Ataques a guaranis kaiowás com 11 feridos elevam tensão em terras indígenas

Duas pessoas baleadas no atentado em Douradina, no Mato Grosso do Sul, ainda estão internadas; também há ameaças em áreas de conflito no Paraná e Rio Grande do Sul

Por Oscar Valporto | ODS 16 • Publicada em 7 de agosto de 2024 - 12:44 • Atualizada em 15 de novembro de 2024 - 09:01

Indígena com arco e flechas na TI Panambi-Lagoa Rica, em Douradina: ataques com 11 feridos aumentam tensão (Foto: Bruno Peres / Agência Brasil)

Durante o último final de semana, dois ataques de homens armados deixaram onze indígenas guaranis kaiowás feridos em Douradina, pequeno município no sudeste de Mato Grosso do Sul. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o primeiro ataque ocorreu no sábado (03/08) quando homens armados, em uma caminhonete, atiraram contra os indígenas com munição letal e balas de borracha: dois indígenas ficaram internados em estado grave, um levou um tiro na cabeça e o outro no pescoço. O ataque ocorreu na área da Terra Indígena Lagoa Rica Panambi – identificada e delimitada pela Funai desde 2011 mas ainda não demarcada. Na mesma região, no domingo (04/08), indígenas foram atingidos por balas de borracha após disparos na direção de um acampamento.

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Os ataques elevaram a tensão na região da Terra Indígena Lagoa Rica Panambi, onde indígenas guaranis kaiowás mantém sete retomadas, acampamentos dentro da área delimitada, que está em litígio na Justiça. A escalada do conflito fez o governo decidir reforçar a segurança na região. O secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, que o efetivo que era de 32 homens da Força Nacional, que faziam a segurança do conflito fundiário, foi aumentado para 64 agentes para garantir a proteção da comunidade indígena. A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, visitou nesta terça (06/08) as retomadas de Douradina, acompanha da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL/MG) e da presidente da Funai, Joenia Wapichana, participou de rezas e conversou com os indígenas.

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Os ataques em Mato Grosso do Sul aumentaram a tensão em outras áreas de conflito entre indígenas e fazendeiros. No Paraná, a Justiça decidiu suspender as reintegrações de posse nas aldeias da Terra Indígena (TI) Guasu Guavirá, nos municípios de Guaíra e Terra Roxa, no oeste do estado. Segundo a decisão do Tribunal Regional da 4ª Região, a medida visa evitar novos atos de violência contra os indígenas. A Justiça considerou que a expulsão dos indígenas, que ocupam as áreas há mais de um ano, “só acirraria os conflitos, impedindo ou postergando a efetiva solução da questão”.

No Rio Grande do Sul, a Força Nacional vai atuar na segurança dos indígenas na Terra Indígena Rio dos Índios – de acordo com despacho do ministro Ricardo Lewandowski, os militares ficarão na região por 90 dias, auxiliando os servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), com o apoio das forças de segurança estaduais. Indígenas da etnia kaingang vêm denunciando ataques e ameaças em pelo menos duas áreas do Rio Grande do Sul. Em julho, homens encapuzados atiraram contra os indígenas e incendiaram uma maloca – ninguém ficou ferido.

Indígenas cobram demarcação da TI Panambi-Lagoa Rica, durante visita da ministra Sônia Guajajara: processo parado desde 2011 devido a recursos judiciais (Foto: Bruno Peres / Agência Brasil)
Indígenas cobram demarcação da TI Panambi-Lagoa Rica, durante visita da ministra Sônia Guajajara: processo parado desde 2011 devido a recursos judiciais (Foto: Bruno Peres / Agência Brasil)

Conflito jurídico, violência armada

A tensão na na área da Terra Indígena Lagoa Rica Panambi aumentou após a comunidade Guarani e Kaiowá da retomada Guaaroka ter recebido a visita de um oficial de Justiça para comunicar a liminar de reintegração de posse, concedida pela Justiça na última semana de julho: os indígenas receberam um prazo para a saída da área sem o uso de força policial. Guaaroka é uma das sete ‘retomadas de Douradina’, município onde está a Terra Indígena – no primeiro dia de agosto, agentes da Força Nacional prenderam um casal fortemente armado que, com uma camionete, invadiu outras duas retomadas – Kurupa’yty e Pikyxyin.

Após a liminar, um grupo armado – contratado por fazendeiros, de acordo com o Cimi e os indígenas – montou acampamento ao lado de outra retomada (Yvy Ajere). No fim de semana, houve os ataques que terminou com dois feridos com arma de fogo e outros com balas de borracha. Barracos, pertences pessoais e símbolos da cosmologia guarani-kaiowá foram destruídos e incendiados. Vídeos compartilhados nas redes sociais revelaram a presença ostensiva de caminhonetes, tratores e automóveis na área da retomada Yvy Ajere.

Na segunda-feira (05/08), o Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF-3) suspendeu a ordem de reintegração de posse contra o povo Guarani e Kaiowá concedida pela Justiça Federal de Dourados (MS) para a desocupação da retomada Guaaroka, localizada na Terra Indígena Panambi Lagoa Rica. O desembargador Audrey Gasparini destacou, na decisão, que há um procedimento demarcatório em curso. Para o magistrado, a morosidade do Estado em concluir o trâmite administrativo é um fator de motivação para os Guarani e Kaiowá terem ocupado a área. “No caso em tela, já havia procedimento demarcatório instaurado a demonstrar, minimamente, que se está diante de causa envolvendo interesses indígenas e seu patrimônio”, salientou.

Acampamento indígena na chamada retomada para pressionar pela demarcação: desde 1972, há registros de tentativas da Funai de demarcar a Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica para os Guarani e Kaiowá (Foto: Bruno Peres / Agência Brasil)
Acampamento indígena na chamada retomada para pressionar pela demarcação: desde 1972, há registros de tentativas da Funai de demarcar a Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica para os Guarani e Kaiowá (Foto: Bruno Peres / Agência Brasil)

Desde 1972, há registros de tentativas da Funai de demarcar a Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica para os Guarani e Kaiowá confinados, décadas antes, em reserva na região. Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, a área destinada a abrigar a Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica foi delimitada em 2011, mas recursos judiciais impediram a conclusão do processo demarcatório e a retirada de não indígenas do local. Donos de terrenos dentro da área delimitada pela Funai – que receberam títulos de propriedade do estado – reclamam que estão em posse dessas áreas desde o século passado.

Na visita ao local, Sônia Guajajara esteve com indígenas e também com um grupo de produtores e trabalhadores rurais. “Vimos que é realmente necessária a presença da Força Nacional para garantir a segurança e a integridade física dos povos indígenas dessa área de retomada, para evitar que mais conflitos ocorram. Não pactuamos com a violência. Estamos aqui com o objetivo de pacificar a região a partir do diálogo e da presença do Estado brasileiro”, disse a ministra à Agência Brasil, garantindo que o governo federal vem atuando para concluir os processos demarcatórios de novas terras indígenas, paralisados por recursos judiciais interpostos por produtores rurais que afirmam ser os legítimos donos das áreas reivindicadas pelos indígenas.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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