Sua comida é feminina ou masculina?

Brigitte Baptiste no 4º. Seminário Internacional de Educação de Inhotim, em Minas Gerais (Foto: Fernanda Baldioti)

Bióloga colombiana explica o conceito de “ecologia queer” e defende nova forma de extrativismo

Por Fernanda Baldioti | ODS 15ODS 5 • Publicada em 11 de fevereiro de 2019 - 08:18 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2019 - 14:28

Brigitte Baptiste no 4º. Seminário Internacional de Educação de Inhotim, em Minas Gerais (Foto: Fernanda Baldioti)
Brigitte Baptiste no 4º. Seminário Internacional de Educação de Inhotim, em Minas Gerais (Foto: Fernanda Baldioti)
Brigitte Baptiste no 4º. Seminário Internacional de Educação de Inhotim, em Minas Gerais (Foto: Fernanda Baldioti)

Brigitte Baptiste tem 20 anos. Até os 35, ela era Luis Guillermo Baptiste, pai de duas filhas e pesquisador colombiano. Hoje diretora do Instituto Alexander von Humboldt, em Bogotá, ela estuda o conceito de “ecologia queer” e defende que a natureza deve ser vista por perspectivas mais abrangentes e fluidas até como forma de adaptação para o futuro. Em setembro, ela esteve no 4º. Seminário Internacional de Educação de Inhotim, em Minas Gerais, onde conversou com o #Colabora. Confira o bate-papo a seguir:

#COLABORA: O que significa este conceito de ecologia queer?

Brigitte Baptiste: É algo que surgiu há 20 anos, muito relacionado aos estudos culturais. São investigações sobre gender-bender (que, por aqui, vem sendo traduzido como além-gênero). O que eu estou tentando descobrir é que, se há algo acontecendo com a questão do gênero na sociedade, isso tem efeitos ecológico porque nada é isolado. Há centenas de espécies que são gays, lésbicas, que têm famílias autônomas. Essa diversidade está em todos os lugares. Se a ecologia é queer, vamos enxergá-la como tal, vamos tratá-la como uma permanente flexibilidade de regras, como um resultado da complexidade das relações que são estabelecidas entre as espécies. Claro que a nossa capacidade de mudar de categorias fixas para mais amplas parte da nossa capacidade de desafiar identidades.

#COLABORA: Nesse sentido, poderia haver gênero onde não vemos atualmente?

Brigitte Baptiste: Há estudos que fazem associações entre gênero e comida ao longo da história do ser humano e de suas relações com a floresta, com o mar, com os animais e plantas. E também há esse movimento interessante da teoria pós-humana sobre a mistura do corpo com computadores, máquinas. Mas eles realmente não deram a devida atenção à questão do gênero. Eles pensam que a espécie humana vai ser livre de gênero, o que eu não tenho certeza se é interessante porque os sexos são construções culturais. Então o que podemos fazer é sentir a diversidade de gênero no mundo do pós-humano. A questão vai ser: as máquinas terão gênero?

Seria o fim do feminino e do masculino?

Brigitte Baptiste: O gênero existe. Mas podemos também construir novas perspectivas de gênero porque isso, além de divertido, é importante para as relações, para a comunicação… O feminino e o masculino são absolutamente importantes para a história das civilizações. Não vamos nos livrar deles, mas podemos usá-los de uma forma criativa.

Essa rigidez quanto às definições de gênero é mais forte nas culturas latinas?

Brigitte Baptiste: Sim, as culturas latinas têm identidades de gênero mais posicionadas e isso fica evidente quando olhamos a questão do artigo em línguas como Português e Espanhol. A língua anglo-saxônica é mais fluida. A maior parte dos estudos de “ecologia queer” tem sua origem nessa análise linguística. Existem algumas línguas no mundo que tem dois, três, quatro e até seis opções para gêneros. Mas é só uma definição cultural.

Devemos enxergar o gênero como algo em permanente construção?

Brigitte Baptiste: Nós podemos questionar o nosso conhecimento em qualquer assunto. E é muito importante fazer isso na ecologia porque ela está enraizada na ideia de espécies fixadas: pássaros, plantas… Por muito tempo, acreditamos que havia um número limitado de opções, o que não é verdade: o número de pássaros é resultado da evolução, das misturas genéticas, o que é algo absolutamente fluido. Somos resultado de uma quantidade incrível de relações potenciais com as demais espécies. Os animais também comporta-se de maneira queer o tempo todo. Eles param de se comportar como animais quando copiam nossos comportamentos, ou quando começamos a conversar com animais e eles respondem de alguma maneira. O mundo é realmente algo bizarro. A ideia que tivemos no passado sobre a natureza é completamente limitada, não quer dizer que a natureza não existe, mas a natureza está tornando-se algo muito mais rico sob nossa perspectiva cultural e isso traz muita esperança.

O que é sustentabilidade para você?

Brigitte Baptiste: É a capacidade de continuar crescendo de forma adaptada. Há uma visão de sustentabilidade como ciclos de fechamento, de manter as coisas estáveis. Não vejo sustentabilidade dessa maneira. Acredito que precisamos criar novos processos que emergem da complexidade. A questão da mineração, por exemplo, é insustentável? Sim, mas se olharmos até determinada fronteira, na nossa bolha. A mineração pode nos ajudar a construir um mundo mais sustentável se nós garantirmos que os recursos vindos desta atividade serão bem alocados a ponto de reparar os danos e alimentar novos processos sustentáveis, que podem ser educação, criação de energia… Minha visão de extrativismo é um modo relativo de pensar. Eu acho que não podemos fazer mineração, não podemos manter algumas atividades extrativistas, mas conectando ou melhorando a relação dessas atividades com os outros nós precisa de muita equidade, comunicações porque o que não podemos aceitar mais é as pessoas se tornando absolutamente ricas por causa do uso da bolha.

O quão rápido os governantes devem agir para conseguirem de fato proteger nossas florestas e nossa biodiversidade? Nós ainda temos tempo?

Brigitte Baptiste: Eu tento não passar uma mensagem muito negativa, mas eu sou pessimista nesse sentido. É preciso que sejam logo tomadas decisões que impeçam o desmatamento e incentivem o aumento do reflorestamento e da proteção biológica porque essa é a única forma que nós temos de, pelo menos, ganhar tempo, enquanto encontramos novas maneiras de lidar com as mudanças climáticas. O horizonte para que elas realmente mostrem sua pior face é para daqui a uma geração. Infelizmente, precisaremos ver muitos desastres para os governantes tomarem sérias providências e não sabemos se essas ações virão tempo. O futuro vai ser muito difícil, especialmente para as pessoas pobres porque se você tem dinheiro você pode comprar segurança, se mudar…

É possível termos esperança?

Brigitte Baptiste: Se tem um lado positivo disso tudo é que há muitas pessoas realmente interessadas em soluções ambientais criando novas respostas sobre como viver no século XXI. Eu fico impressionado com uma turma que criou um dispositivo flutuante para capturar plástico no oceano. Experimentos desse tipo estão acontecendo em todos os lugares, na Amazônia para restaurar a floresta, para reciclar plásticos… Algumas dessas pequenas soluções vão realmente tornar-se relevantes para as próximas décadas.

Fernanda Baldioti

Jornalista, com mestrado em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), trabalhou nos jornais O Globo e Extra e foi estagiária da rádio CBN. Há mais de dez anos trabalha com foco em internet. Foi editora-assistente do site da Revista Ela, d'O Globo, onde se especializou nas áreas de moda, beleza, gastronomia, decoração e comportamento. Também atuou em outras editorias do jornal cobrindo política, economia, esportes e cidade.

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