#RioéRua: Desânimo eleitoral no calçadão de Bangu

Na porta da tradicional Fábrica Bangu, o desânimo com as eleições deste ano. Foto Oscar Valporto

Campanha não emplaca nem em estratégica região da Zona Oeste

Por Oscar Valporto | ODS 11ODS 8 • Publicada em 1 de outubro de 2018 - 08:03 • Atualizada em 1 de outubro de 2018 - 15:52

Na porta da tradicional Fábrica Bangu, o desânimo com as eleições deste ano. Foto Oscar Valporto
Na porta da tradicional Fábrica Bangu, o desânimo com as eleições deste ano. Foto Oscar Valporto
Na porta da tradicional Fábrica Bangu, o desânimo com as eleições deste ano. Foto Oscar Valporto

“Nelson, Danton e Farah/Pra senadores/Nós vamos votar”. Este é o refrão do jingle eleitoral mais antigo de que me lembro, da campanha de 1970, em plena ditadura – aos 9 anos, eu não tinha a menor noção de política. Se tivesse, saberia que a eleição para governador era indireta, que o então Estado da Guanabara ia eleger três senadores porque o eleito em 1966, Mario Martins, tinha sido cassado, e que o antigo distrito federal era o único lugar onde o oposicionista MDB elegeria o governador – o ex-udenista e ex-ademarista Chagas Freitas. O jingle tocava em alto-falantes de fuscas que passavam na rua; nos anos seguintes, as restrições às campanhas aumentariam até a mordaça da Lei Falcão na TV. A abertura trouxe de volta as trilhas sonoras das campanhas, mas, neste ano eleitoral de 2018, a falta de música na rua é só um sinal da estranheza destes tempos da democracia brasileira.

Esta eleição presidencial, que desperta paixões nas redes sociais, passa em branco: nem adesivo, nem bandeira, nem cartaz, nem sinal de Jair ou Fernando. Os favoritos a governador não ficam atrás: sumidos, aparecem nos cantos das propagandas dos candidatos à Câmara e à Assembleia

Lá em 1970, quando Nelson Carneiro, Danton Jobim e Benjamim Farah elegeram-se senadores pela Guanabara, que tinha então menos de dois milhões de eleitores, a 24ª Zona Eleitoral, com sede em Bangu, já era estratégica para as campanhas, com sua concentração de votos. Em quase cinco décadas, quase tudo mudou na geografia burocrático-eleitoral carioca. As 25 zonas eleitorais da antiga cidade-estado fundiram-se às zonas do Estado do Rio a partir de 1975 e, desde então, foram sendo divididas – ou seja, numericamente se multiplicaram. Na última eleição para prefeito, o município do Rio de Janeiro tinha 97 zonas eleitorais; a 12ª, em Madureira – uma das maiores em 1970 – passou a ser a menor: de tão dividida, ficara com 22 mil eleitores. Zona Eleitoral custa dinheiro – juiz, funcionário, sede, cartório, arquivo – e o TSE decidiu enxugar. Para a eleição de 2018, as 97 zonas do Rio viraram 48.

Nada disso mudou a musculatura eleitoral da antiga 24ª zona de Bangu, que chegou a dar nove filhotes e agora tem apenas quatro: as zonas eleitorais 230 (Vila Kennedy), 233 (Padre Miguel e Realengo) 234 (Magalhães Bastos e Realengo) e 238 (Santíssimo, Senador Camará e Augusto Vasconcelos). Essas cinco zonas concentram quase 500 mil eleitores, quase 10% da população da cidade, e, por isso, a 10 dias do pleito, estou aqui neste trem para Bangu para circular pelo calçadão onde acompanhei tantas disputas eleitorais como repórter e imagino encontrar um clima de campanha que escapa de quem circula pelas ruas cariocas do Centro e, principalmente, da Zona Sul.

Realmente são tempos estranhos na política carioca: no calçadão de Bangu, às vésperas do primeiro turno, perto da hora do almoço, comércio todo aberto, não há um só candidato a cargo eletivo pedindo voto. Esta eleição presidencial, que desperta paixões nas redes sociais, passa em branco: nem adesivo, nem bandeira, nem cartaz, nem sinal de Jair ou Fernando. Os favoritos a governador não ficam atrás: sumidos, aparecem nos cantos das propagandas dos candidatos à Câmara e à Assembleia. A exceção é uma zebra: a bandeirinha da petista Marcia num isopor de ambulante. Cabos eleitorais do ex-prefeito Cesar, candidato ao Senado, e de seu filho Rodrigo, candidato à reeleição na Câmara dos Deputados, marcam presença. Mas o campeão das bandeiras, santinhos, cartões e panfletos é o deputado estadual e candidato à reeleição Jorge Felippe Neto – neto do vereador de mesmo nome e cacique eleitoral de Bangu, com sete mandatos na Câmara Municipal e na ativa desde o fim da década de 1970.

Santinhos e adesivos de candidatos a presidente e governo não são muito populares no calçadão de Bangu. Foto Oscar Valporto
Santinhos e adesivos de candidatos a presidente e governo não são muito populares no calçadão de Bangu. Foto Oscar Valporto

Tem gente que não gosta de política e acha que é melhor assim: nada de música, de barulho, de cor. Não poderia discordar mais ao ver esse desânimo pré-eleitoral no calçadão. Para mim, campanha tem que ter aquelas procissões de pessoas de amarelo que seguiam o líder das pesquisas nas cidades do Sul e do Sudeste até ele sofrer o atentado ou as multidões de vermelho que andam atrás de seu principal adversário no Nordeste. Tem que ter música, tem que ter jingle, tem que ter alto-falante, carro de som, comício. Precisa de mais tempo de campanha, mais liberdade para fazer, inclusive barulho, mais bom senso da Justiça Eleitoral, e mais campanha também na TV e no rádio até para dar tempo de aparecer gente nova que não seja apenas filho e neto.

A palavra política, como gosta de lembrar um amigo parlamentar, vem do grego polis – denominação das cidades-estado da antiga Grécia onde os moradores se reuniam em espaços abertos para discutir e estabelecer suas leis e suas regras de convivência em sociedade, a base do debate político. Vejo aqui no calçadão de Bangu que a política está precisando de gente com essa disposição de ocupar a rua para discutir – até acaloradamente, como convém às temperaturas do bairro, mas nunca com ódio – a vida em sociedade. A política, principalmente no Rio de Janeiro, está precisando de gente na rua porque é gente na rua que alimenta a democracia.

#RioéRua

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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