Tráfico ordena alta de preços após confrontos na Rocinha

Cena da ocupação militar na Rocinha em setembro de 2017. Foto Carl de Souza/AFP

Moradores da favela, que já eram pressionados por custos altos sob o mando de Rogério 157, veem situação piorar, mesmo com ocupação

Por Claudia Silva Jacobs | ODS 11 • Publicada em 24 de setembro de 2017 - 17:54 • Atualizada em 27 de setembro de 2017 - 19:59

Cena da ocupação militar na Rocinha em setembro de 2017. Foto Carl de Souza/AFP
A favela da Rocinha está ocupada pelas Forças Armadas, mas moradores seguem temendo do tráfico (Foto de Carl de Souza/AFP)
A favela da Rocinha está ocupada pelas Forças Armadas, mas moradores seguem temendo do tráfico (Foto de Carl de Souza/AFP)

Após quatro dias trancado em casa com a família, no alto da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, Luís (nome fictício) saiu para comprar um botijão de gás, que acabara na tarde anterior. Logo pela manhã deste domingo, graças a uma aparente trégua no confronto entre traficantes rivais e a ação da polícia, aproveitou para abastecer a casa. Acostumado ao já exorbitante preço, que variava entre R$ 80 e R$ 90, o mais caro da cidade, descobriu que o botijão passou a custar R$ 110. “Ordens do Rogério. Com as bocas (de fumo) fechadas esta semana, está faltando dinheiro”, disse o vendedor aos consumidores surpresos. E a vida na Rocinha tem sido assim. Direito do consumidor é algo que não existe na cartilha de Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, que desde que assumiu o controle do tráfico de drogas impôs um clima de milícia, controlando serviços e inflacionando os preços. Isso, em uma comunidade considerada pacificada pelo governo do estado. E na última semana a situação só se agravou.

Quem está fora da Rocinha ou mesmo nas áreas baixas da favela não tem ideia de como está a vida no alto da comunidade e em regiões como a localidade conhecida como Valão nos últimos dias. Milhares de moradores estão trancafiados em casa desde quarta-feira, comércio fechado, exceto algumas padarias durante o dia, e com a movimentação reduzida nas ruas e becos, uma espécie de toque de recolher imposto pelos traficantes. O clima de incerteza é geral. Se o dinheiro já era curto, agora piorou.

Para os milhares de moradores da Rocinha, a situação se agravou quando o comando chegou às mãos de Rogério 157. Ele é temido e odiado por ter criado um clima de terror, extorsão e até mesmo controle na circulação de moradores

Ao sair para ir ao supermercado nos arredores da comunidade, em São Conrado, Gabriela (nome fictício) descobriu que a van até a estação de metrô passou de R$ 3,50 para R$ 3,80. O jeito foi pagar, sem reclamar. Hoje, uma viagem dentro da comunidade custa mais do que qualquer ligação rodoviária dentro do município. Uma passagem do Centro da cidade a Santa Cruz, um percurso de 60 quilômetros, custa R$ 3,60, mais barato do que a conexão, que leva menos de dez minutos. É que tanto os mototaxistas como os motoristas de vans pagam o chamado “arrego” implementado pela quadrilha de Rogério. E o valor aumentou desde o início da semana, repassado imediatamente aos moradores.

Sair para fazer qualquer compra é uma aventura perigosa nesses dias na Rocinha (Foto Bruno Itan / AGIF)
Sair para fazer qualquer compra é uma aventura perigosa nesses dias na Rocinha (Foto Bruno Itan / AGIF)

A violência e descontrole aumentou nos últimos dias, quando Nem enviou ordens para que a quadrilha de Rogério fosse expulsa da comunidade. O “dono” do morro estava irritado com os desmandos e as práticas de milícia implementadas por ordem de 157, seu substituto que resolveu se rebelar e impor suas próprias regras. Aí, começou o confronto que tomou proporções ainda maiores com a chegada de mil integrantes das Forças Armadas, na última sexta-feira. São tanques pelas ruas e traficantes com fuzis e armas pesadas espalhados por casas, becos e pela mata.

Sobrepreços e vidas sob vigilância

Desrespeito para quem vive em favelas é algo recorrente. Para os milhares de moradores da Rocinha, a situação se agravou quando o comando chegou às mãos de Rogério 157. Ao contrário de seu antecessor Antônio Bonfim Lopes, o Nem, preso em um presídio de segurança máxima em Porto Velho, Rondônia, respeitado pela maioria dos moradores, Rogério é temido e odiado por ter criado um clima de terror, extorsão e até mesmo controle na circulação de moradores. Qualquer menção ao nome “Nem” pode ser motivo para “um pau” (surra). Isso conta até mesmo para um comentário despretensioso durante um papo no botequim, entre cervejas. Tem olheiros por todos os lados. E controle em cada beco. Luís contou que na última quarta-feira (último dia que pode sair para trabalhar) foi parado no beco onde mora por um olheiro do tráfico. Ele estava com a câmera do celular no bolso da calça virada para fora: “Ei, o que você está filmando aí? Deixa eu ver seu celular”. Luís mostrou que não tinha nada e foi repreendido. “Põe a câmera pra dentro, tá panguando? (está lerdo, está dormindo, no dicionário informal)”, ouviu do agente de 157.

E a pergunta fica no ar: quem vai pagar as contas no final do mês? Quem vai cobrir as altas dos custos e os dias sem trabalho? Quem vai pagar a  reforma das casas arrasadas por marcas de bala? A agonia dos moradores está longe do fim.

E nessa onda de controle da vida e das finanças, moradores mais atentos não vacilam: qualquer troca de vídeos ou mensagens sobre o dia a dia na favela está sendo devidamente apagada do Whatsapp. É que, se alguém passar por uma varredura dos traficantes e for confundido com um X-9 (delator), pode ser imediatamente castigado. Nem mesmo em casa se escapa do controle. As paredes têm ouvidos atentos e em alerta nos últimos tempos. Em locais onde vizinhos têm alguma relação com o bando de Rogério, até mesmo as conversas em casa estão sendo controladas, e os televisores ligados nos noticiários podem ser vistas com suspeitas. É que os traficantes estão usando, em muitos casos, as lajes como esconderijo e os moradores não querem nem irritar os traficantes, ou  chamar a atenção dos policiais e militares que estão circulando nos becos e vielas da favela. Um tiroteio pode ter consequências sérias para quem está dentro das casas.

Além dos custos mais altos, os dias perdidos sem trabalho (já que muitos são trabalhadores informais ou diaristas) e crianças fora das creches e escolas, o temor para os próximos dias é a possibilidade de aprovação do pedido coletivo de busca e apreensão em casas da favela, podendo colocar ainda mais em risco a vida dos reféns desse confronto. Esta segunda-feira promete ser tensa para os moradores. Já foram avisados que escolas, serviços médicos e o comércio não devem abrir as portas. Talvez, mais um dia em que os moradores vão ficar trancados em suas casas, se escondendo das balas perdidas, dormindo no chão. E a pergunta fica no ar: quem vai pagar as contas no final do mês? Quem vai cobrir as altas dos custos e os dias sem trabalho? Quem vai pagar a  reforma das casas arrasadas por marcas de bala? A agonia dos moradores está longe do fim.

Claudia Silva Jacobs

Carioca, formada em Jornalismo pela PUC- RJ. Trabalhou no Jornal dos Sports, na Última Hora e n'O Globo. Mudou-se para a Europa onde estudou Relacões Políticas e Internacionais no Ceris (Bruxelas) e Gerenciamento de Novas Mídias no Birkbeck College (Londres). Foi produtora do Serviço Brasileiro da BBC, em Londres, onde participou de diversas coberturas e ganhou o prêmio Ayrton Senna de reportagem de rádio com a série Trabalho Infantil no Brasil. Foi diretora de comunicação da Riotur por seis anos e agora é freelancer e editora do site CarnavaleSamba.Rio. Está em fase de conclusão do portal cidadaoautista.rio. E-mail: claudiasilvajacobs@gmail.com

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