Sete marcas dos protestos contra o lockdown nos EUA

Manifestantes com cartazes – “Medo é o vírus”, “A cura é mais mortal que a covid” – em Denver, no Colorado: protestos pelo fim de medidas restritivas têm semelhanças com atos no Brasil (Foto: Jason Connolly/AFP)

Estudo de etnógrafa sobre atos públicos contra medidas restritivas durante pandemia mostra muitas semelhanças com manifestações no Brasil

Por The Conversation | ODS 16ODS 3 • Publicada em 11 de maio de 2020 - 09:27 • Atualizada em 20 de maio de 2020 - 16:52

Manifestantes com cartazes – “Medo é o vírus”, “A cura é mais mortal que a covid” – em Denver, no Colorado: protestos pelo fim de medidas restritivas têm semelhanças com atos no Brasil (Foto: Jason Connolly/AFP)

Diana Daly*

Os protestos “anti-lockdown” e #Reopen (reabertura ou reabram) nos EUA têm apoiadores poderosos e secretos, mas existem americanos de verdade nas ruas expressando suas opiniões.

Como etnógrafa – alguém que estuda participação cultural – estou interessado em quem são esses americanos e por que estão chateados. Passei a última semana no que você poderia chamar de uma viagem online, estudando 30 postagens de imagens de protesto de eventos em 15 cidades. Encontrei alguns temas compartilhados, que não se encaixam bem nas narrativas populares sobre esses protestos.

1. A pobreza é tabu, mas o trabalho é “essencial”

Apesar do preço econômico que os bloqueios estão causando aos pobres da América, nenhum manifestante mostra sua própria pobreza, como postar placas pedindo ajuda. Em vez disso, eles exibiam cartazes com linguagem mais geral, como “Pobreza mata”, ou expressavam preocupações com outros –  como o dono de restaurante em Phoenix, Arizona, que disse a um cinegrafista estar preocupado com seus 121 funcionários “sofrendo e devastados”.

Mulher protesta em Chicago com cartaz "Todos os trabalhadores são essenciais": manifestantes não falam de pobreza (Jim Vondruska/NurPhoto/AFP)
Mulher protesta em Chicago com cartaz “Todos os trabalhadores são essenciais”: manifestantes não falam de pobreza (Jim Vondruska/NurPhoto/AFP)

Suas mensagens deixaram claro que eles não queriam pedir esmola ou caridade – mas estavam pedindo permissão para trabalhar. Manifestantes em muitos estados afirmaram que seu trabalho – ou mesmo qualquer trabalho – era “essencial”.

Em um vídeo de um protesto da “Operation Gridlock” (gridlock pode significar congestionamento mas também parialisia, obstrução, impasse – nota do tradutor) em Lansing, Michigan, onde os ativistas planejavam bloquear o tráfego, um manifestante filmou pela janela do carro quando passou por uma placa dizendo “Me dê trabalho, não dinheiro”. O próprio manifestante gritou em aprovação: “Me dê trabalho, não dinheiro: eu ouvi isso!”

Um jovem de um evento de Olympia, Washington, descreveu o trabalho como uma fonte não apenas de dinheiro, mas de identidade: “Quero voltar ao trabalho! Esse orgulho que você sente todos os dias quando volta para casa do trabalho? Isso não é nada que possa … ser levado”.

As placas de protesto em Denver, Colorado, incluíam do lamurioso “Quero minha carreira de volta” ao empreendedor “Cachorros precisam de tosadores”.

2. A ameaça do vírus é grave

Apesar das notícias alarmantes de que os manifestantes estavam ignorando o distanciamento social, muitos observaram as diretrizes de segurança. As fotos mostram, pelo menos , algumas pessoas usando máscaras. Um vídeo do TikTok recrutando participantes para a Operação Gridlock do Michigan incentivou os manifestantes a estarem seguros; imagens de drones mostram que a maioria dos participantes da capital do estado ficava em seus carros, longe de outras pessoas.

Os cartazess dos manifestantes não menosprezaram a ameaça do vírus, mas o comparavam a possíveis danos causados pelas medidas restritivas. Por exemplo, uma placa em Denver era intitulada “Trocando vidas (Trading Lives)” e apresentava uma escala com mortes por vírus de um lado, com desemprego, suicídio e falta de moradia do outro.

Cartaz pede prisão de (Anthony) Fauci, diretor do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas e defensor do isolamento, e (Bill) Gates, dono da Microsoft e acusado de criar o vírus para lucrar com a vacina: manifestantes apontam exageros em previsões (Foto: Joseph Prezioso/AFP)

3. Cartazes anti-ciência estão à margem

Houve manifestantes em vários comícios que usavam camisetas anti-vacinação e seguravam cartazes sugerindo que não confiam em especialistas em saúde pública e cientistas. Mas apenas um protesto foi dominado por esse tema. Naquele dia, em 18 de abril, em Austin, Texas, centenas de participantes cantaram “Fire Fauci!” (Demitam Fauci) referindo-se a Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, que tem sido um rosto público frequente dos esforços do governo federal para combater o vírus. Essa também foi a manifestação em que o apresentador de rádio de direita Alex Jones, que dirige um site sobre teoria da conspiração, dirigia em um caminhão, incitando os cânticos dos participantes através de um megafone.

Nos outros eventos, parecia que os manifestantes esperavam um número maior de infecções do que realmente aconteceram. Em vez de ver isso como evidência do sucesso do distanciamento social, eles pareciam interpretar as estatísticas como prova de que a ciência não era mais válida. “Os modelos estavam errados” – era a frase em mais de um cartaz, sugerindo que os manifestantes prestaram atenção nos modelos científicos a princípio, mas passaram a acreditar que a gravidade da doença havia sido exagerada.

Caminhão com a inscrição “Jesus é minha vacina” em manifestação em Harrisburg, no estado da Pensilvânia: como no Brasil, apelos religiosos são comuns nas manifestações contra o isolamento social nos EUA (B.A. Van Sise/NurPhoto/AFP)

4. As pessoas querem combater o vírus de maneiras familiares

Mesmo quando os manifestantes reconheceram a ameaça do vírus, poucos deles estavam pedindo especialistas médicos para fornecer a solução para o enfrentamento da pandemia. Não vi nenhum dos manifestantes pedindo a multiplicação e ampliação dos testes para detectar o vírus, por exemplo.

Quando eles expressaram preocupação, cartazes de protesto uniam-se a um desejo de combater o contágio. Em Boise, Idaho, uma placa dizia “Liberdade sobre o medo”. Em Denver, alguém disse: “Não deixe sua máscara ser sua focinheira”. No entanto, os manifestantes queriam combater o vírus de maneiras mais familiares e, talvez, mais fortalecedoras: em Harrisburg, Pensilvânia, um caminhão verde gigante circulava com a frase “Jesus é minha vacina” rabiscada na lateral.

Alguns exigiram que os governos permitissem que as pessoas tomassem suas próprias decisões e até exibiram o slogan pró-aborto “Meu Corpo, Minha Escolha”. Outros apareceram com armas, de revólveres a rifles de longa alcance. Um homem em Frankfort, Kentucky, tocou um shofar, um instrumento religioso judaico feito com o chifre de um carneiro, tradicionalmente tocado no início de uma batalha.

Cartaz compara o governador da Califórnia, Gavin Newsome, a nazista em protesto contra lockdown em Los Angeles: governadores democratas são acusados de “tirania” (Foto: Agustin Paullier/AFP)

5. ‘Tirania’ depende de quem governa – não de como governa

Em muitos eventos em diferentes estados, os manifestantes protestaram contra o que eles chamavam de “tirania” e exibiram a bandeira de Gadsden – dos tempos da Revolução Americana, com uma cascavel e a frase “Não me pise em mim” – para simbolizar sua resistência às regras do governo. Eles, entretanto, não pareciam se opor à declaração do presidente Donald Trump de 13 de abril de que, como presidente, sua “autoridade é total” sobre o país.

Em vez disso, os manifestantes protestavam contra regras de bloqueio dos governadores, que eles destacaram como exagerando seu poder. Muitos compararam o comportamento dos governos aos nazistas, com os manifestantes adicionando “Heil” aos nomes dos governadores democratas.

Nenhum governador foi alvejado tão cruel e abertamente quanto a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer. Um pôster amplamente divulgado a mostrava vestida como Adolf Hitler, fazendo uma saudação nazista ao lado de uma suástica. Outros integrantes do ato de protesto falaram sobre Whitmer como se ela estivesse sendo mãe deles, em vez de governá-los, como alguém que insistia: “Nós não somos filhos dela!”.

6. De brancos para brancos

Um tema claramente visível nos protestos #Reopen é como os participantes são brancos – mas não apenas em termos de raça. A compaixão deles também parecia limitada a outros brancos. Nada que eu vi estava chamando a atenção para o fato de que o coronavírus não atinge igualmente todas as populações: negros e outras minorias raciais têm menos acesso a cuidados de saúde de alta qualidade antes do surto e, como resultado, são menos saudáveis e menos capazes de combater o vírus quando ele ataca.

Também havia racismo expresso em relação aos chineses, fazendo eco as palavras do presidente Trump e de outros líderes políticos, como no cartaz em Jefferson City, Missouri, que dizia “A tirania está se espalhando mais rápido que o vírus da China”.

Manifestação no estado de New Hampshire pelo fim das medidas restritivas: quase totalidade de brancos e alguns manifestantes armados como na maioria dos protestos contra lockdown nos EUA (Foto: Joseph Preciozo/AFP)

7. Dividido e distanciado: é um movimento?

A maioria dos manifestantes não se referiu a esses protestos como um movimento. Encontrei apenas um vídeo oferecendo a visão de que eles poderiam se tornar realmente um movimento; na transmissão ao vivo da Operação Gridlock, a certa altura, o cinegrafista gritou: “América!”

Então, seu companheiro invisível respondeu em tom meditativo sobre o potencial que ele via naquela estrada: “Juntos somos fortes; divididos, somos fracos. Esse é o maior medo do establishment, que as pessoas se reúnam e não se dividam. … Isso é o que eles mais temem. Porque nós temos o poder. ” Não ficou claro se aquelas pessoas com poder incluíam um número muito maior de pessoas nos Estados Unidos que estavam abrigadas naquele evento.

*Diana Daly é professora de Informação, da Universidade do Arizona (EUA)

(Tradução: Oscar Valporto)

The Conversation

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