ODS 1
Viajando com um nativo
Roteiros personalizados incluem gastronomia, ioga, bicicletas e até casamento
É sempre uma delícia programar férias para visitar um lugar onde você nunca esteve, seja no Brasil ou, se o orçamento permitir, no exterior. Mas os dias de dolce far niente podem reservar ciladas para os turistas incautos. Principalmente se não tiverem o hábito de se aventurar sozinhos por terras desconhecidas: tem aquele city tour que vira uma maratona insana, o passeio privativo (e mais caro) que termina com o guia local te empurrando para alguma loja amiga ou centro de artesanato super cafona. Isso sem falar na “ajuda” de pessoas desonestas… Enfim, o roteiro padrão pode deixar muuuuito a desejar. Pensando nessa série de roubadas e numa forma de adequar os passeios ao gosto e bolsos dos viajantes, uma jovem brasileira teve, em 2010, quando morava em Lisboa, a ideia simples de oferecer roteiros diferenciados aos amigos, de acordo com o interesse de cada um. O trabalho da moça agradou, correu no boca-a-boca e acabou se transformando numa plataforma de economia colaborativa, que hoje reúne 2.500 prestadores do mesmo serviço (de diferentes nacionalidades). Eles rejeitam o rótulo de “guia de turismo” e se apresentam como “local friends”.
Fundadora e responsável, junto com dois sócios, pela plataforma, a empresária Alice Moura se orgulha em contar que o conceito de roteiros diferenciados tem hoje representantes em pelo menos 40 países, como Estados Unidos, Canadá, França, Grã-Bretanha, Portugal, Espanha, Noruega, Índia, Indonésia, Japão, Nepal, Tailândia e Vietnã. São, ao todo, 25 cidades brasileiras cobertas pelos “local friends”. Ela diz que a ideia surgiu por acaso, como opção para ganhar um dinheirinho extra.
– O mercado de trabalho, na época, em Portugal, estava bem crítico. Numa situação parecida com a do Brasil hoje. Eu circulava bastante e descobria lugares interessantes, roteiros com entradas gratuitas e sugeria aos amigos. Num blog, eu dava dicas também. As pessoas me escreviam e pediam roteiros específicos. Acabei guiando muitos visitantes. E o que era uma brincadeira, acabou dando certo – conta Alice, que é jornalista.
Daí a profissionalizar o serviço foi um pulo. A proposta é treinar pessoas que possam oferecer roteiros de acordo com o interesse dos visitantes. Segundo Alice, as demandas são bem variadas: há pessoas que querem focar em roteiros gastronômicos, de vinho, locais para a prática de ioga, lojas de decoração, roteiros históricos ou arquitetônicos, percorrer circuitos destinados para bikes (ou de outros esportes), conhecer favelas (e não apenas passar de jeep pelo local) etc. Por isso, a plataforma procura apresentar um perfil bem variado de “local friends”. Após entender o conceito do serviço, eles recebem treinamento antes de ir a campo. Pelo serviço personalizado, cobram do cliente US$ 50 (quatro horas) ou US$ 100 (oito horas).
– Os turistas se inscrevem explicando que interesse têm ao visitar determinada cidade. O “local friend” com o perfil mais indicado assume o serviço. Em São Paulo, por exemplo, há muitos árabes e chineses que visitam a cidade. Um deles foi assessorado por um arquiteto, para percorrer boas lojas de decoração na cidade. Algo que dificilmente, um guia de turismo poderia fazer – assegura a fundadora da plataforma.
Alice lembra ainda o caso de uma “local friend” que vive em Paris e foi contratada por um casal de americanos que sonhava em se casar na capital francesa. Além de ajudá-los em parte dos preparativos, a moça serviu de tradutora durante a cerimônia. Pois os noivos não falavam nada de francês.
No Rio, dois “local friends” fazem muito sucesso entre os visitantes que procuram a plataforma: um alemão e uma professora de ioga, que conhecem o Vidigal como a palma da mão, por viverem na comunidade. Na verdade, ela saiu recentemente de lá, mas continua frequentadora.
– As pessoas têm muita curiosidade para conhecer a realidade das comunidades cariocas. E ninguém melhor do que os próprios moradores para mostrar isso. Eles levam os visitantes até suas casas, às dos vizinhos, lugares de boa gastronomia. Enfim, mostram a realidade mais autêntica – explica Alice.
A professora de ioga em questão é a paulistana Luciana Camargo, que conheceu Alice durante uma viagem à Índia. Quando voltou ao Brasil, ela decidiu morar no Vidigal, onde ficou por quase três anos. O trabalho, segundo ela, é prazeroso e os visitantes adoram a experiência.
– Antes de ser uma “local friend” eu já recebia amigos estrangeiros em casa e mostrava como era viver no Vidigal. Um lugar bem diferente da realidade deles. Hoje, faço isso profissionalmente. Também sou procurada por meu conhecimento em ioga, mas entre cada 10 visitantes que auxilio, oito me escolhem interessados em conhecer o Vidigal. Todos vão embora felizes. Até trajetos com mototáxis já me pediram para fazer – afirma Luciana.
O “Rent a Local Friend” se apresenta aos visitantes como uma plataforma que “conecta pessoas que gostam de viajar com aqueles que são apaixonados pelo lugar onde vivem e têm uma boa história para contar. Mais do que um simples passeio, se compartilha dicas e conteúdos locais, informações que não serão reveladas em nenhum livro de viagem ou guia”.
Se engana quem pensa que os clientes são apenas os jovens. De acordo com a fundadora, há pessoas da terceira idade que procuram o serviço personalizado. A plataforma agora se prepara para lançar um aplicativo que tornará a busca dos turistas ainda mais ágil. E uma prova da satisfação dos visitantes, aliás, é a quantidade de fotos de viagem que enviam para a plataforma e os elogios que postam sobre os “local friends” que os ajudaram.
Laura Antunes
Depois de duas décadas dedicadas à cobertura da vida cotidiana do Rio de Janeiro, a jornalista Laura Antunes não esconde sua preferência pelos temas de comportamento e mobilidade urbana. Ela circula pela cidade sempre com o olhar atento em busca de curiosidades, novas tendências e personagens interessantes. Laura é formada pela UFRJ.
