ODS 1
Ensino remoto: esforço para continuar estudando durante a pandemia
Com o lento retorno às aulas presenciais na rede pública, alunos do ensino médio, pais e professores refletem sobre as dificuldades impostas pelo longo período longe das salas
Com o lento retorno às aulas presenciais na rede pública, alunos do ensino médio, pais e professores refletem sobre as dificuldades impostas pelo longo período longe das salas
O mês de agosto chegou ao final com mais uma tentativa de retomada das aulas presenciais nas escolas da rede estadual de 80 dos 92 municípios do Rio de Janeiro, incluindo a capital. O longo período de ensino remoto emergencial, provocado pela pandemia de covid-19, deixou sequelas. Pesquisa do DataFolha, apresentada em janeiro de 2021, mostra que cerca de 4 milhões de alunos abandonaram os estudos em todo o Brasil, uma taxa de evasão escolar de 8,4%. Já no Estado do Rio, a Secretaria estadual de Educação (Seeduc) afirma que apenas 2.800 estudantes, o equivalente a 0,4% dos mais de 700 mil alunos matriculados no ensino médio, teriam abandonado a escola. Os motivos podem ser os mais diversos.
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O ensino remoto é especialmente difícil para jovens portadores do transtorno do espectro autista. É o caso de Lucas Grillo, de 17 anos, sorteado para uma vaga no ensino médio no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (Iserj). As dificuldades começaram pouco antes da pandemia, quando o psicomotricista Vinicius de Moraes, pai de Lucas, tentou garantir um direito imprescindível para o filho estudar: um mediador escolar. Lucas mora com o pai e a irmã na Tijuca, bairro da Zona Norte no Rio. Diagnosticado aos 3 anos, enfrentou dificuldades em todas as escolas públicas e particulares pelas quais passou. No 7º ano, na rede municipal, foi a família que pagou o mediador que, de acordo com a Lei Federal 12.764, é obrigação do Estado. Na rede estadual, o impasse foi agravado pelo ensino remoto.
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O Iserj se comprometeu a organizar um concurso para a contratação de um profissional que pudesse auxiliar o jovem durante o ano letivo — o que, na prática, nunca aconteceu. Vinicius conta que chegou a se oferecer para arcar com os custos desse mediador, mas a instituição não aceitou. No Estado do Rio, segundo dados da Seeduc, os investimentos na educação de pessoas com deficiência caíram de forma abrupta entre 2018 e 2019: de quase R$ 7 milhões ao ano para R$ 195 mil, com uma leve recuperação em 2020 para pouco mais de R$ 1 milhão. Para a especialista em educação e professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Silvina Julia Fernández, a falta de organização das escolas torna difícil responder a desafios: “O financiamento educacional do Brasil não é um dos melhores do mundo. Se estava ruim, agora nem sei qual é o qualificativo de menor escala.”
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Veja o que já enviamosSem aulas, sem ensino adaptado e com atividades escolares inconsistentes e espaçadas pelo tempo, Vinicius diz que os danos para o aprendizado do filho são enormes e que, com as aprovações automáticas, o estudo fica cada vez mais defasado. A falta de ritmo e a ausência de contato com outros estudantes e professores comprometem também o desenvolvimento social de Lucas: “São nas relações fora de casa que você vai encontrar, de repente, alguma família que quer compartilhar com seu filho essa experiência, essa realidade de vida, as diferenças”, aponta Vinicius.
Para o psicomotricista, demitido no início da pandemia, a situação é de sobrecarga e, após anos lidando com o poder público ausente quanto às questões de inclusão e um filho sem aulas há praticamente um ano e meio, o apelo é pelo acolhimento das famílias que vivem essa realidade. “Que a gente não tenha que recorrer a tantos processos administrativos, tantos e-mails porque isso cansa, isso faz os pais desistirem”, desabafa.
Sem celular, sem aulas e sem perspectiva
Do outro lado da cidade, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, o início do ensino médio seria o começo de mais um ciclo escolar na vida de Israel Izael, de 16 anos. No entanto, desde que fez sua matrícula no Colégio Estadual Professora Jeannette de Souza Coelho Mannarino, ele só esteve no local quatro vezes, nenhuma delas para entrar em sala de aula. Seus estudos seriam apenas por celular, com a revisão dos conteúdos da série anterior, o 9º ano do ensino fundamental. O que não chegou a acontecer, pois o celular de Israel, que era o seu único meio de acesso às atividades, parou de funcionar e o deixou três meses sem contato com a escola.
Durante esse período, Israel se somou aos outros 35% de estudantes da rede pública no Brasil, índice calculado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), em 2019, que não têm celular. Quando percebeu que a crise não seria breve e que não era o único passando por dificuldades no ensino remoto, Israel se esforçou para voltar à rotina escolar e comprou um celular com o dinheiro que recebeu trabalhando. Voltou a acompanhar as atividades, mas isso não resolveu todos os problemas. Seus três irmãos, com idades entre 8 e 14 anos, deixam a casa agitada. “Aqui sempre foi muito barulhento, e eu não consigo me concentrar. Preciso de uma mesa, não consigo estudar deitado. Eu aprendo algo sim, algo não”, constata.
Da sua turma de 30 alunos, Israel estima que apenas cinco acompanham as atividades: “O governo não está ligando muito para o que a gente aprendeu. É bem mais fácil a escola passar a gente do que reprovar e oferecer um conteúdo melhor”. Israel conta que também enfrenta dificuldades para entender os conteúdos sem auxílio de um profissional por perto: “Não consigo estudar sem um professor. Sempre fui o aluno chato que levanta a mão toda hora para fazer pergunta”, relembra. Na ausência do contato com a equipe da escola, a família de Israel procura por uma explicadora. “Agora eles me incentivam mais, mas no começo estavam bem enrolados, porque são quatro pessoas estudando em uma casa onde ninguém estava preparado para uma pandemia”, diz o jovem.
[g1_quote author_name=”Silvina Julia Fernández” author_description=”Especialista em educação da UFRJ” author_description_format=”%No pós-pandemia, será necessário fazer um diagnóstico para identificar em que lugar da aprendizagem os estudantes estão. Há pessoas que não sabem o que é esperado para o seu ano escolar
[/g1_quote]O caso de Israel retrata o que a aponta a especialista da UFRJ Silvina: “No ensino presencial você trabalhava com a turma, agora se trabalha com cada estudante. Caso alguém não entenda, é preciso reformular o trabalho para essa pessoa. No pós-pandemia, será necessário fazer um diagnóstico para identificar em que lugar da aprendizagem os estudantes estão. Há pessoas que não sabem o que é esperado para o seu ano escolar”.
Educação como caminho para um futuro melhor
Kauã Emerson, de 16 anos, é morador do bairro de Ramos, na Zona Norte do Rio, e conta que, apesar da vontade de construir um futuro melhor para a família, estudar na pandemia é um desafio. Atualmente inscrito na Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Escola Municipal Brant Horta, na Penha, ele relata suas dificuldades: “Os professores não davam explicação, só passavam trabalhos para fazer. Então era só pesquisar pela internet e colocar a resposta, eu não aprendia nada”. Por conta dos problemas de adaptação ao modelo de ensino remoto, Kauã acabou repetindo o ano letivo de 2020. Hoje, refazendo o 1º ano do ensino médio, ele relata que o aplicativo e os métodos de ensino adotados pela instituição melhoraram em comparação ao ano anterior e que tem conseguido organizar bem o tempo para estudar.
Além da escola, a rotina do jovem também conta com trabalho durante o dia, no contraturno das aulas. Com a crise econômica vivenciada por conta da pandemia, ele acabou tendo que ajudar na fonte de renda da casa: o trailer de comida no qual seus pais garantem o sustento da família. Apesar de conseguir conciliar trabalho e estudo de forma tranquila, Kauã afirma que o incentivo da mãe tem sido fundamental, além da vontade de melhorar as condições de vida da família: “Quero ter um futuro para ajudar minha mãe e meu pai. Acho que eles ficam felizes por eu estar conseguindo trilhar um caminho melhor”.
A sobrecarga na pandemia com o ensino remoto
A diretora e professora Fabiana Nascimento diz que sempre se dispõe a atender aos pais de alunos dos Cieps 168 e 188, onde trabalha em Nova Iguaçu, na região metropolitana do Rio. Enquanto havia aulas presenciais, ela recebia as famílias dentro do horário de funcionamento das escolas. “Com a pandemia, nosso horário não tem um limite. Atendemos até tarde da noite, os pais mandam muitas mensagens nos fins de semana e nos feriados. Temos que responder para não deixar as pessoas aflitas”, relata Fabiana.
[g1_quote author_name=”Fabiana Nascimento” author_description=”Diretora dos Cieps 168 e 188, em Nova Iguaçu (RJ)” author_description_format=”%Com a pandemia, nosso horário não tem um limite. Atendemos até tarde da noite, os pais mandam muitas mensagens nos fins de semana e nos feriados. Temos que responder para não deixar as pessoas aflitas
[/g1_quote]Fabiana conta que tem se esforçado para que seus alunos possam acompanhar os conteúdos e tirar dúvidas. Por grupos em WhatsApp com pais e com as turmas, ela explica questões que surgem ao longo do ano letivo e dá orientações sobre o uso do aplicativo Applique-se, criado pela Seeduc em parceria com o Google, em março de 2021, no qual os estudantes podem acessar as aulas e aos materiais. Por orientação da Seeduc, todos os professores da rede devem realizar a busca ativa, procedimento de identificar e entrar em contato com alunos que deixaram de acompanhar as aulas sem justificativa. Não é uma tarefa fácil, principalmente no Ciep 168, onde há apenas cinco servidores trabalhando para atender a 900 alunos.
A última contratação de professores aconteceu em 2014, quando mil profissionais foram selecionados. Em abril deste ano, um decreto do Estado autorizou a Seeduc a abrir vagas para até 300 professores efetivos, mas isso ainda não aconteceu. Para Silvina, da UFRJ, novas contratações são essenciais: “É preciso prover as escolas com pessoas porque um único professor não dará conta de atender ao desnivelamento entre os alunos de uma mesma turma.”
Os alunos que não têm meios de acessar o Applique-se, estudam por apostilas impressas, mas não conseguem tirar dúvidas com os professores, porque as monitorias foram suspensas por causa da pandemia. Alguns estudantes dos Cieps 168 e 188 fazem parte da estatística da Pnad 2019 que revelou que 4 milhões alunos da rede pública no Brasil não estão conectados.
Ainda não é possível afirmar com certeza quais os impactos que a pandemia e o ensino remoto vão gerar nos estudantes fluminenses, mas já existem algumas previsões. Para a especialista Silvina, “quando se fala de educação, os efeitos aparecem em medianos e longos prazos. Eu me atrevo a dizer que o primeiro deles será o susto que a gente vai tomar com as taxas de evasão e, em seguida, com as de proficiência nas disciplinas do currículo”.
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Maria Nobre é estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e repórter estagiária nas editorias de Brasil, Economia e Mundo do jornal O Dia. É voluntária nas ONGs Women Walk Together e Words Heal the World. Apaixonada por política, cultura e conversas.
Rosamaria Santos é estudante de Jornalismo na UFRJ e colaboradora do Fala! Content, onde atua como redatora de marketing de conteúdo. É fluente em inglês e adora as editorias de Política e Cidade.
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O ISERJ é uma instituição vinculada à FAETEC. Logo, qualquer concurso ou contratação independe da instituição. Além disso, por se tratar de uma instituição pública não pode realizar por conta própria o pagamento de tutores ou quaisquer tipos de funcionários.