Emissões de carbono retornam aos níveis pré-pandemia

Nuvem de poluição sobre Paris em 15 de setembro: após o fim dos períodos de quarentena, nível de emissões de carbono volta ao nível pré-pandemia (Foto: Thomas Coex/AFP)

Relatório da Organização Meteorológica Mundial aponta que período 2016-2020 será o período de cinco anos mais quente da história

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 18 de setembro de 2020 - 09:00 • Atualizada em 22 de setembro de 2020 - 09:47

Nuvem de poluição sobre Paris em 15 de setembro: após o fim dos períodos de quarentena, nível de emissões de carbono volta ao nível pré-pandemia (Foto: Thomas Coex/AFP)

O refresco para o planeta nas emissões de carbono, consequência da quarentena causada pela pandemia, não durou muito. As emissões da queima de combustível fóssil, depois de terem uma queda inédita de 17% em relação ao ano anterior durante o ápice do bloqueio em abril, já tinham retornado, em junho, para cerca de 5% abaixo dos níveis de 2019, de acordo com o United in Science 2020, relatório da ONU, coordenado pela Organização Meteorológica Mundial, que prevê a retomada dos índices pré-pandemia ainda neste segundo semestre.

O relatório de 28 páginas aponta que as emissões vão cair em 2020, devido ao confinamento imposto na maioria dos países para enfrentar a pandemia, mas a queda anual – calculada entre 4% e 7% – não vai desacelerar a mudança climática. Os cinco anos até 2020 devem ser os cinco anos mais quentes já registrados, de acordo com o documento. “As concentrações de gases de efeito estufa – que já estão em seus níveis mais altos em 3 milhões de anos – continuaram a aumentar. Este relatório mostra que, embora muitos aspectos de nossas vidas tenham sido perturbados em 2020, as mudanças climáticas continuaram inabaláveis”, afirma  o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, na introdução do United Science 2000.

 

Nunca antes esteve tão claro que precisamos de transições limpas, inclusivas e de longo prazo para enfrentar a crise climática e alcançar o desenvolvimento sustentável

Coordenado pela OMM, o relatório teve a participação do Global Carbon Project (GCP), da Comissão Intergovernamental Oceanográfica da Unesco (Unesco-IOC), do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC), do Programa de Meio Ambiente da ONU e do Met Office, o serviço nacional de meteorologia do Reino Unido. Não foram apenas as emissões de carbono que estão em alta nos últimos anos. As emissões de gás metano, que tem potencial muito maior de aquecimento, também aumentaram na última década.

O United in Science destaca ainda que esse nível de emissões de CO2 (carbono) e CH4 (metano) não é compatível com a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris: a limitação do aquecimento global a 1,5° Celsius ou bem abaixo de 2º C, acima dos níveis pré-industriais. Responsável por parte do relatório, o GCP indica que as emissões globais de combustíveis fósseis em 2019 foram ligeiramente maiores do que em 2018, com emissões recorde de 36,7 gigatoneladas de dióxido de carbono. “O crescimento das emissões diminuiu para cerca de 1% ao ano na última década, abaixo dos 3% de crescimento anual durante os anos 2000. O crescimento quase zero visto em 2019 dá esperança de que a tendência de emissões de CO2 está se estabilizando e que um declínio está no horizonte”, destaca o GPC no relatório. “No entanto, emissões estáveis ou em ligeiro declínio foram observadas no início da década de 2010 e, infelizmente, não têm durado. As emissões totais de CO2 fóssil são agora 62% maiores do que as emissões na época em que as negociações internacionais sobre o clima começaram em 1990”. acrescenta o documento.

Como o gás de carbono pode durar séculos na atmosfera, adicionar até mesmo uma quantidade reduzida ao ar aumenta o potencial de aquecimento de todo o gás acumulado ao longo de décadas. Este novo estudo mostra que é exatamente o que aconteceu em algumas estações de monitoramento importantes em todo o mundo. No observatório Mauna Loa, no Havaí, a quantidade de CO2 medida em amostras de ar aumentou de 411 partes por milhão (ppm) em julho de 2019 para 414 ppm em julho deste ano. Da mesma forma, na estação de monitoramento de Cape Grim, na Tasmânia, as concentrações também subiram de 407 para 410 ppm no ano até julho de 2020.

Voluntário tenta apagar fogo perto de ponte da Transpantaneira em Mato Grosso: previsão de anos mais secos em toda a América do Syl (Foto: Mauro Pimentel/AFP)
Voluntário tenta apagar fogo perto de ponte da Transpantaneira em Mato Grosso: previsão de anos mais secos em toda a América do Syl (Foto: Mauro Pimentel/AFP)

Calor, incêndios e aquecimento dos oceanos

O documento da ONU aponta ainda que a mudança climática está se manifestando em eventos climáticos extremos, como a onda de calor na Sibéria – “o que teria sido muito improvável sem a mudança climática provocada pelo homem” – durante o primeiro semestre de 2020. “As temperaturas médias de cinco anos de 2016-2020 estão em vias de ser as mais altas já registradas para grande parte da Europa, Oriente Médio e norte da Ásia, áreas do sul e leste dos EUA, áreas da América do Sul, África do Sul e Austrália”, aponta o relatório.

A temporada recorde de incêndios da Califórnia (2020) e na Austrália (2019), eventos extremos como furacões e temporais, mantos de gelo encolhendo e geleiras em declínio são outros indicadores apontados pelos especialistas. A extensão do gelo marinho do Ártico diminuiu constantemente entre 1979 e 2018 –  uma taxa de 13% por década.  Na Antártica, a extensão do gelo marinho também caiu abaixo da média registrada entre 1981 e 2010. Os níveis globais do mar estão subindo muito mais rápido do que o registrado anteriormente. Entre 2016 e 2020 a taxa de aumento foi de 4,8 milhões por ano, um aumento em relação aos 4,1 milhões registados entre 2011 e 2015. O aumento das temperaturas também causou secas e ondas de calor e aumentou o risco de incêndios florestais.

Trecho do relatório, produzido pela OMM, também alerta para os próximos cinco anos – até 2024. “As previsões de precipitação para 2020–2024 sugerem uma maior chance de condições mais secas no norte da América do Sul, no Mediterrâneo e no sul da África e condições mais úmidas no norte da Eurásia, Alasca e Canadá”, afirmam os autores. “Entre 2020–2024, muitas partes da América do Sul, África do Sul e Austrália provavelmente estarão ainda mais secas do que no passado recente”, acrescentam.

A OMM também aponta ser provável que a temperatura global anual seja pelo menos 1 ° C mais alta do que os níveis pré-industriais (média de 1850–1900) em cada um dos próximos 5 anos e é muito provável que esteja na faixa de 0,91º C a 1,59° C acima. O relatório indica ainda que um ou mais meses durante os próximos 5 anos serão pelo menos 1,5 °C mais quentes do que os níveis pré-industriais. A OMM prevê ainda que grandes áreas de terra no Hemisfério Norte provavelmente terão temperaturas 0,8°C mais quentes do que no passado recente (média de 1981 a 2010).

O relatório alerta ainda que a pandemia também interrompeu os sistemas globais de observação, o que por sua vez afetou a qualidade das previsões do tempo, clima e oceano. As observações baseadas em aeronaves caíram em uma média de 75% a 80% em março e abril e houve apenas uma ligeira recuperação desde junho. As estações meteorológicas operadas manualmente, especialmente na África e na América do Sul, também sofreram interrupções graves.
Embora não seja impossível, o relatório afirma que alcançar a meta do Acordo de Paris exigiria uma redução do carbono do tamanho de uma pandemia a cada ano a partir de agora até o final da década. “Nunca antes esteve tão claro que precisamos de transições limpas, inclusivas e de longo prazo para enfrentar a crise climática e alcançar o desenvolvimento sustentável”, afirma o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, em um prefácio ao relatório. “Devemos transformar a recuperação da pandemia em uma oportunidade real de construir um futuro melhor”, assinala. “Precisamos de ciência, solidariedade e soluções”.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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