Espécies costeiras são achadas em ‘ilha’ de lixo plástico no meio do oceano

Pesquisadores descobrem mistura de espécies na Grande Mancha de Lixo do Pacífico que pode ameaçar ecossistema marinho

Por Oscar Valporto | ODS 14 • Publicada em 10 de maio de 2023 - 08:56 • Atualizada em 29 de junho de 2023 - 10:36

Grande Mancha de Lixo do Pacífico: plástico acumulado está fornecendo um lar para as espécies costeiras prosperarem no meio do oceano, afirmam pesquisadores (Foto: Ocean Cleanup)

Plásticos flutuando em uma enorme mancha de lixo no Oceano Pacífico estão abrigando misturas de espécies costeiras e marinhas que podem aumentar as chances de invasões biológicas e causarem estragos nos ecossistemas próximos. Pesquisa, publicada na revista Nature Ecology & Evolution, apontou que o plástico acumulado está fornecendo um lar para as espécies costeiras prosperarem no meio do oceano, a milhares de quilômetros da costa, e que algumas dessas espécies estão se reproduzindo, apesar do ambiente estranho e teoricamente adverso.

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Os pesquisadores, entre os detritos de plástico, encontraram todos os tipos de espécies não nativas, de anêmonas a vermes e pequenos crustáceos.  Eles examinaram 105 itens de detritos coletados no lugar conhecido como Grande Mancha de Lixo do Pacífico, uma “ilha” entre o Havaí e a Califórnia. Essa gigantesca sopa de lixo, como os pesquisadores preferem definir – vem crescendo porque as correntes marinhas arrastam detritos flutuantes, que foram se acumulando com o tempo.

Em entrevista à NPR (National Public Radio, emissora sem fins lucrativos nos EUA) após a apresentação da pesquisa, a ecologista marinha Linsey Haram, principal autora do artigo publicado, disse que foram encontradas espécies costeiras em 70% do lixo examinado pelos pesquisadores. “Foi surpreendente ver como as espécies costeiras eram comuns. Foram 484 invertebrados marinhos de 46 espécies diferentes entre os 105 itens de lixo estudados, sendo que 80% habitam ambientes costeiros”, disse Haram, que desenvolveu o estudo no Centro de Pesquisa Ambiental do Instituto Smithsonian (EUA). “Encontramos também muitas espécies de oceano aberto. No entanto, dois terços das amostras continham ambas as comunidades”, acrescentou.

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Nas amostras examinadas em laboratório, os pesquisadores encontraram centenas de espécimes de invertebrados marinhos: a maioria (quase 80%) de espécies costeiras, mas também foram identificadas espécies já conhecidas por viver em mar aberto que prosperavam no lixo plástico. “Vimos esse grupo muito proeminente e diversificado de espécies costeiras que, honestamente, não esperávamos encontrar”, admitiu Linsey Haram. Algumas das espécies costeiras estavam, inclusive, se reproduzindo dentro de suas casas de plástico improvisadas e flutuantes.

Em grande parte das amostras, havia espécies costeiras e de mar aberto vivendo juntas no mesmo pedaço de lixo, o que, de acordo com os pesquisadores, significa que agora elas devem estar interagindo rotineiramente. “Não temos certeza de como será essa interação, mas definitivamente há uma competição por espaço” destacou a ecologista. Esses novos vizinhos provavelmente competem por comida e podem comer uns aos outros. Os pesquisadores avistaram anêmonas costeiras que comiam uma espécie de caracol roxo, nativo do alto mar.

Os tipos de pequenas criaturas examinadas no estudo costumam servir de alimento para espécies maiores. Os pesquisadores apontam que essas descobertas têm possíveis implicações para todos os tipos de animais superiores na cadeia alimentar, como tartarugas, peixes e mamíferos marinhos. Isso poderia aumentar o risco de as espécies encontrarem novos lugares e se tornarem invasoras, afetando os ecossistemas marinhos.

Embora os biólogos soubessem que as espécies costeiras poderiam ocasionalmente viajar em navios ou detritos flutuantes, os cientistas pensavam que as espécies costeiras não poderiam viver no meio do mar por muito tempo ou estabelecer novas comunidades, devido, principalmente, às diferenças de temperatura, de salinidade e de nutrientes disponíveis entre os ambientes costeiros e de mar aberto.  Essa concepção começou a mudar após o tsunami de março de 2011 no Japão:  lixo identificável como da tragédia japonesa começou a aparecer em lugares como o Havaí anos depois, carregando espécies costeiras que de alguma forma conseguiram sobreviver.

Navio da Ocean Cleanup recolhe detritos da Grande Mancha de Lixo do Pacífico: pesquisa constatou espécies costeiras se reproduzindo no meio do oceano (Foto: The Ocean Cleanup)
Navio da Ocean Cleanup recolhe detritos da Grande Mancha de Lixo do Pacífico: pesquisa constatou espécies costeiras se reproduzindo no meio do oceano (Foto: The Ocean Cleanup)

A coleta de amostras na Grande Mancha de Lixo do Pacífico foi realizada com a ajuda da ONG The Ocean Cleanup. Estima-se que a mancha reúna 1,8 trilhão de pedaços de plástico pesando 80 mil toneladas – a maioria, mais de 70%, desses detritos veio da pesca e, de 10% a 20% da catástrofe japonesa de 2011. Os integrantes da ONG recolheram todo o tipo de lixo – pedaços de baldes, garrafas pet, utensílios domésticos, cordas e partes de armadilhas para peixes. Em praticamente todas as amostras, foram encontradas espécies costeiras e de alto mar.

O plástico não está apenas levando espécies costeiras para o mar; também está criando comunidades não naturais. “Estamos vendo espécies costeiras e espécies pelágicas nativas (de alto mar)  juntas, interagindo com bastante frequência em detritos. Estamos essencialmente criando novas comunidades em mar aberto”, disse Linsey Haram. Essas comunidades não naturais podem ter um custo para os residentes tradicionais de oceano aberto que estão acostumados a viver de detritos naturais porque as criaturas costeiras podem estar competindo por espaço e comida ou até comendo seus vizinhos.

O Programa Ambiental da ONU estima que 460 milhões de toneladas de plástico são geradas a cada ano –  apenas 9% deste volume é reciclado e 22% acaba nos oceanos como lixo.  O novo trabalho destaca uma maneira diferente pela qual a inundação de plástico está interferindo no ambiente natural, além do dano amplamente conhecido a espécies como peixes, tartarugas e aves marinhas. “Atualmente, sabemos muito sobre emaranhamento e ingestão e os enormes impactos negativos que resultam disso”, afirmou Haram. “A pesquisa que estamos fazendo aqui acrescenta um tipo muito diferente de efeito que os plásticos têm e que antes não estava sendo considerado”, acrescentou.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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