Instalações urbanas recicladas

Abrigo de ônibus feito de material reciclado em Aracaju

Projeto une sustentabilidade e arte em abrigos em pontos de ônibus em Aracaju. Ideia original de marceneiro ganhou adeptos entre artistas e músicos locais

Por Ana Morett | Mobilidade UrbanaODS 16 • Publicada em 15 de março de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:03

Abrigo de ônibus feito de material reciclado em Aracaju
Abrigo de ônibus feito de material reciclado em Aracaju
Abrigo de ônibus feito de material reciclado é espalhado por Aracaju, em Sergipe

“A sociedade do futuro será o que nós fizermos, e isto é possível melhorar”. A frase, citada em entrevista do historiador Leandro Karnal sobre generosidade, faz todo sentido diante da iniciativa de um marceneiro em Aracaju, Sergipe. Wagner Ferraz se inquietou com a espera dos moradores em pontos de ônibus precários e decidiu mudar aquela realidade. Arregaçou as mangas, colocou a mão na massa e, há cinco anos, começou a construir abrigos reciclados. Juntando telhas, madeira e outros materiais descartados encontrados no lixo ou recebidos por doação, Ferraz vem, lentamente, colorindo as ruas com suas instalações urbanas. Hoje já são oito abrigos espalhados pela cidade e, no início de março, foi inaugurado o primeiro “abrigo móvel”.

A iniciativa de Ferraz ganhou adeptos: conta com um arquiteto, um biólogo, um designer, uma publicitária, além do apoio de artistas da região. Nascido de uma utopia, o abrigo reciclado virou um projeto, batizado de “Coletivo Abrigo”. A explicação veio da indignação do marceneiro: “Vi que não tinha estrutura no ponto de ônibus perto de onde eu trabalhava. As pessoas se escondiam daquele sol de Nordeste em pé atrás do poste. Pensei: ‘Isso está errado’. Como eu achava muito material de obra no lixo, resolvi transformar aquele lugar”, conta o paulista de 35 anos, que, há sete, escolheu a capital sergipana para morar.

Abrigo de ônibus feito de material reciclado em Aracaju
Artistas e músicos locais se uniram ao marceneiro Wagner Ferraz

No dia da inauguração de cada abrigo, sempre diferentes um do outro, sprays e tinta ficam à disposição do usuário. Quem quiser, pode sair “fazendo arte” e colorindo o ambiente. Em alguns pontos, há geladeiras (que antes também eram lixo) reformadas, em que as pessoas encontram livros para troca.

Falta de estrutura urbana

Com mais de 570 mil habitantes (segundo dados de 2010 do IBGE), Aracaju é uma cidade de porte médio em que as pessoas dependem basicamente de carro, moto e ônibus. Não tem metrô nem trem. Usar bicicleta é perigoso e o hábito de caminhar não é disseminado entre a população. Segundo cálculos da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito de Aracaju (SMTT), dos 1.030 pontos de ônibus, pouco mais da metade deles (750) cabe abrigos, e há cerca de 700 instalados – entre novos e antigos, muitos já deteriorados. A prefeitura anuncia que vai efetuar a troca de 40 abrigos “nos próximos dias”, além dos 240 já instalados desde 2013, e que abriu um novo processo licitatório para equipar a cidade.

Enquanto a prefeitura se estrutura, Wagner vai ocupando a cidade, sem apoio financeiro do poder público e da iniciativa privada. Mesmo utilizando o material reciclado, cada unidade – com 2,3m por 1,5m – tem um custo médio de R$ 1.400, pois alguns equipamentos têm que ser novos para que a estrutura seja segura.

Cartaz afixado nos abrigos reciclados de Aracaju, em Sergipe
Cartaz afixado nos abrigos

O primeiro “abrigo móvel” inaugurado em Aracaju foi decorado com obras cedidas pelos artistas locais. “Estas intervenções na cidade integram tecnologias sociais voltadas à sustentabilidade, mobilidade urbana e educação. (…) Participe cuidando dos nossos abrigos e ocupando as ruas com sua arte também”, convida o texto explicativo pendurado no local. Segundo o marceneiro, o Coletivo deixou tudo ali – cadeiras, plantas, quadros – para uso da população, na esperança de que ela irá manter o que foi feito com zelo.

O vandalismo é, de fato, um problema na cidade. O site da prefeitura denuncia, em fotos, o que ocorre em pontos de ônibus e bicicletários. Para enfrentar o problema, Wagner defende a construção coletiva, como forma de inibir tais atos: “Convido a comunidade a participar de todo o processo. Para a construção de um dos pontos, reunimos 20 crianças.” Questionado sobre o motivo de levar os pequenos, a resposta é rápida: “Porque depois de construir, eles não vão quebrar. Acredito que será o contrário, vão cuidar.”

Convido a comunidade a participar de todo o processo. Para a construção de um dos pontos, reunimos 20 crianças

Com suas ideias inovadoras, Wagner é, sem dúvida, um discípulo de Thomas Morus (1478 – 1535), o pai da utopia. Lembrado por Karnal em sua entrevista sobre generosidade, Morus e sua utopia são exemplos a serem seguidos nos tempos modernos. A utopia, como diz Karnal, “permite avançar rumo ao horizonte; é uma estrada, não um destino”. E conclui: “A utopia estabelece uma espécie de meta a partir da qual eu reformo a realidade.”

Ana Morett

Ana Carolina Morett é jornalista, formada pela PUC-Rio, com MBA em Marketing Digital pela FGV. Com passagens pela Rede Globo e jornal O Globo, onde cobriu de política e futebol a vida de artistas, há cinco anos trabalha com conteúdo de marca. Acredita na força da internet para potencializar boas causas e histórias. Para ela, redes sociais não são só bla, bla, bla.

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