Defensores da Floresta se reúnem em conferência secreta

No centro da roda de defensores, ativistas e apoiadores, a cacique Katia Silene, do povo Gavião Akrãtikatêjê, conta a luta para recuperar sua terra e evitar novas invasões. Foto Marizilda Cruppe

Além do amor pelo meio ambiente, grupo de ativistas tem em comum as ameaças de morte que recebem em seus países

Por Marizilda Cruppe | ODS 15 • Publicada em 28 de outubro de 2019 - 16:31 • Atualizada em 28 de outubro de 2019 - 16:55

No centro da roda de defensores, ativistas e apoiadores, a cacique Katia Silene, do povo Gavião Akrãtikatêjê, conta a luta para recuperar sua terra e evitar novas invasões. Foto Marizilda Cruppe
No centro da roda, a cacique Katia Silene, do povo Gavião Akrãtikatêjê, conta a luta para recuperar sua terra e evitar novas invasões. Foto Marizilda Cruppe
No centro da roda, a cacique Katia Silene, do povo Gavião Akrãtikatêjê, conta a luta para recuperar sua terra e evitar novas invasões. Foto Marizilda Cruppe

Imagine que a missão de vida de algumas pessoas ao redor do planeta pode significar também uma sentença de morte para elas. Defender o meio ambiente e as florestas é uma tarefa perigosa não só no Brasil, mas também em diversas partes do mundo. Por isso, homens e mulheres ameaçados se reuniram com ativistas, organizações não governamentais, pesquisadores e voluntários para debaterem a insegurança a qual são submetidos em seus países de origem e, principalmente, para receberem treinamento e aprenderem a resguardar suas vidas. Ao todo, um grupo de 150 pessoas oriundas de 15 países da América, Ásia, África e Europa se encontraram em Marabá, no Pará para a 3ª Conferência Internacional dos Defensores da Floresta (Forest Defenders Conference).

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Ao longo de quatro dias e por trás de um portão de quatro metros de altura aconteceram palestras e oficinas. O objetivo foi passar informações práticas para que os defensores tenham mais ferramentas em três eixos principais: seguranças individual e coletiva, digital e jurídica.

Apesar da distância geográfica, o que se percebe é que as ameaças e a violência sofridas pelos defensores têm muitas semelhanças. Claudelice dos Santos, irmã de José Claudio e cunhada de Maria, ambientalistas assassinados por fazendeiros em 2011, foi uma das organizadoras do encontro. Ela acredita que a reunião dos defensores fortalece a luta pelo meio ambiente.

“Um defensor brasileiro pode achar que está sozinho e que a situação vivida por ele é uma exceção. A conferência é importante porque percebemos que apesar da distância, nossas dores são parecidas. Se a violência não tem fronteiras, a resistência também não. Estamos unidos e fortes seja no Brasil, no Camboja, em Guiné Bissau ou na Turquia”,  afirmou Claudelice.

San Mala (esq), do Camboja e Constantino Correia, de Guiné Bissau. Fotos Marizilda Cruppe
San Mala (esq), do Camboja, e Constantino Correia, de Guiné Bissau. Fotos Marizilda Cruppe

Com a primeira edição realizada em 2017, em Oxford, no Reino Unido, e a segunda em Chiang Mai, na Tailândia, a conferência no Brasil contou também com a presença de cerca de 30 organizações, universidades e movimentos sociais, sete etnias indígenas e três quilombolas.

Histórias como a da cientista colombiana Angela Maldonado foram ouvidas com solidariedade e respeito. Diretora científica da Fundação Entropika, uma organização não governamental criada em 2007 cujo objetivo é contribuir para a conservação da biodiversidade tropical, Angela tem recebido ameaças de morte por denunciar o comércio ilegal de animais silvestres e madeira. A última delas aconteceu em abril deste ano, mas não foi capaz de fazer com que ela desistisse: “Preservar o meio ambiente é minha missão. Viver sem fazer o que se ama, é morrer um pouco e eu estou viva”,  afirmou a pesquisadora.

A escolha do Pará como sede do encontro não foi aleatória, muito pelo contrário. O estado é o recordista em assassinatos de agricultores, extrativistas e defensores das florestas no Brasil, um dos países mais perigosos para ativistas ambientais.

Dados da última edição do relatório “Conflitos no Campo Brasil – 2018”, lançado no começo de abril pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), mostram que mais da metade dos conflitos – 51,3% – aconteceu na região Norte do país. Um aumento de 119,7% em relação a 2017. Em março deste ano, aconteceram dois massacres, com intervalo de dois dias, na zona rural de Baião, sudeste do Pará. Seis pessoas morreram, entre elas Dilma Ferreira Silva, liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Pará.

Katherine Luz Paucar Quispe, indígena peruana Quechua, advogada e ativista, trabalha com a defesa dos direitos das populações indígenas. Foto Marizilda Cruppe
Katherine Luz Paucar Quispe, indígena peruana Quechua, advogada e ativista, trabalha com a defesa dos direitos das populações indígenas. Foto Marizilda Cruppe

Ainda de acordo com dados da CPT, o Brasil tem sido o país mais perigoso para ativistas do meio-ambiente e dos direitos humanos, considerando-se os números reais de assassinatos – 383 pessoas nos últimos dez anos.

O paraense José Raimundo Ferreira Miranda, o Cuca Miranda, faz parte da direção do sindicato dos trabalhadores rurais do município de Chaves, no interior do Pará. Cuca vem recebendo ameaças desde 2015 por defender os direitos trabalhistas dos ribeirinhos e agricultores. Desde então, o trabalhador mantém uma rotina discreta, sem sair à noite: “Tenho medo, mas minha família me dá muito apoio e eu sei que ainda posso fazer muito pela população de Chaves, assim como conseguimos pelo município de Afuá, que é vizinho. Quero que a população de Chaves tenha uma vida melhor. Eu não vou arredar o pé dali porque tem muita gente precisando do meu trabalho”, explicou.

Tenho medo, mas minha família me dá muito apoio e eu sei que ainda posso fazer muito pela população de Chaves, assim como conseguimos pelo município de Afuá, que é vizinho. Quero que a população de Chaves tenha uma vida melhor. Eu não vou arredar o pé dali porque tem muita gente precisando do meu trabalho

Defensores x Estado 

A troca de experiências entre os defensores é rica e importante, mas no dia a dia, é preciso conviver em todos os ambientes, sendo assim, o último dia da conferência foi realizado na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Entre as atividades, um exercício de júri simulado, no qual os defensores participaram de um julgamento hipotético que envolvia a violência contra os defensores da floresta versus o Estado. À cientista Angela Maldonado coube o papel de juíza:

“Foi muito produtivo, aprendi muito e embora não tenha sido dito que se tratava de um caso colombiano, realmente gostei de ser juíza e poder perguntar ao Estado sobre as irregularidades que violam os direitos fundamentais das comunidades indígenas”.

Corrente global pelo meio ambiente

Em um dos dias do evento, durante uma visita à aldeia do povo Gavião Akrãtikatêjê, os defensores gravaram um vídeo em apoio ao Extinction Rebellion (Rebelião da Extinção, em tradução livre), um movimento internacional que usa a desobediência civil não violenta na tentativa de impedir a extinção em massa e minimizar o risco de colapso social. O objetivo do apoio ao ER é fortalecer a corrente mundial de proteção ao meio ambiente. Para assistir o vídeo, acesse: not1more.org/conference2019

Marizilda Cruppe

​Marizilda Cruppe tentou ser engenheira, piloto de avião e se encontrou mesmo no fotojornalismo. Trabalhou no Jornal O Globo um bom tempo até se tornar fotógrafa independente. Gosta de contar histórias sobre direitos humanos, gênero, desigualdade social, saúde e meio-ambiente. Fotografa para organizações humanitárias e ambientais. Em 2016 deu a partida na criação da YVY Mulheres da Imagem, uma iniciativa que envolve mulheres de todas as regiões do Brasil. Era nômade desde 2015 e agora faz quarentena no oeste do Pará e respeita o distanciamento social.

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