Vai ter gorda no Carnaval

O movimento pelo empoderamento das mulheres plus size invadiu as praias e agora desembarca na folia

Por Martha Esteves | ODS 9 • Publicada em 28 de fevereiro de 2017 - 09:15 • Atualizada em 27 de fevereiro de 2019 - 15:47

A grafiteira Sista Kátia e um dos painéis pintados por ela nas ruas de Salvador: sereia plus size. Foto de Divulgação

Tire a sua gordofobia do caminho que as gordinhas querem passar e ocupar todos os espaços. E elas vão desfilar suas curvas, dizendo um sonoro não ao bullying de cada dia, sofrido principalmente pelas adolescentes, por estarem fora dos padrões impostos pela moda, pelas revistas femininas, as novelas e os programas de televisão… Então, a ordem é vestir o biquíni, botar o bloco na rua e gritar que Vai ter Gorda na Praia e no Carnaval, sim! E tem na Playboy, também.

O empoderamento das mulheres gordas foi o tema do Bloco das Direitinhas, fundado em Salvador, há dez anos, por Dekka Direitinha. Nos abadás, a hastag deu o recado: #VaiTerGorda e #XôGordofobia. O desfile foi ontem (23 de fevereiro), no Circuito Mestre Bimba, com 700 mulheres envolvidas diretamente com o projeto e cerca de quatro mil simpatizantes.  Na Rosas de Ouro, que fecha o desfile deste sábado, dia 25, das escolas de samba de São Paulo, vai ter uma ala só de passistas plus size. O enredo fala em grandes banquetes.

A jornalista Naiana Ribeiro entre as modelos Rebecca Pontual e Adriana Santos: empoderadas. Foto de Milena Abreu/Reprodução Facebook

O movimento pelo empoderamento das gordinhas não para de crescer. Uma das militantes é a modelo baiana Adriana Santos, de 31 anos. Ela já participou de vários desfiles e concursos de miss plus size. Mas gosta mesmo é de comandar ações como o Movimento Vai Ter Gorda, que realiza atos na praia, palestras, campanhas para doação de sangue, atividades físicas, aulas de dança, entre outros eventos. “A gente também se preocupa com as políticas públicas em relação à acessibilidade, como nos meios de transporte. Mas as ações que envolvem Carnaval, arte ou praia sempre chamam muito mais a atenção”, reconhece a modela, que está grávida e pesa 110 quilos.

A arte pode ser o caminho mais curto para o entendimento. A grafiteira soteropolitana Sista Kátia, de 30 anos, é gordinha desde criança. Atualmente, pesa 90 quilos, distribuídos em 1,55m. Inúmeras vezes foi alvo de comentários maldosos. Inspirada no anarquismo, no feminismo e no movimento punk, travou suas batalhas diárias, mas só passou a lutar contra a gordofobia com força total quando criou a página Gordivas no Facebook e no Instagram. Inicialmente, postava frases de efeito, ensaios fotográficos, dicas de saúde e alimentação, para seu público alvo. Mas decidiu sair do virtual para promover eventos que juntassem as gordinhas de todo o Brasil na capital baiana, como o Gordivas Invadem a Praia. “Era muito mais do que um banho de mar. Queria saber como elas se sentiam, conversar com cada uma, trocar experiências. Rolou muita empatia”.

A dica que dou para quem sofre com críticas e cobranças é trabalhar a cabeça e a autoestima.

O grafite mais representativo de Sista Katia é uma sereia gorda, que ela desenha com diversas formas e cores, com nuances entre o místico e o lúdico. “Isso é pra mostrar que a gente pode ser plural, que não é só um corpo que define a humanidade”, explica a artista, que também mantém a página Margginais no Instagram, onde dá dicas de roupas versáteis para as gordas, fala sobre mercado de trabalho, além de publicar poesias e reflexões.

Sempre teve gorda na praia. Constatação simples da miss plus size e capa da Playboy Fluvia Lacerda, de 36 anos. Para ela, o que falta é respeito. Ela não gosta de rótulos como gordivas.  “Se faz bem a algumas pessoas, levo fé! Pessoalmente, eu não uso e nem curto. Ser gorda não me define, é apenas uma das várias coisas que me constituem como pessoa e como mulher”. Ela prefere falar em “empoderamento feminino”.  “Nosso massacre diário como mulheres, infelizmente, engloba muito mais do que a gordofobia”.

Fluvia, que foi capa da Playboy: “Sempre me achei linda como sou”. Foto: Reprodução do Facebook

A modelo, no entanto, apóia movimentos e manifestações em defesa das que sofrem críticas e abusos por estarem fora do padrão de magreza. Mas defende que a mudança tem de se interna. “A dica que dou para quem sofre com críticas e cobranças é trabalhar a cabeça e a autoestima. Busque reestruturar seus valores, priorizando a sua vida e a beleza de tudo o que você é capaz. Pensamentos e pessoas negativas não se modificam com berros e frases fodas na internet. Isso só se muda com atitudes. Quando você vive sem se importar com a maldade alheia, ela perde a força e, eventualmente, deixa de existir”. Fluvia nunca fez dieta para emagrecer. “Sempre tive saúde e sempre me achei linda como sou”.

Encontramos problemas para comprar roupa, para usar os transportes públicos, os banheiros. Não é fácil ser gordo

A jovem jornalista Naiana Ribeiro, de 22 anos, idealizadora e editora da revista eletrônica EusouPlus.com, não se sentia representada pelas revistas que estampam garotas magrinhas em suas páginas e decidiu fazer a sua, que explora diversos temas do universo plus size, para dividir com as mulheres de peso. Ela é vaidosa, adora usar maquiagem e se vestir bem, apesar da dificuldade de encontrar roupas para seu tamanho. “O mundo não está adequado para nós e acham que temos que nos adequar ao que está aí. Encontramos problemas para comprar roupa, para usar os transportes públicos, os banheiros. Não é fácil ser gordo”, lamenta. Mas não se entrega. Uma vez, na época do Orkut, invadiram a conta dela para chamá-la de “leitoa”, “baleia”. “Na época, fiquei muito chateada”, conta. “Hoje em dia, ainda bem, não considero ‘gorda’ uma ofensa. Quem dá peso às palavras são as pessoas”.

Não tá fácil pra ninguém. A linda Siera Bearchell, representante do Canadá e top 9 no Miss Universo, foi alvo de comentários ferinos por causa de sua silhueta curvilínea. E soube responder na lata quando perguntada por uma jornalista como se sentia sendo mais gordinha do que as outras concorrentes . “Fiquei quase sem palavras. Pensei: como eu me sinto redefinindo a beleza? Minha resposta: ‘eu me sinto ótima! Esta é a geração da diversidade corporal!'”.

Enquanto isso, no Brasil, a novelinha Malhação, que pretende atingir o público jovem, marcou um tremendo gol contra na semana passada. O personagem Giovane, um bonito jogador de vôlei de praia, travou o seguinte diálogo com a bela namorada: “Me promete uma coisa? Promete que vai ficar bem gorda pros caras pararem de chegar em você? A namorada responde: Gorda? Pra você me largar? Nada Disso!!!”.

A cena revoltou o movimento. Logo, a estilista Paloma Souto Andrade lançou um texto numa rede social protestando. “Em primeiro lugar, se você pensa que gordo não beija, não transa, não namora, não é desejado por ninguém deixa eu te contar uma novidade…Nós fazemos tudo isso e existimos como qualquer ser humano. Aceita que dói menos. Segundo: nenhum profissional nessa porcaria se questiona sobre o efeito dessa mensagem na mente de uma menina que ainda não aprendeu a se amar e sofre com isso?”.

Mulheres do movimeto Vai Ter Gorda na Praia. Foto de divulgação

Paloma é uma das modelos da fotógrafa e artesã paulista Erika Cadôr, de 42 anos , moradora de Santos, e uma das idealizadoras do movimento Vai ter Gorda na Praia.  “Tem sido positivo demais, porque gordinha que nem tirava a camiseta na praia hoje usa biquíni numa boa. Mas claro que recebo crítica de gente ignorante. Me chamam de feminista e petista”, diverte-se Erika, que pesa quase 130 quilos. Ela também mantém o projeto S.O.S Divas, que dá um trato no visual das gordinhas para resgatar sua autoestima.
As gordinhas bem resolvidas de hoje mandam um recado para os gordofóbicos valentões da internet ou os saradões da vida real: o mundo é redondo e dá voltas.

Martha Esteves

Martha Esteves é jornalista esportiva há 33 anos. Começou na revista Placar, trabalhou no Jornal do Brasil e foi subeditora do caderno de esportes de O Dia por 20 anos. Também trabalhou como freelancer para a TV Globo e as revistas Claudia, Caras, Playboy, Quatro Rodas e Marie Claire. Ela joga nas 11.

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