O insustentável silêncio dos planos de governo

A criação de um mercado de carbono no Brasil para financiar as energias renováveis e o reflorestamento faz parte das propostas do CEBDS. Foto CORMON Francis / hemis.fr /Hemis

Candidatos à presidência ignoram conceitos básicos de desenvolvimento sustentável

Por Marina Grossi | ODS 15ODS 8 • Publicada em 10 de setembro de 2018 - 08:38 • Atualizada em 10 de setembro de 2018 - 15:00

A criação de um mercado de carbono no Brasil para financiar as energias renováveis e o reflorestamento faz parte das propostas do CEBDS. Foto CORMON Francis / hemis.fr /Hemis
A criação de um mercado de carbono no Brasil para financiar as energias renováveis e o reflorestamento faz parte das propostas do CEBDS. Foto CORMON Francis / hemis.fr /Hemis
A criação de um mercado de carbono no Brasil para financiar as energias renováveis e o reflorestamento faz parte das propostas do CEBDS. Foto CORMON Francis / hemis.fr /Hemis

Juntos, os planos de governo dos 13 candidatos à Presidência da República somam 563 páginas, sendo que alguns possuem menos de 10 e um deles mais de 200. Juntas, as menções ao termo “sustentável” somam 75 citações, sendo que em pelo menos três deles (com menores índices nas pesquisas) sequer aparecem, e em quatro aparece como uma citação vaga que em nada esclarece sobre os reais objetivos. Falar em desenvolvimento sustentável e se posicionar como um propositor efetivo exige do candidato um indicativo mais assertivo sobre quais são os caminhos a serem trilhados. A falácia de um desenvolvimento “sustentável” no termo e inexequível na prática já consumiu recursos, tempo e paciência em demasia da combalida sociedade brasileira.

A falácia de um desenvolvimento “sustentável” no termo e inexequível na prática já consumiu recursos, tempo e paciência em demasia da combalida sociedade brasileira

Também atrelar o termo à economia, ao social ou ao meio ambiente separadamente já deveria ser prática superada. O conceito de sustentabilidade, como apenas três candidatos citaram de maneira mais completa, abrange maior amplitude do que o reflorestamento ou os cuidados com o meio ambiente – e estes dois aspectos obviamente não podem ser esquecidos.

A sustentabilidade de uma sociedade bem constituída e pronta para o desenvolvimento com bases sólidas, provém de eficiência no uso de seus recursos naturais, com o devido cuidado para que não se esgotem; mas também deve estar fundamentada em boas políticas de educação e saúde, que permitam a redução da desigualdade da riqueza e da cultura no País. Só com maior justiça social podemos fortalecer a produção local, visando o atendimento ao mercado interno ou externo, gerando empregos qualificados que possam incorporar esses trabalhadores igualmente qualificados nos desafios que temos pela frente com a Quarta Revolução Industrial.

Uma sociedade sustentável é aquela que conhece seus direitos, que concebe suas leis para preservar o bem comum, e que busca a todo custo a preservação de seus recursos naturais como a melhor forma de garantir seu sustento ao longo de gerações futuras.

Um País sustentável sabe de seus compromissos internacionais e a necessidade de cumpri-los em prol de uma nova geopolítica que nos insira de forma ainda mais competitiva. O postulante ao mais elevado cargo executivo do País não pode fugir a esses compromissos que são de Estado e não de governos anteriores. Ele, ou ela, tem o dever de se colocar à disposição do cumprimento de acordos que beneficiem a sociedade brasileira em nível global e local.

Um País sustentável sabe de seus compromissos internacionais e a necessidade de cumpri-los em prol de uma nova geopolítica que nos insira de forma ainda mais competitiva. O postulante ao mais elevado cargo executivo do País não pode fugir a esses compromissos que são de Estado e não de governos anteriores

Estamos falando de sustentabilidade, e estamos falando de negócios. O novo presidente terá pela frente um primeiro ano de governo em que há possibilidade de o Brasil sediar a próxima Conferência Mundial do Clima, dado ao seu protagonismo e às oportunidades existentes para que o País assuma a liderança dessas discussões no mundo. E este tema não é menos importante do que a saúde, a educação, ou mesmo a segurança – que parece ser o mote das discussões polarizadas das eleições de 2018 – pois perpassa todos eles.

Falar de clima é falar de escassez de recursos hídricos; é falar das emissões de carbono que podem ser taxadas e usadas para financiar energias renováveis; é falar de saneamento básico, e por isso mesmo, da prevenção de doenças geradas por esse problema que remonta ao século XIX; é falar de geração de emprego direto, a partir de novos empreendimentos sustentáveis gerados com reflorestamento, e com a implementação de projetos de smartgrid. Falar de sustentabilidade, à essa altura, é identificar o “bode da sala”, porque, afinal, ela trata do nosso futuro, em todos os aspectos e parece displicência do postulante que não dá a devida importância ao tema.

Ciente de nosso papel fundamental para promover o encontro entre os anseios da sociedade, as experiências de nossas empresas associadas, e a elaboração de políticas públicas em prol de um amanhã sustentável, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) preparou uma agenda com dez propostas transversais aos temas de eficiência energética, saneamento básico, igualdade de direitos, redução de emissões e efetiva criação de um mercado de carbono no Brasil para financiar as energias renováveis e o reflorestamento. Essa agenda está sendo entregue aos presidenciáveis e demais candidatos e será acompanhada com lupa junto ao Congresso Nacional nos próximos anos.

Já perdemos oportunidades demais com a ausência de debates sustentáveis sobre o futuro. Não há mais tempo para ignorar essas ausências. É preciso ocupá-las. Estamos fazendo o nosso papel, e esperamos que juntos – governo, sociedade e empresas – possamos avançar nos temas que contemplem estes anseios.

Marina Grossi

Marina Grossi, economista, é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade com mais de 100 empresas associadas cujo faturamento somado equivale a quase 50% do PIB brasileiro. Foi negociadora do Brasil na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima entre 1997 a 2001 e coordenadora do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas entre 2001 e 2003.

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Um comentário em “O insustentável silêncio dos planos de governo

  1. Hylton Sarcinelli Luz disse:

    Parabéns pela pertinência e clareza da abordagem da à matéria, ainda mais pela condução CEBDS em seu propósito de acompanhar e cobrar a agenda da sustentabilidade do Congresso Nacional. Este trabalho é da maior relevância para o futuro de um tempo que corre contra todos.

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