornalista, antropólogo e pesquisador pelo Laboratório de Etnografia Metropolitana (LeMetro-IFCS/UFRJ), especializado em investigação urbana. É mestre e doutor pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com pós-doutorado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), em Paris.