Número de mortes na Zona Oeste dobrou com guerra entre milicianos e traficantes

Morte de chefe de milícia em confronto com policiais foi o estopim para ataques que destruíram 35 ônibus e levaram terror ao Rio de Janeiro

Por Oscar Valporto | ODS 16 • Publicada em 24 de outubro de 2023 - 16:12 • Atualizada em 8 de novembro de 2023 - 10:41

Ônibus incendiado na Zona Oeste do Rio: região sofre com guerra entre milícias e confronto de milicianos e traficantes (Foto: Reprodução/Globonews)

Dados do Instituto Fogo Cruzado mostram que o queima-queima promovido por milicianos na Zona Oeste do Rio de Janeiro nesta segunda-feira (23/10) é a consequência pirotécnica da escalada da violência armada na Zona Oeste do município do Rio de Janeiro em 2023. O levantamento da entidade aponta que o número de mortos a tiros mais do que dobrou (127%) de 2022 para 2023. De janeiro a outubro deste ano foram 248 mortos, contra 109 no mesmo período de 2022.

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O número de tiroteios aumentou (55%): foram 475 tiroteios de janeiro a outubro de 2022, e 737 de janeiro a outubro de 2023. De acordo com os dados do Fogo Cruzado, instituto que usa tecnologia para produzir e divulgar dados abertos e colaborativos sobre violência armada, a ocorrência de chacinas também disparou. Foram quatro casos de chacinas entre janeiro e outubro de 2022 — elas deixaram 12 mortos. No mesmo período de 2023, foram oito casos, com 50 mortos. As chacinas policiais explodiram: houve apenas uma chacina em 2022, com três mortos. Já este ano foram oito chacinas policiais, com 28 mortos.

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Tem disputa de milícia contra milícia e do tráfico contra as milícias. Agora, traficantes estão cobrando taxas e milicianos estão traficando, ou seja, eles estão com atividades ainda mais abrangentes

Cecília Olliveira
Diretora do Instituto Fogo Cruzado

Na segunda-feira, a morte por policiais civis do miliciano Matheus da Silva Resende, considerado o segundo na hierarquia da milícia na zona oeste e sobrinho de Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, apontado como chefe da maior milícia do estado, desencadeou uma série de atentados na Zona Oeste da cidade, área com maior controle dessas entidades paramilitares: mais de 35 ônibus foram queimados, além de terem sido registrados ataques a estações do BRTs e da linha férrea. Diretora-executiva do Instituto Fogo Cruzado, a jornalista Cecília Olliveira disse que os atentados não podem ser vistos como surpresa. “O Rio está sendo disputado palmo a palmo desde a morte do miliciano Ecko, em 2021. O irmão, Zinho, disputa com Tandera, ex-comparsa, o espólio da milícia. O Comando Vermelho viu nesse racha uma oportunidade”, escreveu no Twitter.

Em entrevista à CBN, a diretora do Fogo Cruzado lembrou que, desde então, o conflito se acirrou na Zona Oeste como mostram os dados do instituto. “Tem disputa de milícia contra milícia e do tráfico contra as milícias. Agora, traficantes estão cobrando taxas e milicianos estão traficando, ou seja, eles estão com atividades ainda mais abrangentes”, explicou, lembrando que áreas dominadas pelas milícias cresceram 387% em 16 anos, de acordo com levantamento do Fogo Cruzado e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF).

Já tivemos intervenção federal, ação da força nacional, ocupação militar, tudo isso – mas sem um planejamento específico e ignorando pontos importantes, que, é de fato, o combate à corrupção. Não adianta a gente ignorar que a corrupção que cria as milícias vem de dentro do estado

Cecília Olliveira
Diretora do Instituto Fogo Cruzado

Cecília Olliveira, pós-graduada em Criminalidade e Segurança Pública pela UFMG, disse que não ter expectativas de que a situação melhore: “Cláudio Castro é um governador absolutamente ilustrativo. Ele está fragilizado, sua base aliada está rachadíssima. Quem realmente está tomando decisões sobre a segurança pública é a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). A gente tem essa questão muito central, porque o Castro escolheu um secretário de Polícia Civil que não durou três semanas no cargo. Isso que o Castro vem falando são apenas frases soltas, bravatas de quem não tem nenhuma gerência sobre a segurança pública no Rio”, afirmou durante a entrevista à CBN

Carcaça de ônibus queimado no Rio: número de mortes em conflitos armados dobrou na Zona Oeste em 2023 (Foto: Bruno Kaiuca / AFP)
Carcaça de ônibus queimado no Rio: número de mortes em conflitos armados dobrou na Zona Oeste em 2023 (Foto: Bruno Kaiuca / AFP)

Diante do queima-queima promovido pelos milicianos, o governador Cláudio Castro prometeu mais policiamento e inteligência e defendeu endurecimento de penas, em entrevista na manhã de ontem. Ele admitiu que a polícia foi surpreendida porque “a reação dos criminosos foi fora do padrão”. O governador pediu um esforço conjunto contra o crime. “Essas armas e drogas não estão sendo produzidas aqui. Estão entrando pelas estradas federais, por portos e aeroportos. Só com integração a gente consegue resolver”, afirmou.

Sobre a atuação de órgãos nacionais no Rio, Cecília Olliveira afirmou que neste momento só será possível ‘amenizar’ a situação, já que não houve ações de combate às raízes do problema. “A segurança pública no Rio de Janeiro é tratada com negacionismo. A gente não chegou até aqui à toa. A atuação não pode ser cosmética, pontual. É preciso planejamento. Já tivemos intervenção federal, ação da força nacional, ocupação militar, tudo isso – mas sem um planejamento específico e ignorando pontos importantes, que, é de fato, o combate à corrupção. Não adianta a gente ignorar que a corrupção que cria as milícias vem de dentro do estado”, afirmou a diretora do Fogo Cruzado.

Território de milicianos e traficantes

O estudo Novo Mapa dos Grupos Armados, divulgado em setembro, mostrou que as áreas de influência das milícias na Região Metropolitana do Rio de Janeiro se expandiram de tal modo que, das áreas dominadas por algum grupo armado no Grande Rio, metade está nas mãos das milícias (49,9%). Até 2008, milicianos ocupavam 23,7% dessas áreas. A área da Região Metropolitana do Rio de Janeiro controlada por grupos armados cresceu 131%, mas as milícias hoje dominam território maior do que as facções do tráfico de drogas.

De acordo com o Mapa dos Conflitos Armados, na Capital, a evolução dos domínios dos diferentes grupos armados difere da observada na Baixada (disputa entre duas facções de traficantes e as milícias) e no Leste Metropolitano (hegemonia do Comando Vermelho). No município do Rio, as milícias assumiram a primeira posição como maior grupo armado e nunca mais deixaram de ser hegemônicos. As milícias controlam 74,2% das áreas ocupadas por grupos armados na capital; 29,8% da cidade do Rio de Janeiro hoje é dominada por algum grupo armado; 3 em cada 4 áreas controladas por criminosos no município está sob o domínio da milícia.

O levantamento do Fogo Cruzado e do Geni/UFF, a hegemonia das milícias na capital concentra-se quase que exclusivamente na Zona Oeste da cidade, conhecido reduto das milícias. A Zona Norte aparece em segundo lugar em importância para as milícias na capital, e é também a sub-região onde, em quase toda a série histórica, as milícias aparecem como a segunda força com mais espaços dominados. Por sua vez, na Zona Sul e no Centro, as áreas dominadas são muito pouco expressivas e tendem a zero.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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