Batalha do marco temporal de volta ao Supremo

Indígenas protestam contra o marco temporal na Praça dos Três Poderes: batalha sobre direitos indígenas de volta ao Supremo (Foto: Pedro Ladeira / Greenpeace – 18/05/2023)

Após sanção da lei estabelecendo limite aos direitos indígenas, STF recebe três ações sobre tese já considerada inconstitucional

Por Oscar Valporto | ODS 16 • Publicada em 5 de janeiro de 2024 - 09:44 • Atualizada em 8 de janeiro de 2024 - 18:35

Indígenas protestam contra o marco temporal na Praça dos Três Poderes: batalha sobre direitos indígenas de volta ao Supremo (Foto: Pedro Ladeira / Greenpeace – 18/05/2023)

Nesta primeira semana de 2024, o Supremo Tribunal Federal recebeu Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de três partidos, com pedido de liminar, contra a Lei 14.701/2023, instituindo o marco temporal estabelecendo que os povos indígenas só têm direito ao reconhecimento e demarcação de territórios se comprovarem sua presença nas áreas em 5/10/1988, data da promulgação da Constituição Federal. Foi a segunda ADI com o mesmo objetivo – na última semana de 2023, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e dois partidos haviam protocolado outra ação contra o marco temporal. E o STF também recebeu uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) de partidos defendendo a lei aprovada no Congresso.

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A nova batalha sobre os direitos dos povos indígenas às suas terras começou após a lei nº 14.701/2023, considerada como lei do genocídio para o movimento indígena, ser promulgada, na quinta-feira (28/12) pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Aprovado em maio na Câmara, o projeto limitando os direitos indígenas às terras ocupadas em 1988, foi referendado pelo Senado em setembro, uma semana depois do STF considerar inconstitucional a tese do marco temporal. O presidente Lula vetou este trecho da lei, mas, em 14 de dezembro, sessão conjunta do Congresso Nacional derrubou os vetos presidenciais.

A primeira ADI foi protocolada pela Apib, em conjunto com os partidos políticos Rede e PSOL, com pedido de concessão da medida cautelar para que sejam suspensos os efeitos da legislação sancionada pelo Congresso. “A Lei nº 14.701/2023 constitui o maior retrocesso aos direitos fundamentais dos povos indígenas desde a redemocratização do país”, afirmam os advogados na petição inicial de 104 páginas da ADI 7582, argumentando que a lei “pretende alterar a Constituição da República e desfigurar os direitos nela inscritos pelo constituinte originário, impondo,
aos povos indígenas, retrocessos, violências e proteção deficiente”.

A Apib e seus aliados destacam ainda que, além do marco temporal, a lei tem outras “inconstitucionalidades explícitas” por alterar a Constituição por meio de lei ordinária e proibir a revisão da demarcação e reavivar “paradigmas ditatoriais, retrógrados e de cunho racista, como o assimilacionismo, integracionismo e o regime tutelar, que foram extirpados do ordenamento jurídico brasileiro com a nova ordem constitucional de 1988”.

No total, a ADI pede a declaração de inconstitucionalidade de 18 artigos da Lei nº 14.701/2023. O advogado Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib e um dos responsáveis pela ADI, afirma que a Lei nº 14.701/2023 tem ainda “manifesto revanchismo parlamentar”, lembrando que o Senado pautou o PL no mesmo dia do julgamento do marco temporal no STF. “Vivemos em um sistema de freios e contrapesos e o limite imposto pelo Poder Legislativo é o de não aprovar leis que atentem contra cláusulas pétreas estabelecidas na Constituição Federal”, argumenta Terena.

A petição também pede que a ADI tenha como relator o ministro Edson Fachin, que também relatou o Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, no qual o STF rejeitou o marco temporal. E defende a urgência da medida cautelar. “Enquanto a ADI tramita no STF, nós povos indígenas, não podemos sofrer os danos da lei. É por isso que estamos solicitando uma medida cautelar, ou seja, que a lei seja suspensa durante o processo da ação de inconstitucionalidade”, explica Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib.

Nesta primeira semana de 2024, foi protocolada uma segunda ação – A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7583, com pedido de liminar, apresentada por PT, PCdoB) e PV. Os partidos argumentam que o STF já “concluiu que a adoção desse marco temporal para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas não é compatível com a proteção constitucional aos direitos dos povos indígenas sobre seus territórios”. A ADI incorpora a argumentação feita pelo governo para os vetos do presidente Lula.

PT, PCdoB e PV também requerem medida cautelar para “suspender os efeitos jurídicos dos dispositivos impugnados nesta Ação Direta de Inconstitucionalidade, até seu julgamento definitivo, seja pela plausibilidade jurídica do pedido, considerando a recente apreciação dos temas objeto desta demanda, por ocasião do julgamento do RE 1017365, seja em razão do risco iminente e de difícil reparação decorrente da vigência das normas ora impugnadas, que possibilitarão recrudescimento de conflitos fundiários e acirramento”. A ADI 7583 também pede que Facchin seja o relator.

Do outro lado da batalha jurídica no Supremo, os partidos PL, PP e Republicanos pediram que o STF declare a validade da legislação, por meio da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87. Os oposicionistas, com grande influência da bancada ruralistas, argumentam que a lei nasce em meio a uma grande disputa política. Segundo os partidos políticos, os vetos presidenciais “revelam apenas discordâncias políticas entre a Presidência da República e o Congresso Nacional e que, de acordo com a própria regra constitucional que possibilita a derrubada de vetos, a decisão política das Casas Legislativas deve prevalecer à posição do presidente da República”.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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