Por Adriana Barsotti | ODS 1 • Publicada em 11 de junho de 2018 - 12:06 • Atualizada em 28 de outubro de 2021 - 21:01

Reportagem: Adriana BarsottiImagens e Vídeos: Yuri FernandesDesign: Raquel Cordeiro

Por Adriana Barsotti | ODS 1 • Publicada em 11 de junho de 2018 - 12:06 • Atualizada em 28 de outubro de 2021 - 21:01

Reportagem: Adriana BarsottiImagens e Vídeos: Yuri FernandesDesign: Raquel Cordeiro

Florianópolis

Quando se pensa em riqueza em Florianópolis, o lugar-comum é imaginar os milionários de Jurerê Internacional, uma praia de 3 km no norte da ilha que foi apelidada de Miami brasileira e eleita pelo New York Times como o destino do ano para festas, em 2009. Não é à toa. O local – onde uma mansão pode custar R$ 20 milhões e não é atípico avistar uma Ferrari circulando – ganhou de novo notoriedade em fevereiro deste ano. Em um beach club, um milionário comprou dez garrafas da champanhe francesa Veuve Clicquot e pediu ao garçom que lavasse seus pés sujos de areia com a bebida.

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Indicadores da vulnerabilidade social

2
1,63% de crianças de 6 a 14 anos fora da escola

3
2,6% de pessoas de 15 a 24 anos que nem estudam nem trabalham

2
2% de mulheres de 10 a 17 anos que tiveram filhos

8
8,53% de mães chefes de família sem fundamental e com filho(s) menor(es), do total de mães chefes de família

1
0,38% de vulneráveis e dependentes de idosos

1
0,55% de crianças extremamente pobres

6
6,42% vulneráveis à pobreza

98
99,29% da população com banheiro e água encanada

Florianópolis é a capital do estado com o menor número de pobres do país, revelou a pesquisa Síntese dos Indicadores Sociais 2017, do IBGE. Em Santa Catarina, somente 9,4% da população é considerada pobre e vive, portanto, com menos de US$ 5,5 por dia, linha de pobreza estabelecida pelo Banco Mundial. Está à frente de São Paulo, estado mais rico em PIB do país. Lá, 12,2 % dos habitantes são pobres. Na capital catarinense, a renda média per capita, em 2010, era R$ 1.798,12 (o equivalente a 3,5 salários mínimos à época), indicador que a torna a quinta cidade com maior renda do Brasil (atrás de São Caetano do Sul, Niterói, Vitória e Santana de Parnaíba).

A reportagem do #Colabora quis evitar os clichês e não foi a Jurerê Internacional. Em vez de procurar personagens milionários no estado com menos pobres do país, preferiu entrevistar moradores da capital catarinense cuja renda estivesse próxima da média. Foi assim que encontramos uma faxineira com graduação em História e três pós-graduações, uma diarista e microeempreendedora cujos serviços podem custar de R$ 120 até R$ 2 mil e um porteiro que é também eletricista e pedreiro e que, com os bicos, consegue sustentar seis filhos.

Diárias entre R$ 180 e R$ 2 mil

Madeleine Lisboa, de 41 anos, abre as portas da garagem de sua casa, localizada no bairro São João do Rio Vermelho, em Florianópolis. Entramos com o carro. Por WhatsApp, ela me alertara: “Minha rua não é pavimentada, ok?”. Lembrei-me das cidades já percorridas na reportagem e respondi que já estávamos acostumados. Ela vem nos receber com um sorriso largo e um abraço. Ex-gerente de vendas da GVT, decidiu largar o emprego, onde “raramente conseguia bater a meta”, e fundou a Central de Diaristas. Mas antes de virar microeempreendedora, Madeleine arregaçou às mangas e trabalhou 45 dias em um hotel na Praia dos Ingleses como camareira.”Quis ver como era e aprender todos os truques”. Depois, começou a oferecer faxina para hóspedes mensalistas.

Hoje ela trabalha com uma equipe de 16 diaristas. “São oito colaboradoras na linha de frente e oito reservas”, ela explica. Sua renda varia entre R$ 2.500 e R$ 3.000, podendo ultrapassar os valores na alta temporada. Estamos na sala de sua casa. O canto direito, logo após a entrada, foi transformado em seu escritório. Ela está com o desktop conectado ao Get Ninjas, site por meio do qual oferta seus serviços e, simultaneamente, recebe pedidos de diárias pelo aplicativo no smartphone. Na parede, há um quadro mostrando alguns agendamentos. Madeleine pede desculpas e interrompe a entrevista duas vezes para responder às notificações. Apesar de estar administrando alguns transtornos, ela não perde o sorriso e minimiza os problemas. Em menos de meia hora de conversa, já estávamos seduzidos pelo vigor e generosidade da nossa personagem: “Já tentei contratar gays e trans, mas infelizmente ainda há muita resistência”.

Além das diárias, ela oferece serviços de “check-in” e “check-out”. “O que seria isso?”, pergunto. Ela explica que é contratada pelos donos de imóveis de temporada para receber o dinheiro dos hóspedes, verifica se não há nada faltando e faz a faxina após a saída deles. Da sala, ela aponta para o varal da casa, repleto de lençóis estendidos, no jardim da frente, fruto de um check-out recente. Na saída dos inquilinos, também filma o imóvel e envia o vídeo para o dono. Pelo serviço, que ela mesma costuma fazer, cobra entre R$180 e R$ 200. Mais tarde, enquanto espero pelo embarque no Aeroporto de Florianópolis, ela me mandaria dois desses vídeos por WhatsApp.

O serviço mais caro que já cobrou foi R$ 2 mil por uma “limpeza pós-óbito”: “A pessoa estava degolada há seis dias. Vocês podem imaginar como estava a casa?”. Quando o corpo foi retirado, uma das colaboradoras entrou em cena para fazer a faxina. Madeleine fica com 30% dos valores que cobra e o restante é repassado às colaboradoras. Na cidade onde o IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) é 0,847, considerado muito alto, ela comemora os resultados: “Antes, 60% do meu salário era para pagar a babá”, conta ela, mãe de dois filhos. “Não tinha nem R$ 30 para botar gasolina, não tinha dinheiro para passear, dar batata frita para meus filhos”, lembra a empreendedora, que agora usa o próprio carro para fazer seus serviços e escolhe os dias que vai trabalhar.


Quando cheguei, passei até fome. Conseguia uma comida aqui, outra ali. Agora, só volto para o Paraná para passear


Não tinha nem R$ 30 para botar gasolina, não tinha dinheiro para passear, dar batata frita para meus filhos

Uma das colaboradoras de Madeleine, Saula Rodrigues de Freitas, de 29 anos, está acompanhando a entrevista desde o início. Saula faz parte dos 31,47% que têm ensino superior completo em Florianópolis, o dobro da média nacional. Graduada em História e com três pós-graduações – em ensino religioso e metodologias de aprendizado – ela vinha se preparando para ser professora. Em Foz do Iguaçu, onde nasceu, chegou a trabalhar como auxiliar administrativa em uma escola municipal, o suficiente para fazê-la desistir. “Comecei a ver como era depressiva a vida dos professores”, conta. Em 2016, arrumou um emprego de recepcionista de hotel em Florianópolis e não voltou mais. Hoje, ganha em torno de R$ 3 mil fazendo faxina. “Tenho uma amiga que trabalha no shopping e não ganha isso”, relata. “Ter a Saula na equipe faz muita diferença. Ela tem conteúdo para conversar com os clientes”, observa Madeleine.

Na saída, eu e Yuri Fernandes posamos para uma selfie com as duas na varanda da casa. No aeroporto, esperando o voo para o Rio de Janeiro, recebo uma mensagem carinhosa dela. “Passando para desejar uma boa viagem e agradecer por ter vindo a Floripa me entrevistar. Espero que eu tenha ajudado. Forte abraço em você e no Yuri (emoji de carinha beijando com coração)”. Elas nos levam até o carro e partimos rumo ao prédio do nosso próximo personagem, o porteiro Claudionor Roberto de Almeida, de 43 anos.

Pai de sete filhos, dos quais seis foram herdados do casamento anterior de sua mulher, Claudionor ganha R$ 1.560,00 mais R$ 330 de vale alimentação, o equivalente a praticamente dois salários mínimos. A mulher recebe R$ 1.100 em uma empresa de limpeza e dois dos filhos trabalham, cada um ganhando “mais ou menos R$ 900, R$ 1.000”. São muitas bocas para alimentar, mas Claudionor se vira fazendo bicos como eletricista, pedreiro e piscineiro. Encontramos com ele na portaria do prédio. Ele acabara o seu turno. Estava vestindo bermuda, camisa polo e tênis de grife. Ele viria a me contar na entrevista que há oito anos não comprava roupa porque recebia doações dos moradores.

Para os serviços mais distantes do prédio, localizado no Jardim Atlântico, Claudionor utiliza seu próprio carro, cujas prestações, no valor de R$ 600, ainda está pagando. “Comprei o carro com os bicos”, explica ele, mostrando o veículo, que custou R$ 24 mil. Ele cobra R$ 50 para trocar um interruptor e de R$ 60 a R$ 120 para instalação de som em carros. Mas aponta para o andar de cima mostrando que já vai iniciar uma obra para conter uma infiltração. Além disso, consegue mais R$ 160 a cada três meses com latinhas de alumínio que vão para a reciclagem: “Dá para o pão e para o leite”.

Claudionor migrou da Guarapuava, no Paraná, para Florianópolis, há 25 anos, em busca de oportunidades. Lá, criava vacas e galinhas, mas a produtividade vinha caindo “porque o terreno não era tão grande”. Foi trabalhar como operário na duplicação da BR-101: “Quando cheguei, passei até fome. Conseguia uma comida aqui, outra ali”. Hoje mora em casa própria, de três quartos (“em terreno de posse”) localizada a 10 km do trabalho. Vai e volta de carro. A família tem computador em casa e um pacote de internet de R$ 120. No smartphone, o porteiro paga mais R$ 40. “Agora, só volto para o Paraná para passear”, conta. Claudionor está bem distante do luxo de Jurerê Internacional. Mas também está muito longe da extrema pobreza de Marajá do Sena. Em Florianópolis, apenas 0,27% da população são extremamente pobres. O porteiro está bem distante disso.

Adriana Barsotti

É jornalista com experiência nas redações de O Estado de S.Paulo, IstoÉ e O Globo, onde ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo com a série de reportagens “A história secreta da Guerrilha do Araguaia”. Pelo #Colabora, foi vencedora do Prêmio Vladimir Herzog, em 2019, na categoria multimídia, com a série "Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil", em um pool jornalístico com a Amazônia Real e a Ponte Jornalismo. Professora Adjunta do Instituto de Arte e Comunicação Social (Iacs), na Universidade Federal Fluminense (UFF), é autora dos livros “Jornalista em mutação: do cão de guarda ao mobilizador de audiência” e "Uma história da primeira página: do grito no papel ao silêncio no jornalismo em rede". É colaboradora no #Colabora e acredita (muito!) no futuro da profissão.

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