#RioéRua: paraísos e infernos de São Cristóvão

O bairro imperial e a sensação da Sapucaí entre a história e o progresso predador

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 18 de março de 2018 - 18:32 • Atualizada em 18 de março de 2018 - 22:49

A beleza da Quinta da Boa Vista, solitária durante a semana (Foto Oscar Valporto)
A beleza da Quinta da Boa Vista, solitária durante a semana (Foto Oscar Valporto)
A beleza da Quinta da Boa Vista, solitária durante a semana (Foto Oscar Valporto)

Nos debates pós-carnavalescos, depois do desfile sensação com manifestoches e vampirão presidencial na Sapucaí, alguém me fez a pergunta: afinal, onde é esse morro do Tuiuti? Foi quando eu percebi que, apesar de todas as andanças jornalísticas e carnavalescas, nunca tinha subido o morro nem pisado na quadra da Paraíso do Tuiuti. E olha que, na adolescência, fui ver algumas peladas no estádio do São Cristóvão e, adulto, fiz umas tantas incursões gastronômicas ou profissionais na feira nordestina do pavilhão. Olhei no mapa – adoro um mapa – e descobri que o Morro do Tuiuti é perto da Quinta da Boa Vista e, portanto, não longe das estações do metrô e do trem.

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O século XIX, nos tempos do Império do Brasil, foi o melhor para este bairro, que ganhou seu nome de uma capela – a primeira fora do centro da cidade – construída pelos jesuítas à beira-mar em 1627 – o trecho da Baía de Guanabara passou a ser chamado de praia de São Cristóvão.

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O Bairro Imperial de São Cristóvão, nome oficial, começa, para quem chega pelos trilhos, com uma visão do paraíso: os jardins e lagos da Quinta, parque que merece melhor tratamento e ocupação. Durante a semana, dá uma certa melancolia ver um lugar tão bonito, assim tão vazio. Faltam até crianças no Jardim Zoológico vizinho, ainda mais maltratado. No ponto mais alto do parque, está o Paço da Imperial Quinta de São Cristóvão, residência da família real de 1809 até a Proclamação da República e onde funciona hoje o Museu Nacional de Arqueologia e Antropologia.

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A igrejinha de São Cristóvão, hoje, bem longe do mar (Foto Oscar Valporto)
A igrejinha de São Cristóvão, hoje, bem longe do mar (Foto Oscar Valporto)

O século XIX, nos tempos do Império do Brasil, foi o melhor para este bairro, que ganhou seu nome de uma capela – a primeira fora do centro da cidade – construída pelos jesuítas à beira-mar em 1627 – o trecho da Baía de Guanabara passou a ser chamado de praia de São Cristóvão. A Companhia de Jesus era dona de imensa área – de São Cristóvão até Inhaúma – desde 1565, ano de fundação do Rio de Janeiro. Três meses depois de fundar a cidade, Estácio de Sá entregou essa sesmaria aos jesuítas, que lutaram a seu lado contra os franceses, a pedido do padre Gonçalo de Oliveira, capelão da primeira missa da nova cidade de São Sebastião.

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Esses dias de paraíso acabaram com a chegada da República, que virava às costas a tudo que lembrasse o Império, e, principalmente, do progresso que só fez mal a São Cristóvão.

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Para chegar no Morro do Tuiuti, basta atravessar a quinta e caminhar um pouco mais até a movimentada Rua São Luís Gonzaga, onde estão as principais entradas. A comunidade é pequena – calcula-se pouco mais de cinco mil moradores – e tranquila, principalmente em comparação com outras favelas da cidade. A instalação da UPP fez bem ao morro, como a quase todos com comunidades pequenas. Não cheguei nessa caminhada a subir até o ponto alto onde tem uma miniestátua do Cristo Redentor e vista para a antiga residência da família real, mas já tinha apreendido que a história do Tuiuti se confunde com o passado imperial do bairro. Há registros nos arquivos da cidade de um caminho que ligava o Palácio Real ao alto do ainda bucólico morro, onde havia um reservatório de água que abastecia a residência do Imperador.

Morro do Tuiuti: ninho da escola-sensação do carnaval (Foto Oscar Valporto)
Morro do Tuiuti: ninho da escola-sensação do carnaval (Foto Oscar Valporto)

Esses dias de paraíso acabaram com a chegada da República, que virava às costas a tudo que lembrasse o Império, e, principalmente, do progresso que só fez mal a São Cristóvão. Nos primeiros anos do século XX, foram as obras de expansão do porto, que aterraram uma área enorme e foram empurrando a igreja que dá nome ao bairro para bem longe do mar. Atrás do porto, vieram as indústrias: em 1911, com a construção e inauguração do gasômetro, a vida dos moradores foi virando um inferno de barulho e poluição, que só pioraram três décadas depois com as obras da Avenida Brasil e, em seguida, com os viadutos que a ligavam ao Centro.

Debaixo do viaduto, quase um inferno, a quadra da Paraíso da Tuiti (Foto Oscar Valporto)
Debaixo do viaduto, quase um inferno, a quadra da Paraíso da Tuiti (Foto Oscar Valporto)

O tal de progresso maltratou mais o Bairro Imperial: na década de 70, as Vias Elevadas Professor Engenheiro Rufino de Almeida Pizarro passaram literalmente por cima e sufocaram a Rua Figueira de Melo, com perverso efeito semelhante ao ocorrido na Paulo de Frontin: a poluição – do ar, sonora e visual – só piorou quando as vias elevadas viraram acesso à Linha Vermelha. Oficinas e lojas de ferragem substituíram antigas residências. Campeão carioca de 1926, com estádio na Figueira de Melo, o São Cristóvão Futebol e Regatas está na terceira divisão do Campeonato Carioca: uma sucursal do inferno. Debaixo das vias elevadas, já perto da Feira Nordestina, também está a acanhada quadra da Paraíso do Tuiuti, escola de samba nascida, em 1946, da fusão da Unidos do Tuiuti com o Paraíso da Baianas, as duas agremiações do morro.

Bestalhão, bar tradicional do bairro (Foto Oscar Valporto)
Bestalhão, bar tradicional do bairro (Foto Oscar Valporto)

No ano que o samba levou o bairro para perto do paraíso, a caminhada por São Cristóvão ainda leva a prédios históricos como o palacete que Dom Pedro I mandou construir logo após a Independência para sua amante, a Marquesa de Santos. Museu do Primeiro Reinado a partir de 1979, o palacete está fechado à visitação desde 2012, em uma dessas infernais reformas que nunca terminam. Também revela pérolas históricas como o bairro Santa Genoveva, um minibairro dentro de São Cristóvão com preservado casario que completou 100 anos em 2017. Santa Genoveva, aliás, batiza oficialmente outro paraíso de São Cristóvão, o botequim que todos conhecem como O Bestalhão.  O grande Gabriel Cavalcante, sambista e gourmet, havia recomendado o cordeiro das quintas. Mas era terça, a fome, muita, a sede, após duas horas de caminhada, muita: encarei uma excelente rabada, acompanha por geladíssimas cervejas – ótima alternativa em São Cristóvão para quem não tem paladar para os pratos nordestinos da feira e nem bolso para frequentar o bacalhau do Adegão Português, tradicionais pontos gastronômicos do bairro imperial.

#RioéRua

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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