Empréstimos verdes: iniciativa dos bancos na COP26 é um retrocesso

Para especialista em finanças, compromisso de grandes instituições financeiras em Glasgow fica aquém de acordo firmado em 2019 que muitas não cumpriram

Por The Conversation | ODS 13 • Publicada em 8 de novembro de 2021 - 08:12 • Atualizada em 10 de novembro de 2021 - 09:20

“Planeta, não lucro” afirma cartaz de manifestação ambientalista em Londres: críticas à iniciativa de instituições financeiras divulgadas na COP26 (Foto: Niklas Halle’n / AFP – 06/11/2021)

(Paul David Richard Griffiths*) – Mais de 450 dos bancos mundiais se comprometeram com uma nova iniciativa na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP26, que visa descarbonizar seus investimentos. Supervisionados pelo ex-chefe do Banco da Inglaterra, Mark Carney, os bancos e outras instituições financeiras que se inscreveram na Gfanz (Aliança Financeira de Glasgow para Net Zero) se comprometeram a divulgar anualmente as emissões de carbono vinculadas aos projetos para os quais eles emprestam.

Eles também têm como objetivo fornecer trilhões de dólares em finanças verdes, ao mesmo tempo que se comprometem com emissões líquidas zero até 2050. Os principais signatários da iniciativa, que foi originalmente divulgada em abril, incluem Citi, Morgan Stanley e Bank of America.

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Embora seja muito encorajador ver muitos dos principais bancos do mundo se comprometendo com empréstimos sustentáveis, é difícil não ficar apreensivo. Certamente não é a primeira oportunidade que eles tiveram para descarbonizar suas carteiras de empréstimos e, até agora, os resultados não têm sido impressionantes.

Em 2019, a Assembleia Geral da ONU lançou de forma exuberante seus princípios de banco responsável (PRBs – Principles of Responsible Banking) com objetivos semelhantes. Os bancos signatários concordaram, entre outras coisas, em “trabalhar com seus clientes para estimular práticas sustentáveis” e “alinhar sua estratégia de negócios” aos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU e ao acordo climático de Paris.

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Até agora, muitos dos maiores bancos do mundo não assinaram os PRBs, embora os princípios tenham sido o padrão-ouro até agora para se comprometer com a descarbonização dos empréstimos. Os principais signatários também estão longe de atender aos seus requisitos – para não mencionar os da Gfanz.

Protesto na COP26 pede financiamento climático: iniciativa de bancos vista com reservas (Foto: Kiara Worth / Unfccc - 04/11/2021)
Protesto na COP26 pede financiamento climático: iniciativa de bancos vista com reservas (Foto: Kiara Worth / Unfccc – 04/11/2021)

Os bancos e as finanças verdes

Os bancos podem contribuir para a solução da crise climática de dois ângulos: seus empréstimos e seus investimentos. Do lado dos investimentos, vimos um ponto de inflexão em 2020, quando a BlackRock, a maior gestora de recursos do mundo, anunciou que concentraria seus investimentos em títulos com foco na sustentabilidade.

No entanto, os empréstimos ainda estão nos estágios iniciais de sua transição verde. E como é bem aceito que eles compõem a maior parte das finanças corporativas, essa área é o caminho para a descarbonização do setor.

Bem mais de 200 bancos internacionais assinaram os princípios de um banco responsável nos últimos dois anos, mas muitos dos maiores bancos não estão entre eles. Dos dez principais bancos (por capitalização de mercado), apenas Citi, Banco Comercial da China (ICBC), Banco da China e Banco Agrícola da China são signatários. Outros seis – JPMorgan Chase, Bank of America, China Construction Bank, Wells Fargo, Morgan Stanley e China Merchants Bank – não estão na lista.

Devo frisar que ser signatário dos PRBs é um compromisso limitado. Os signatários têm quatro anos para cumprir os princípios. Mesmo assim, tudo é voluntário e não vinculativo, de modo que os signatários não são penalizados ou mesmo denunciados (e envergonhados) por não cumprirem os princípios.

Para ter uma ideia da situação atual, examinei as práticas de empréstimo de três grandes bancos signatários – Citi, ICBC e o MUFG do Japão – para os anos de 2016-19. Isso cobre o período imediatamente posterior ao Acordo de Paris até o ano em que os PRBs foram assinados. Você poderia esperar que os bancos que levavam a sério seus compromissos estivessem reduzindo os empréstimos pesados ​​de carbono neste período.

Eu me concentrei nos empréstimos bancários para a extração de combustíveis fósseis, porque os dados estão prontamente disponíveis e porque esse é o topo da pirâmide quando se trata de emissões de carbono. Também comparei três outros grandes bancos que não são signatários dos PRBs: Wells Fargo, JPMorgan Chase e HSBC.

Descobri que o Wells Fargo e o JP Morgan foram os maiores financiadores mundiais dessas empresas durante esse período (embora o Wells Fargo tenha caído para o terceiro lugar em 2020 ). Nenhum dos dois assinou os PRBs, embora ambos sejam agora membros da Gfanz. Ambos declaram em seus relatórios anuais que estão comprometidos com o acordo climático de Paris. Ambos reduziram seus empréstimos totais para combustíveis fósseis a cada ano de 2018 a 2020, em 57% e 23%, respectivamente.

O Citi, por sua vez, foi o terceiro maior credor de combustíveis fósseis em 2016-19, apesar de ser signatário dos PRBs (e Gfanz), e alcançou o segundo lugar em 2020. E o MUFG e o ICBC, que também são signatários dos PRBs, ampliaram seus empréstimos para combustíveis fósseis durante o período. O MUFG também é membro da Gfanz, embora nem o ICBC nem qualquer outro banco chinês faça parte da nova iniciativa. Observe também que o HSBC não era um grande financiador de projetos de combustíveis fósseis, apesar de não ser signatário dos PRBs (embora também tenha assinado a Gfanz).

A partir disso, não vejo nenhum sinal perceptível de que os PRBs tenham feito alguma diferença nos empréstimos nesta área. Apesar do barulho na Assembleia Geral da ONU, minha preocupação é que esse tigre esteja se mostrando desdentado – e há motivos para temer que Gfanz siga o mesmo caminho.

O caminho financeiro a seguir

Quando os signatários dos PRBs estão emprestando dinheiro, eles devem realizar avaliações de impacto ambiental e medir as emissões de gases de efeito estufa dos projetos. Este não é um problema menor, considerando que esse trabalho está além das competências tradicionais dos bancos e afetará significativamente seus custos operacionais.

Os signatários também devem garantir que os empréstimos vão para projetos neutros em carbono. Isso significa que os mutuários devem se comprometer com ações de mitigação que duram todo o ciclo de vida do projeto. Faz parte da obrigação de cada signatário assegurar a realização das referidas ações de mitigação, através do acompanhamento do projeto ao longo da sua duração.

No entanto, a suspeita é que muito pouco disso está acontecendo no terreno no momento. Para mudar isso, provavelmente precisaríamos mudar para um esquema em que os PRBs sejam obrigatórios e vinculativos.

Infelizmente, a Gfanz não se parece com esse esquema. Embora os requisitos de relatórios anuais sobre as emissões de carbono sejam um passo à frente, nada na iniciativa também é obrigatório. Também foi criticada nas semanas que antecederam a COP26 porque os membros se recusaram a concordar em encerrar os empréstimos para projetos de combustíveis fósseis este ano. Em vez disso, pretendem reduzir pela metade suas emissões de carbono em uma década.

Minha opinião é que não faria sentido proibir abruptamente empréstimos para projetos não verdes agora, uma vez que precisamos evitar atingir com mais força os bancos que tradicionalmente estão mais envolvidos em setores de carbono pesado. Em vez disso, as carteiras de crédito precisam ser tratadas como uma carteira de projetos em diferentes tons de verde, com uma trajetória definida para mais verde – mas precisa ser obrigatória para os signatários.

É uma pena que Mark Carney e outros líderes bancários não tenham trabalhado para fortalecer os PRBs, em vez de apresentar outra iniciativa. Também me preocupo com o fato da Gfanz turvar as águas, combinando investimentos e empréstimos, em vez de se concentrar puramente em empréstimos. Não precisamos de mais rugidos; precisamos de um tigre que realmente tenha alguns dentes.

*Paul David Richard Griffiths é professor de Finanças e diretor acadêmico do Programa de Graduação em Bancos, Finanças e Tecnologia Financeira da Escola de Administração da Normandia (França)

** The Conversation convidou os bancos citados no artigo a se manifestarem. JP Morgan, Wells Fargo, Citi e ICBC não quiseram comentar.

The Conversation

The Conversation é uma fonte independente de notícias, opiniões e pesquisas da comunidade acadêmica internacional.

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