Pandemia reforça prioridade para saneamento na agenda local da Maré

Esgoto a céu aberto no Complexo de Favelas da Maré, na Zona Norte do Rio. Quase metade das moradias do país possuem algum tipo de privação de saneamento básico. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Falta de infraestrutura sanitária prejudica qualidade de vida dos 140 mil moradores da região e também a preservação da Baía de Guanabara

Por Casa Fluminense | ODS 1ODS 6 • Publicada em 30 de outubro de 2020 - 16:33 • Atualizada em 2 de novembro de 2020 - 09:36

Esgoto a céu aberto no Complexo de Favelas da Maré, na Zona Norte do Rio. Quase metade das moradias do país possuem algum tipo de privação de saneamento básico. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Luize Sampaio*

Composta por 16 favelas, a Maré é o território periférico da cidade com mais casos confirmados de coronavírus, segundo os dados do Painel Unificador COVID-19 Nas Favelas. Em meio a crise sanitária, com mais de 1.800 infectados no complexo e pessoas sem água até para lavar as mãos, organizações locais atualizaram a Carta de Saneamento da Maré. “A crise acabou que nos trouxe uma força a mais para pensar em saneamento. Esse direito tão básico como ter água para lavar as mãos pode definir quem vive e quem morre”, explicou Clara Ribeiro, coordenadora e cofundadora do DataLabe, laboratório de dados e narrativas da Maré, destacando que, neste período, os moradores perceberam ainda mais a necessidade de se discutir o tema do saneamento na favela. 

A Carta de Saneamento da Maré 2020 é parte da Agenda Rio 2030 da Casa Fluminense, que, nesta edição, reuniu agendas locais – além da Maré, Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, e os municípios de Japeri, Queimados e São Gonçalo.  O Complexo da Maré – localizado na Zona Norte do Rio, às margens da Baía de Guanabara – conta com uma unidade da Cedae para atender a região mas, segundo Clara, a falta de recursos tem gerado um sucateamento desse trabalho. “Os trabalhadores da companhia se esforçam, mas a falta de investimento público coloca um limite na qualidade de trabalho que eles podem oferecer. A desigualdade na cidade pode ser medida se olharmos como o poder público distribuí esse dinheiro, quais são as áreas que interessam” afirmou a coordenadora do DataLabe. 

A Maré viveu nas últimas décadas um dos maiores crescimentos populacionais da cidade. O último Censo, de 2010, mostrou que, em 10 anos, o número de habitantes aumentou em 14%. De acordo com o Censo Maré, realizado no ano passado por organizações da região, cerca de 140 mil pessoas moram atualmente nas 16 favelas do complexo. O processo de urbanização do bairro, porém,  foi feito sem o apoio do poder público e a infraestrutura de saneamento da região não tem acompanhando seu desenvolvimento demográfico. “Temos cada vez mais alagamentos e pontos de concentração de lixo na favela. Todas as casas precisam ter bomba senão a água não chega. Além disso, mais gente significa mais ligações e despejo de esgoto nos valões que acabam na Baía de Guanabara”, afirmou Breno Henrique, coordenador do projeto Cocôzap, canal de notificação, debate e proposição sobre saneamento básico, coleta de lixo e o esgotamento sanitário em favelas e periferias do Rio de Janeiro.

Maré inundada pela chuva: falta de estrutura de saneamento e coleta de lixo precária prejudicam moradores e poluem Baía de Guanabara (Foto: Elisângela Leite/Casa Fluminense)
Maré inundada pela chuva: falta de estrutura de saneamento e coleta de lixo precária prejudicam moradores e poluem Baía de Guanabara (Foto: Elisângela Leite/Casa Fluminense)

Mesmo com a rede de esgoto conectada a parte das casas das favelas, ainda falta na Maré a instalação de troncos coletores. Eles são estruturas que ligam a o esgoto coletado nas casas até as estações de tratamento. Sem os troncos, o destino dos resíduos vai continuar sendo a Baía. Essa questão foi discutida durante o III Encontro do Saneamento da Maré, realizado de forma online na quarta-feira (28/10). Henrique Silveira, coordenador executivo da Casa Fluminense, associação civil com foco em políticas públicas para a Região Metropolitana do Rio, apontou que a prioridade agora tem que ser aumentar o tratamento de esgoto a partir das estações já concluídas. “O esgoto da Maré deveria ser tratado na estação ETE Alegria, no Caju. Atualmente, ela só trata 40% da sua capacidade total. Precisamos assumir o papel de controle social para pressionar a efetivação dessas políticas públicas de saneamento”, enfatizou Silveira. 

Neste ano, com a crise sanitária e a aprovação do novo marco, o saneamento se tornou um dos temas mais discutidos do país. Mas Breno Henrique frisou que, mesmo assim, ainda é difícil reivindicar por políticas públicas voltadas para o setor. Para o coordenador do Cocozap, mesmo com as eleições se aproximando e a urgência em se pensar o futuro do saneamento, ainda existe por parte dos políticos uma banalização do tema. “Falou em saneamento, os candidatos correm. A verdade é que faltam conhecimento e propostas para o setor, que é muito caro e, ao mesmo tempo, urgente. Temos o Plano Municipal de Saneamento no Rio que deveria ter sido atualizado ano passado, mas nenhum candidato fala sobre isso”, afirmou Breno Henrique, destacando que a falta de saneamento impacta as pessoas e o meio ambiente.

Encontro Saneamento da Maré em 2019: tema presente nos debates dos moradores desde o começo da ocupação da região (Foto: Larissa Amorim/Casa Fluminense)
Encontro Saneamento da Maré em 2019: tema presente nos debates dos moradores desde o começo da ocupação da região (Foto: Larissa Amorim/Casa Fluminense)

Mesmo em meio as dificuldades, não param de surgir na Maré projetos que são pontos de esperança para essa mudança. A Carta de Saneamento da Maré, lançada recentemente junto a outras agendas locais, foi feita a partir de uma construção conjunta entre moradores e pesquisadores. “Historicamente, o saneamento sempre foi uma luta dos moradores do bairro. O início de urbanização aqui na Maré foi precário, teve muita luta da população para conseguir ter acesso a direitos básicos como, por exemplo, rede de esgoto. O que estamos fazendo aqui é dar continuidade a essa luta que constitui o que é a Maré” afirmou Clara Ribeiro, coordenadora do Data Labe, enfatizando que o trabalho por essas mudanças não vai parar.

*Casa Fluminense

Casa Fluminense

A Casa Fluminense é um espaço permanente para a construção coletiva de políticas e ações públicas por um Rio mais justo, democrático e sustentável. Formada em 2013 por ativistas, pesquisadores e cidadãos identificados com a visão de um Rio mais integrado, acredita que a realização deste horizonte passa pela afirmação de uma agenda pública aberta à participação de todos os fluminenses e destinada universalmente a todo o seu território e população e não apenas - ou prioritariamente - para as áreas centrais da capital.

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