As urgências da periferia no vigor da poesia falada

Principal atração da Flup, Rio Poetry Slam, competição mais importante da América Latina, reunirá exclusivamente mulheres negras

Por Aydano André Motta | ODS 10ODS 11 • Publicada em 16 de outubro de 2019 - 14:40 • Atualizada em 18 de maio de 2023 - 16:38

Agnes Cardoso: escritora, poeta, produtora e slammer, atua como orientadora social e professora de inclusão de educação infantil. Idealizou o coletivo Poetas Vivos, no Rio Grande do Sul. Foto de divulgação
Agnes Cardoso: escritora, poeta, produtora e slammer, atua como orientadora social e professora de inclusão de educação infantil. Idealizou o coletivo Poetas Vivos, no Rio Grande do Sul. Foto de divulgação
Agnes Cardoso: escritora, poeta, produtora e slammer, atua como orientadora social e professora de inclusão em educação infantil. Idealizou o coletivo Poetas Vivos, no Rio Grande do Sul. Ela será uma das participantes do Rio Poetry Slam. Foto de divulgação

Slam! A voz da periferia surge vigorosa na arte da poesia falada, como a batida contundente de uma porta ou janela. A onomatopeia precede os versos que tratam da realidade dura dos excluídos – negros, todos ou quase todos –, com o tempero dramático da performance no palco. Vai ser assim, de novo, na 8ª Festa Literária das Periferias, a Flup, que começa nesta quarta (16) e vai até domingo, no Museu de Arte do Rio.

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O Rio Poetry Slam, maior competição de poesia falada da América Latina, vai se integrar à agenda do feminismo negro – suas 32 participantes (16 brasileiras) serão mulheres afro-descendentes. As concorrentes são de Brasil, Nigéria, Holanda, Escócia, Angola, Canadá, Alemanha, Bélgica, Moçambique, Estados Unidos, Gabão, Áustria, Costa Rica, Portugal e França.

“O Slam é um fruto da árvore da oralidade”, explica Roberta Estrela D’Alva, diretora, pesquisadora, poeta, introdutora da manifestação no Brasil e curadora da disputa na Flup. “São vários galhos – o repente, o griô, o trovador, a canção, os MCs do hip-hop e os slammers”, ensina ela, falando dos “atletas da palavra”, que precisam impressionar jurados e público, em batalhas de superação.

Numa comparação para leigos, Roberta equipara o Slam à ginástica artística das Olimpíadas, enquanto o repente e as batalhas de rappers seriam o futebol. “Não tem improviso. E obedecemos três regras: são poemas próprios, compostos previamente, apresentados sem acompanhamento musical nem figurino específico”, explica. “O tema é livre”, acrescenta. A apresentação das batalhas, em formato eliminatório, contará também com a presença das organizadoras do Slam das Minas do Rio de Janeiro, uma das principais plataformas de visibilidade da mulher negra da periferia carioca.

O júri é arregimentado entre o público presente, para garantir o impacto da surpresa com as poesias faladas. Ano passado, os concorrentes eram exclusivamente negros; agora, somente mulheres negras participarão. “É a voz que precisa ser mais ouvida, não só na poesia falada. Vamos ao que elas têm dizer, sejam cis, trans etc”, festeja Roberta. “É urgente que essas vozes sejam ouvidas em todos os setores”, argumenta.

Faz sentido, no conceito do Slam. Criado em Chicago, em 1984, as “batalhas de letras” rapidamente se consolidaram. Elas conjugam política e poesia, com a abordagem crítica e questionadora de temas como racismo, exclusão, violência, drogas, genocídio da população negra, despertando a plateia para a reflexão, tomada de consciência e enfrentamento.

Pesquisadora da atividade, Cynthia Agra de Brito sublinha que os slammers querem ser considerados “escritores como quaisquer outros autores nacionais”. Sua literatura marginal e periférica rompe com a linguagem culta e incomoda quem apenas valoriza parâmetros tradicionais. O Slam é um grito, atitude de “reexistência”, que pavimenta a formação de leitores e escritores conscientes, dispostos a reivindicarem mudanças educacionais e sociais.

Durante os cinco dias de FLUP, as batalhas de poesia falada se dividirão entre a Casa Porto e os pilotis do Museu de Arte do Rio, das 14h às 22h. A grande final será no domingo (20), no MAR, às 20h. A entrada é gratuita. “O Rio Poetry Slam já é um dos maiores campeonatos da América Latina e em breve será dos maiores do mundo”, prevê Roberta Estrela D’Alva.

Além da semana de atividades aberta ao público, a Festa Literária das Periferias realiza ao longo do ano a FLUP Pensa, com cursos de formação para escritores. O programa viabilizou a publicação de 20 livros com autores das periferias cariocas como Ana Paula Lisboa, Yasmin Thayná e o fenômeno Geovani Martins, jovem morador da Rocinha que teve o livro de estreia lançado em mais de 10 países. Na edição deste ano, as atividades foram dedicadas ao músico Marcelo Yuka, morto em janeiro.

No sábado (19), às 16h, os participantes falam da importância do projeto em suas carreiras. A iniciativa tem como objetivo formar e visibilizar roteiristas negras e negros, fazendo da FLUP uma plataforma para que a primeira geração de roteiristas negros saia do gueto e se insira no mercado.

Aydano André Motta

Niteroiense, Aydano é jornalista desde 1986. Especializou-se na cobertura de Cidade, em veículos como “Jornal do Brasil”, “O Dia”, “O Globo”, “Veja” e “Istoé”. Comentarista do canal SporTV. Conquistou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em 2012. Pesquisador de carnaval, é autor de “Maravilhosa e soberana – Histórias da Beija-Flor” e “Onze mulheres incríveis do carnaval carioca”, da coleção Cadernos de Samba (Verso Brasil). Escreveu o roteiro do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris”. E-mail: aydanoandre@gmail.com. Escrevam!

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