Sínodo da Amazônia condena o pecado ecológico

Representantes dos povos indígenas da Amazônia com o Papa Francisco na missa de encerramento do Sínodo. Foto Massimo Valicchia/NurPhoto

Documento final prevê observatório socioambiental para defender povos indígenas e lembra que demarcação de terras é obrigação dos governos

Por Janaína Cesar | ODS 15 • Publicada em 28 de outubro de 2019 - 16:57 • Atualizada em 29 de outubro de 2019 - 15:54

Representantes dos povos indígenas da Amazônia com o Papa Francisco na missa de encerramento do Sínodo. Foto Massimo Valicchia/NurPhoto
Representantes dos povos indígenas da Amazônia com o Papa Francisco na missa de encerramento do Sínodo. Foto Massimo Valicchia/NurPhoto
Representantes dos povos indígenas da Amazônia com o Papa Francisco na missa de encerramento do Sínodo. Foto Massimo Valicchia/NurPhoto

Vaticano – Das 120 propostas aprovadas no documento final do Sínodo da Amazônia, a que define o pecado ecológico “como uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o meio ambiente”, se destaca pela importância quase revolucionária se pensarmos na profunda crise socioambiental que abala o mundo. Segundo o documento, quem polui a floresta, comete “um pecado contra as gerações futuras”. Esses pecados “se manifestam em atos e hábitos de poluição e destruição da harmonia do meio ambiente, transgressões contra os princípios da interdependência e quebra de redes de solidariedade entre criaturas e contra a virtude da justiça”.

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Nas palavras de Dom David Martínez de Aguirre Guinea, Vigário Apostólico de Puerto Maldonado (Peru), que se pronunciou durante a coletiva de imprensa onde foi apresentado o documento final para os jornalistas, “nenhum católico pode viver a sua fé sem considerar o grito da terra: é preciso ter consciência de que agredir a terra é um pecado ecológico”.

Nenhum católico pode viver a sua fé sem considerar o grito da terra: é preciso ter consciência de que agredir a terra é um pecado ecológico

O documento ressalta que a Amazônia é a segunda área mais vulnerável do planeta em relação às mudanças climáticas provocadas pelo homem e que os riscos de desmatamento, que até o momento representam 17% do total da floresta, colocam em perigo o ecossistema e a biodiversidade mudando o ciclo da água. Nessa ótica, o texto propõe a criação de Ministérios especiais para a promoção da ecologia integral nas paróquias em cada jurisdição eclesiástica, a criação de um fundo mundial para cobrir parte dos orçamentos das comunidades presentes na Amazônia que promovem seu desenvolvimento integral e sustentável e a criação de um Observatório socioambiental Pastoral para diagnosticar o território e os conflitos socioambientais em cada igreja local e regional.

Procissão de povos indígenas da Amazônia durante o Sínodo no Vaticano. Foto Vincenzo Pinto/AFP
Procissão de povos indígenas da Amazônia durante o Sínodo no Vaticano. Foto Vincenzo Pinto/AFP

O texto propõe a chamada para a conversão ecológica como resposta à crise socioambiental e vê na ecologia integral “o único caminho possível para salvar a região, pois a depredação da terra vem junto com o derramamento de sangue de inocentes e da criminalização dos Defensores da Amazônia”. “A ecologia integral se fundamenta no fato de que tudo está intimamente relacionado: ecologia e justiça social.”

O documento pontua que a defesa dos direitos humanos não é apenas um dever político, mas sobretudo uma exigência de fé e por essa razão apoiam campanhas de desinvestimento de empresas extrativistas na Amazônia, começando pelas próprias instituições eclesiais e denuncia a violação dos direitos humanos. “Não há mudança real. Com a Amazônia queimando, as pessoas percebem cada vez mais que as coisas devem mudar. Não vamos deixar que as riquezas da Amazônia se transformem numa maldição”, disse o cardeal Michael Czerny, subsecretário da Seção de Migrantes e Refugiados do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.

Os povos da floresta como protagonistas

Segundo o documento, nos povos da Amazônia se encontram ensinamentos de vida. “Os povos originários e aqueles que chegaram tarde forjaram sua identidade na convivência, trazem valores culturais nos quais descobrimos as sementes do Verbo. O pensamento dos povos indígenas oferece uma visão integradora da realidade, capaz de compreender as múltiplas conexões existentes entre tudo o que foi criado. O manejo tradicional do que a natureza lhes oferece tem sido feita de forma sustentável. Encontramos outros valores nos povos indígenas como reciprocidade, solidariedade, sentido de comunidade, igualdade e organização social.

Boa parte dos territórios indígenas está desprotegido e os já demarcados estão sendo invadidos por frentes extrativistas predatórias, como a mineração e a extração florestal, por projetos de infraestrutura, cultivos ilícitos e pelas grandes propriedades que promovem a monocultura e a pecuária extensiva

Demarcação Já!

É impossível falar de direito a terra sem falar de direito à vida e vice e versa. Sem citar o nome de nenhum país especificamente, o texto lembra aos governos que é deles a responsabilidade de demarcar e proteger os territórios indígenas e indica que “boa parte dos territórios indígenas está desprotegido e os já demarcados estão sendo invadidos por frentes extrativistas predatórias, como a mineração e a extração florestal, por projetos de infraestrutura, cultivos ilícitos e pelas grandes propriedades que promovem a monocultura e a pecuária extensiva”.

Os bispos sinodais propuseram também “que a igreja se comprometa a ser aliada dos povos da Amazônia para denunciar os ataques contra a vida das comunidades indígenas, dos projetos que afetam o meio ambiente, da falta de demarcação de seus territórios bem como do modelo econômico predatório e ecocida. A presença da igreja entras as comunidades tradicionais exige a consciência de que a defesa da terra não tem outra finalidade senão a defesa da vida”, diz o texto.

Ao se posicionar pela defesa da vida, a igreja propõe instrumentos de atuação para a defesa da terra e das culturas originárias da floresta. O que “implicaria acompanhar os povos amazônicos no registro, na sistematização e difusão de dados e informações sobre seus territórios e a sua situação jurídica. Queremos priorizar a incidência e o acompanhamento para conseguir a demarcação de terras”.

Papel da mulher ficou em segundo plano

Diversamente da primeira versão que havia sido apresentada na segunda, dia 21, o documento final agradou, em muito, os bispos da Amazônia. Segundo Dom Adriano Ciocca, bispo de São Félix do Araguaia, “o novo documento ganhou uma versão mais estruturada e resumida, seguindo a linha do que a assembleia queria”, disse. Para ele, a única parte que não avançou foi a do papel das mulheres dentro da igreja, citando a ordenação feminina. “Creio que ainda não se reconhece o espaço e o papel que as mulheres deveriam ter e considero isso um anacronismo. A igreja católica é a última realidade que não abre espaço para as mulheres. Imagino que se continuarmos nessa evolução, daqui algumas décadas, a igreja terá que lhes pedir perdão por não ter dado o espaço que elas já ocupam e que deve ser reconhecido.”

O documento de 33 páginas trouxe 120 recomendações que abordam as quatro conversões sugeridas: pastoral, ecológica, cultural e sinodal. O texto final é o resultado de anos de um profundo trabalho de escuta realizado ao longo de 270 atividades que envolveram mais de 87 mil pessoas da Amazônia e de outros países do mundo.

Votaram 181 padres, cada ponto aprovado necessitava dos votos de, pelo menos, 120 deles, o que aconteceu. Todos os pontos foram aprovados pela maioria. Agora com o texto em mãos, Papa Francisco deverá avaliar o documento e, até o final do ano, – segundo o pontífice declarou – publicar a chamada “exortação apostólica pós-sinodal” onde serão dadas as orientações para a igreja católica no mundo todo.

No caminho de atuação das propostas indicadas pelo Sínodo, Papa Francisco não estará sozinho. Ele será acompanhado por 13 bispos eleitos membros da comissão pós-sinodal, sendo quatro deles brasileiros: dom Erwin Kräutler, bispo emérito da prelazia do Xingu (PA), dom Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo (SP), dom Alberto Taveira, arcebispo de Belém (PA) e Dom Roque Paloschi, bispo de Porto Velho (RO). Outras três pessoas serão escolhidas por Francisco nos próximos dias, sendo duas mulheres – uma leiga e uma religiosa – e um homem leigo.

A religião do eu 

Na missa de Conclusão da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica, que aconteceu na manhã de hoje, 27, na Basílica de São Pedro, o Papa Francisco, disse que os “erros do passado não foram suficientes para deixarmos de saquear os outros e causar ferimentos aos nossos irmãos e à nossa irmã terra: vimo-lo no rosto dilaniado da Amazônia. A religião do eu continua, hipócrita com os seus ritos e as suas orações, esquecida do verdadeiro culto a Deus, que passa sempre pelo amor ao próximo. Até mesmo cristãos que rezam e vão à Missa ao domingo são seguidores desta religião do eu.”

Francisco terminou a missa ao dizer que neste Sínodo, eles tiveram a oportunidade de “escutar as vozes dos pobres e refletir sobre a precariedade das suas vidas, ameaçadas por modelos de progresso predatórios. E, no entanto, precisamente nesta situação, muitos testemunharam que é possível olhar a realidade de modo diferente, acolhendo-a de mãos abertas como uma dádiva, habitando na criação, não como meio a ser explorado, mas como casa a ser guardada, confiando em Deus. Quantas vezes, mesmo na Igreja, as vozes dos pobres não são escutadas, acabando talvez vilipendiadas ou silenciadas porque incomodas. pedindo a graça de saber escutar o clamor dos pobres: é o clamor de esperança da Igreja”.

Janaína Cesar

Formada pela Universidade São Judas Tadeu (SP), trabalha há 17 anos como jornalista e vive há 15 na Itália, onde fez mestrado em imigração, na Universidade de Veneza. Escreve para Estadão, Opera Mundi, IstoÉ e alguns veículos italianos como GQ, Linkiesta e Il Giornale di Vicenza. Foi gerente de projetos da associação Il Quarto Ponte, uma ONG que trabalha com imigração.

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