A desaceleração da economia brasileira e os desafios do novo governo

Brasil terá que fazer um esforço redobrado para sair da ‘armadilha da renda média’ e incrementar os índices de desenvolvimento humano

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 9 • Publicada em 24 de abril de 2023 - 09:17 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 13:39

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, falam no Fórum Econômico Mundial: quatro anos de desafios. Foto Fabrice Coffrini/AFP

A economia brasileira apresentou grande crescimento nas primeiras oito décadas do século XX, mas passou a apresentar, progressivamente, uma desaceleração cíclica nas últimas quatro décadas. O Brasil era um país pobre, rural e agrário e se transformou em uma nação urbana, industrial, de serviços e de renda média. Não obstante, está com dificuldades crescentes para dar o salto para o grupo dos países ricos e com elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

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O gráfico abaixo, com dados do IBGE e do FMI, apresenta a variação anual do Produto Interno Bruto (colunas) e as médias móveis decenais, do crescimento do PIB e da renda per capita, entre 1901 e 2026. Nota-se que houve aceleração do crescimento entre 1901 e 1980 e uma desaceleração entre 1981 e 2026. Durante todo o período, de 1901 a 2026, o crescimento médio do PIB foi de 4,2% ao ano, o crescimento médio da população foi de 2% ao ano e o crescimento médio da renda per capita foi de 2,1% ao ano.

O período de largo prazo de maior crescimento ocorreu entre 1951 e 1980, quando o PIB variou em média 7,5% ao ano, a população aumentou 2,9% ao ano e a renda per capita cresceu 4,5% ao ano – período denominado pelos economistas desenvolvimentistas como os “30 anos gloriosos”. Mas, entre 1981 e 2026, estima-se um crescimento médio do PIB de 2% ao ano, um incremento da população de 1,3% ao ano e um aumento da renda per capita de apenas 0,7% ao ano. Os piores decênios de desempenho econômico foram os de 1981-90 e 2011-2020, quando houve redução da renda per capita e, por este motivo, foram batizados de “décadas perdidas”.

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Considerando os períodos presidenciais, o gráfico abaixo apresenta a variação anual do PIB e a média anual do crescimento econômico de cada gestão presidencial ou regime institucional entre 1956 e 2026. O governo Juscelino Kubitschek (1956-60) foi a gestão que apresentou o maior crescimento econômico, em especial para um período democrático, com uma média de variação do PIB de 8,1% aa. Nos governos Jânio Quadros e João Goulart (1961-1963), houve uma crise política gerada pela renúncia do presidente eleito e muita instabilidade democrática, em consequência, a média de crescimento do PIB caiu para 5,3% aa.

Nos 21 anos da ditadura militar houve o período de maior performance econômica da história brasileira, quando ocorreu o chamado “milagre econômico” (1968-73), que apresentou crescimento médio de 11,2% aa. Porém, a primeira recessão em 50 anos, após a crise dos anos 1930, ocorreu entre 1981 e 1983 e acelerou a queda do regime ditatorial. Na média do regime autoritário (1964-84), o crescimento do PIB ficou em 6,3% aa, valor elevado, mas abaixo do desempenho econômico do governo JK.

Logo após a redemocratização do país, o crescimento anual do PIB diminuiu ligeiramente para 4,4% aa durante o governo Sarney (1985-89). Mas o pior desempenho do século XX ocorreu no governo Fernando Collor e Itamar Franco (1990-94), que apresentou crescimento médio de apenas 1,2% aa (abaixo do crescimento demográfico) e foi marcado pela alta inflação e pelo impeachment do presidente Collor.

Ainda no governo Itamar, quando o Ministro da Fazenda era Fernando Henrique Cardoso (FHC), foi lançado o Plano Real, que controlou a generalizada elevação dos preços dos bens e serviços. O governo FHC (1995-02) manteve a inflação brasileira em um “patamar civilizado” e garantiu a retomada da economia, mas o crescimento médio do país ficou em apenas 2,4% aa.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-10), apresentou o melhor desempenho do período pós-democratização, com crescimento de 4,1% ao ano. Houve retomada do crescimento, embora a uma taxa cerca da metade daquela do período JK.

Os oito anos da gestão Dilma Rousseff e Michael Temer (2011-18) foram marcados por sucessivas crises econômicas e políticas que resultaram em um crescimento do PIB de apenas 0,63% aa (também abaixo do crescimento demográfico). A recessão de 2014 a 2016 e o toda a confusão do processo de impeachment da presidenta Dilma jogaram o país na armadilha do baixo crescimento.

O governo Jair Bolsonaro (2019-2022) começou com baixa taxa de crescimento do PIB em 2019 e uma grande recessão em 2020, em função do impacto da pandemia da covid-19. Houve uma certa recuperação nos últimos dois anos da gestão, o que resultou em um crescimento médio de 1,3% no quadriênio.

No período 1950 a 1980 a população e a economia brasileira cresceram, respectivamente, 2,8% e 7,1% ao ano. Portanto, a renda per capita cresceu 4,3% ao ano no período. Mas no período 1981 a 2022, a população cresceu a 1,4% ao ano e o PIB cresceu 2,2% ao ano. Assim, a renda per capita aumentou apenas 0,8% ao ano nos últimos 41 anos, sendo que na última década houve redução da renda per capita.

As estimativas do FMI para a terceira gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2023-2026) são de um crescimento médio do PIB brasileiro de 1,6% ao ano. É um desempenho acima do que apresentou os governos Collor/Itamar, Dilma/Temer e Bolsonaro, mas bem abaixo dos valores apresentados no primeiro octênio de Lula (2003-2010). Evidentemente, as estimativas do FMI para o próximo quadriênio estão sujeitas a alterações para cima ou para baixo, dependendo da dinâmica econômica e da conjuntura nacional e internacional.

No entanto, há uma tendência inquestionável de encolhimento relativo da economia brasileira, uma vez que o país mantém taxas de crescimento econômico abaixo do ritmo global. As estimativas do FMI indicam que, entre 1981 e 2026, o Brasil deve ter, no conjunto, um crescimento médio do PIB de 2% ao ano, enquanto o mundo terá uma taxa média de 2,8% ao ano. O Brasil que era uma nação emergente, virou um país submergente. O gráfico abaixo mostra que o Brasil tinha um PIB nacional que representava 4,3% do PIB global em 1980, caiu para 3,1% no ano 2000 e deve ficar em 2,2% em 2026.

Na época em que a economia brasileira crescia mais do que a média mundial, a renda per capita do país ultrapassou a renda per capita média global. Mas, com o baixo crescimento das últimas quatro décadas, o Brasil voltou a ter uma renda per capita abaixo da renda média mundial.

O gráfico seguinte apresenta a variação anual do PIB per capita e a média anual do crescimento per capita de cada gestão presidencial ou regime institucional entre 1956 e 2026. Também neste caso, o governo Juscelino Kubitschek (1956-60) é o destaque com uma média de crescimento da renda per capita de 5% ao ano, a maior do período em questão. No regime ditatorial a média foi de 3,7% ao ano. O terceiro melhor desempenho da renda per capita ocorreu no octênio da gestão Lula com 2,9% ao ano.

As gestões FHC (1995-2002) e Bolsonaro (2019-2022) tiveram crescimento da renda per capita de 0,6% ao ano e as gestões Collor/Itamar (1990-94) e Dilma/Temer (2011-18) tiveram redução da renda per capita. As estimativas do FMI indicam um crescimento da renda per capita em 1,1% ao ano na atual gestão do governo Lula. É um valor superior aos das duas últimas gestões, mas insuficiente para garantir uma qualidade de vida mais digna e mais justa para a maioria da população.

A fase de alto crescimento demográfico e econômico já passou e o Brasil terá de buscar a prosperidade social e ambiental em um quadro de crescentes restrições orçamentárias. O país tem problemas econômicos estruturais que dificultam, ou até impedem, o aumento da renda e do bem-estar da população e que vão além do horizonte de curto prazo das diversas gestões presidenciais. Há problemas nas áreas da saúde, educação, mercado de trabalho, moradia, infraestrutura, etc. Mas há obstáculos que precisam ser superados para o país romper com o ciclo vicioso do atraso e se equiparar às nações com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

O Brasil é o 7º país mais populoso do mundo e está entre as 10 maiores economias da comunidade internacional. Mas possui grandes desigualdades sociais e tem um IDH de somente 0,754, o que coloca o Brasil em 89º lugar no ranking global. Para efeito de comparação, a Costa Rica tem um IDH de 0,810 e ocupa a 58ª posição no ranking global. Decerto, existe espaço para o Brasil avançar socialmente.

Desafios do terceiro governo Lula e perspectivas futuras

Depois de uma eleição presidencial muito polarizada em 2022, as primeiras tarefas do novo governo foram no sentido de garantir a estabilidade democrática contra os ataques golpistas – como os atentados às sedes dos três poderes em Brasília, no 8 de janeiro – e assegurar a retomada das políticas públicas de transferência de renda e combate à pobreza e à fome, além de evitar o genocídio do povo Yanomami. Mas há também pelo menos dois grandes desafios econômicos estruturais.

O primeiro desafio diz respeito à política fiscal. O gráfico abaixo, com dados do FMI, mostra os valores dos resultados primários (receitas menos despesas) e nominais (quando se incluem os juros) das contas públicas brasileiras. Nota-se que houve superávit primário durante os 8 anos da primeira gestão Lula e um déficit nominal médio de 3,2% do PIB. Como a economia cresceu em média 4,1% ao ano, houve redução da dívida pública bruta em relação ao PIB no octênio 2003 a 2010. Entre 2011 e 2013 ainda houve superávit primário. Todavia, na segunda gestão Dilma/Temer o déficit primário foi de R$ 548 bilhões e o déficit nominal foi de R$ 2,17 trilhões entre 2015 e 2018.

Diante do descontrole das contas públicas, foi aprovada a lei do “teto de gastos”, em 2016. Porém, na prática, o dispositivo constitucional foi um fracasso, pois além de restringir as despesas em educação, saúde e investimentos, não evitou que o país registrasse um déficit primário de R$ 564 bilhões (média de R$ 141 bilhões ao ano) e um déficit nominal de R$ 2,28 trilhões (média de R$ 570 bilhões ao ano), entre 2019 e 2022, durante o governo Bolsonaro. Evidentemente, a pandemia contribuiu para um déficit nominal recorde de 13,3% do PIB. Contudo, é inegável que o governo passado não teve responsabilidade com o equilíbrio orçamentário e ainda deixou uma “bomba fiscal” para o governo atual.

Assim, o presente governo Lula começa com uma estimativa de elevados déficits e há somente uma estimativa de um leve superávit primário em 2026. Déficits crescentes significam dívida pública crescente. Segundo as contas do FMI, o Brasil tem uma dívida pública bruta duas vezes maior do que a média dos países emergentes (embora a dívida líquida seja menos problemática).

Com o intuito de substituir a lei do “teto de gastos” e redirecionar as prioridades nacionais, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou ao Congresso Nacional um novo arcabouço fiscal se comprometendo com uma trajetória de resultados fiscais menos desfavoráveis: 0,5% do PIB em 2023, 0% em 2024, superávit de 0,5% em 2025 e de 1% em 2026. A nova regra é mais flexível e apresenta um intervalo para o crescimento das despesas e uma banda de tolerância nos resultados das metas fiscais.

Embora haja dúvidas sobre a factibilidade das novas metas, há grande consenso de que o controle das contas públicas é essencial para garantir um crescimento econômico sustentado e sustentável, evitando o aumento da inflação, viabilizando a redução das taxas de juros e possibilitando a estabilização da dívida bruta do governo. Mas, evidentemente, não será fácil atingir as novas metas, pois há muita resistência a qualquer aumento da carga tributária e existe grande demanda política, especialmente dos interesses fisiológicos, para a elevação dos gastos.

Ao invés de criar tributos, o ministro Fernado Haddad prometeu adotar uma série de medidas de recomposição fiscal: fechar brechas legais que permitem a evasão fiscal, reduzir incentivos fiscais, taxar os sites de aposta, evitar fraudes na isenção de importações de pequeno valor entre pessoas físicas, dentre outras iniciativas. Uma iniciativa essencial é a tramitação da Reforma Tributária para simplificar e tornar mais justo o sistema tributário brasileiro.

Um outro ponto relevante do novo arcabouço fiscal é que haverá um piso para os investimentos, de aproximadamente R$ 70 bilhões para proteger esse item de despesa. Se houver excesso de arrecadação em relação a meta, é possível reverter o saldo para novos investimentos. O Brasil tem mantido baixíssimas taxas de poupança e investimento, especialmente nos últimos 30 anos. Menores taxas de poupança e investimento significam menor Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) e implicam em menores taxas de emprego e geração de renda, menor produtividade dos fatores de produção e menor competitividade internacional.

Desta forma, o segundo desafio está apresentado no gráfico abaixo, igualmente com dados do FMI, que mostra que o Mundo manteve taxas médias de poupança e investimento em torno de 25% do PIB entre 1980 e 2026 e o Brasil apresentou taxas médias consistentemente abaixo de 20% do PIB (e em alguns anos em torno de 15% do PIB). Decisivamente, é necessário aumentar os investimentos públicos e privados.

Desta forma, o segundo desafio está relacionado ao fato de que o mundo manteve taxas médias de poupança e investimento em torno de 25% do PIB entre 1980 e 2028 e o Brasil apresentou taxas médias consistentemente abaixo de 20% do PIB (e em alguns anos em torno de 15% do PIB), conforme apresentado no gráfico abaixo.

Nenhum país do mundo conseguiu se desenvolver e melhorar a qualidade de vida de seus cidadãos com taxas de poupança e investimento permanentemente abaixo de 25% do PIB. Uma taxa em torno de 15% do PIB é suficiente, no máximo, para repor a depreciação do aparelho produtivo e da infraestrutura territorial. A média da poupança e do investimento nos países emergentes está em torno de 30% do PIB. Portanto, não é exagero afirmar que a letargia econômica brasileira decorre, fundamentalmente, das baixas taxas de poupança e investimento. Inclusive a defesa do meio ambiente depende de maiores taxas de inversões na economia verde, na defesa da biodiversidade e na mudança da matriz energética.

Nesse contexto, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, encaminhou ao Congresso Nacional, no dia 17 de abril, o projeto para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), de 2024, com dois cenários: um com a regra atual (do “teto de gastos”) e outro com as mudanças desejadas pelo Executivo (no novo arcabouço fiscal). Ela alertou que se a lei não for alterada pode haver uma paralisação na execução das políticas públicas. A proposta completa do arcabouço fiscal foi divulgada pelo Ministério da Fazenda e entregue ao Congresso Nacional no dia 18 de abril, com previsão de ser debatida e aprovada até meados de maio de 2023. Embora haja pressão por todos os lados, a aprovação de um novo regime fiscal é crucial para o planejamento e a previsibilidade da atual gestão presidencial.

Sem embargo, não basta redesenhar a alocação das receitas e das despesas orçamentárias, já que é necessário também harmonizar a política fiscal com a política monetária. O Brasil tem atualmente as maiores taxas básicas de juros do mundo e nenhuma nação consegue se desenvolver com uma taxa de juros real acima da taxa de crescimento do PIB, no longo prazo. O sonho da reindustrialização brasileira – para vencer a “reprimarização” da economia e a dependência da exportação de commodities – pode ser abortado na concepção em decorrência das altas taxas de juros.

O fato é que a estrutura produtiva brasileira tem apresentado uma “especialização regressiva” e tem crescido menos do que a média mundial nos últimos 42 anos. O pior desempenho econômico ocorreu na década passada (2011-20), quando a renda per capita caiu quase 6% no decênio. Segundo os dados do FMI, a renda per capita brasileira, em preços constantes em poder de paridade de compra, era de US$ 15,9 mil em 2013 e está estimada em US$ 15,2 mil em 2023. Assim sendo, o Brasil ficou mais pobre nos últimos 10 anos.

Tudo indica que o atual governo Lula entregará um desempenho econômico e social melhor do que foi apresentado ao país entre 2011 e 2022. Contudo, provavelmente, os resultados deverão ficar abaixo do que ocorreu entre 2003 e 2010. Não basta vontade para vencer a realidade. É preciso muita sabedoria e bom-senso. Reerguer o país será uma tarefa hercúlea. As dificuldades agora são maiores e o esforço terá que ser redobrado para retirar o Brasil da “armadilha da renda média” e para incrementar os índices de desenvolvimento humano e ecológico.

Referência:

ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI, Escola de Negócios e Seguro (ENS), maio de 2022. (com a colaboração de F. Galiza). Acesso gratuito no site: https://ens.edu.br:81/arquivos/Livro%20Demografia%20e%20Economia_digital_2.pdf

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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