A resposta local para os problemas globais

Rob Hopkins,, um dos criadores do movimento “Cidades em Transição” . Foto JIM WIleman

Movimento ‘Cidades em Transição” transforma utopia em realidade em mais de 50 países, inclusive o Brasil

Por Maria Clara Parente | ODS 11ODS 8 • Publicada em 8 de agosto de 2018 - 08:08 • Atualizada em 10 de agosto de 2018 - 19:59

Rob Hopkins,, um dos criadores do movimento “Cidades em Transição” . Foto JIM WIleman
Rob Hopkins,, um dos criadores do movimento "Cidades em Transição" . Foto JIM WIleman
Rob Hopkins,, um dos criadores do movimento “Cidades em Transição” . Foto JIM WIleman

Cidades que trabalham em rede para diminuir ao máximo a dependência dos combustíveis fósseis, promovem a inclusão e a justiça social, tomam decisões de forma horizontal, fortalecem diariamente o senso de comunidade e valorizam a produção local criando até as suas próprias moedas. Utopia? Sonho? Uma realidade muito distante da nossa? Nem tanto. Por incrível que pareça, esse modelo já funciona em mais de 300 cidades espalhadas por 50 países, incluindo o Brasil. O movimento recebeu o nome de “Transition Towns” (Cidades em Transição) e foi criado na Inglaterra por Rob Hopkins e Naresh Giangrande, em 2006, em Totnes, uma cidadezinha conhecida por ser precursora em temas ligados à sustentabilidade. É lá também que fica a Schumacher College, um renomado centro de estudos de ciências holísticas e ecologia, que reúne alguns dos maiores pensadores do assunto.

A palavra sustentabilidade foi tão usada por corporações e governos nos últimos anos que quase perdeu o sentido. O conceito de resiliência é bem mais abrangente, incorporando a complexidade presente nos sistemas vivos e criando soluções criativas para lidar com as mudanças permanentes que enfrentamos de forma regenerativa

Impulsionado inicialmente pelas mudanças climáticas e pelo peak oil (ponto onde a máxima extração de petróleo é atingida), o movimento ganhou força com a crise econômica de 2008, que confirmou o desgaste dos antigos modelos econômicos. O foco do “Transition Towns Network”, hoje, é ser uma comunidade experimental onde a resiliência local é o lema.  De acordo com Hopkins, que foi eleito um dos 100 maiores ambientalistas do mundo pelo Jornal “Independent”, de Londres, em 2012, o termo resiliência é bem mais interessante do que sustentabilidade. “A palavra sustentabilidade foi tão usada por corporações e governos nos últimos anos que quase perdeu o sentido. Se uma empresa coloca menos plástico nas suas garrafas plásticas se torna uma empresa sustentável.  Além disso, o desenvolvimento sustentável leva pouco em consideração os ‘choques’ inevitáveis no caminho, fazendo parecer que temos um caminho linear até atingir o ‘desenvolvimento sustentável’. Mais realista, o conceito de resiliência é bem mais abrangente, incorporando a complexidade presente nos sistemas vivos e criando soluções criativas para lidar com as mudanças permanentes que enfrentamos de forma regenerativa”.

Entre projetos de geração de energia eólica nos telhados das casas e cervejas artesanais locais, o projeto se expandiu bastante com a facilidade de ter todas as “regras” disponíveis para consulta no site, em PDFs e vídeos.  Rob Hopkins é professor de permacultura, ativista e autor de quatro livros sobre ambientalismo entre eles “Manual para Transição: Da dependência do petróleo a resiliência local”, que funciona como um guia para quem quer aplicar os princípios na sua cidade ou bairro. O primeiro passo para começar o movimento de Transição  é formar um grupo de forma colaborativa, criando pontes com o governo local e fortalecendo a comunidade. Apesar dos manuais, os participantes ressaltam que cada lugar tem suas particularidades.  “Nós damos os ingredientes, mas cada um faz o seu bolo”, diz Sophy Banks, psicoterapeuta que criou a chamada “transição interna”, em Totnes. De acordo com ela, as transições externas na sociedade só podem se tornar realidade se combinadas às transições internas, isto é, quando as pessoas que fazem parte do movimento também se tornam mais conectadas com elas mesmas, com as outras e com o resto da natureza. Na prática, a “inner transition” é a combinação de atividades como yoga, meditação e saberes como comunicação não-violenta e mindfulness nas reuniões de grupo, que deixam o ambiente mais receptivo para a colaboração e a criatividade.

Segundo Hopkins, o engajamento em movimentos de transição funciona  também como um resgate à diversidade cultural em um mundo cada vez mais globalizado. As cidades de Transição buscam resgatar as vibrantes culturas locais, um alívio para visitantes e moradores. Além de valorizar produtos locais criando feiras e eventos que unem a cidade toda, há seis anos o movimento em Totnes também criou o centro de Reeconomy, que atua como um braço do Transition que fortalece as pessoas que trabalham na economia local, onde são priorizadas as compras dentro da própria comunidade.

No Brasil, o movimento recebeu a tradução livre de Reeconomia. “O movimento busca compreender como seria a economia e os negócios em uma cidade, bairro ou localidade em transição. Suas principais características são, ter uma produção com baixo carbono, utilizando a menor quantidade de energia possível e com o menor impacto para o meio ambiente.”, explica Mônica Picavea, que faz parte do movimento em São Paulo e foi uma das primeiras a pesquisar o modelo de Reeconomia por aqui.

A loja de produtos locais na rua principal da pequena cidade de Totnes, na Inglaterra. Foto Maria Clara Parente
A loja de produtos locais na rua principal da pequena cidade de Totnes, na Inglaterra. Foto Maria Clara Parente

Além dos movimentos locais, a Transition Networks abriga HUBs nacionais espalhados pelo mundo que funcionam como uma grande rede de troca de conhecimento. Uma das precursoras do movimento no Brasil é a arquiteta Isabela Menezes, que conta que os treinamentos começaram no Rio de Janeiro e em São Paulo em 2008. O movimento de São Paulo ganhou destaque recentemente por abrigar um dos dezesseis projetos escolhidos no mundo para receber financiamento para o projeto experimental “Municipalities in Transition” por intermédio do HUB Nacional, uma parceria com os governos locais e a “Transition Network”. A iniciativa está ancorada na subprefeitura de Vila Mariana e nos próximos meses tem como uma das ações o plantio de árvores nas calçadas junto com os moradores do bairro.

Mas como os princípios criados para uma cidade de 8000 habitantes como Totnes podem ser transferidos para uma megalópole como São Paulo? “Onde quer que você esteja, dá para criar um grupo, mapear as principais questões do seu território e agir para criar o mundo que queremos ver acontecer. As ferramentas que o movimento disponibiliza para a rede são totalmente adaptáveis para qualquer território.” diz Isabela. Em grandes cidades, o movimento acontece mais em bairros com moradores que se juntam sem apoio do poder público para criar hortas comunitárias, organizar eventos e feiras que valorizem as comunidades locais. Em São Paulo, os Hubs mais antigos são Guarulhos, Pouso Alegre e Ametista. No Rio, existem hubs no Grajaú e em Laranjeiras, com um novo crescendo na Barra da Tijuca, coordenados pela Melissa Bivar, que ressalta a colaboração como fator chave para compreender as questões enfrentadas pela cidade: “A construção das estruturas no Rio foi criada em conjunto com vizinhos, parceiros e amigos, de forma a empoderar territórios a repensar qualidade de vida coletiva, mobilidade urbana, fortalecimento de economia local e reflexões sobre a atuação de cada um no cenário da cidade.” lembra.

Sem contar com apoio financeiro do governo, o projeto recebe suporte do HUB Nacional da “Transition Network”, mas segundo Isabela o projeto não precisa de muito para acontecer: “Eu também dou minha parte para manter a rede. mas na verdade a gente não precisa de muito para funcionar, só da nossa coragem e persistência.” De acordo com Monica, soluções locais com metas globais são uma excelente resposta para os problemas que enfrentamos. “Entendo que se cada um deve fazer sua parte, coordenar e influenciar mais pessoas a fazerem isto.  Porque as questões são extremamente urgentes, e temos um grande desafio como humanidade”.

Maria Clara Parente

Jornalista e mestre em literatura pela PUC-Rio. Trabalha com jornalismo ambiental e audiovisual desde 2016, com foco em novas economias, mudança sistêmica e justiça climática. No colabora, dirige a apresenta a série WebColaborativa e apresentou a primeira temporada da série Comendo Lixo(2018), sobre cozinha lixo zero. Co-dirigiu a série documental What is Emerging?(2019) e dirigiu o documentário Regenerar: Caminhos Possíveis em um Planeta Machucado(2022).

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