ODS 1
Biomas desprotegidos: deputados aprovam redução da defesa da vegetação nativa
De acordo com ambientalistas, projeto deixa sem proteção 50% do Pantanal, 32% dos Pampas, 7% do Cerrado, 6,5% da Mata Atlântica, além de quase 15 milhões de hectares na Amazônia
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta (20/03), novo texto para o PL 364/2019 que ameaça todos campos nativos dos biomas no Brasil. Nota técnica divulgada pela Fundação S.O.S. Mata Atlântica classifica o projeto como “extremamente grave, por, numa só tacada, retirar a proteção adicional a toda a Mata Atlântica, bem como deixar completamente desprotegidos cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos em todo o país, o que significa desproteger 50% do Pantanal (7,4 milhões de hectares), 32% dos Pampas (6,3 milhões de hectares) e 7% do Cerrado (13,9 milhões de hectares) além de quase 15 milhões de hectares na Amazônia”.
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O texto – um substitutivo do deputado Lucas Redecker (PSDB/RS) ao projeto original do deputado Alceu Moreira (MDB/RS), ambos da bancada do agronegócio – altera a legislação ambiental brasileira para transformar todas as áreas de campos nativos existentes no país em “áreas rurais consolidadas”, caso tenham sido “utilizadas” para pastoreio. “O PL 364/19 é a maior das boiadas contra todos os biomas brasileiros. Libera o desmatamento em todo o país para defender interesses privados. E com o falso argumento de que nenhuma árvore será derrubada, ignora a importância dos campos nativos e das formações não florestais que abrangem 50,6 milhões de hectares no Brasil – considerando, além dos campos nativos, áreas não florestais como as alagadas e de restinga, afirmou Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica e uma das autoras do trabalho
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Veja o que já enviamosDe acordo com a nota técnica, o texto deixa os biomas desprotegidos. “Na prática, todas as áreas de campo nativo do país deixam de ter proteção legal, na medida em que juridicamente são equiparadas as áreas de uso agrícola e, portanto, não precisam mais de autorização para conversão, pois, aos olhos da lei, já teriam sido convertidas”, afirma o texto. “É um ataque grave contra as agendas do clima, da água e da biodiversidade. Um atentado contra os nossos patrimônios naturais que recoloca o Brasil na contramão do mundo”, enfatizou Malu Ribeiro.
Como o projeto tramitava em caráter conclusivo (quando não é preciso passar pelo plenário da Câmara) e o texto já tinha sido aprovado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Cmads), ele iria direto para o Senado. Mas deputados da própria CCJC vão apresentar recurso para a votação no Plenário. “CCJC aprova PL que desprotege TODOS os campos nativos e “formações PREDOMINANTEMENTE não florestais” dos biomas brasileiros! Um crime contra nossa maltratada natureza. Recorreremos ao plenário”, protestou o deputado Chico Alencar (Psol/RJ) nas redes sociais. “O substitutivo piora o que já era ruim. Na prática, o novo texto revoga a Lei da Mata Atlântica e reduz ou retira diversas legislações protetivas de biomas de todo o Brasil”, adicionou Alencar.
Organizações ambientalistas também protestaram. “O projeto de lei n° 364/2019, aprovado hoje na Comissão Constituição e Justiça da Câmara, representa um grave retrocesso ambiental ao liberar o desmatamento em todas as áreas do Brasil com vegetação classificada como não florestal, inclusive dentro de áreas de preservação permanente e Reservas Legais”, destacou a WWF Brasil em nota. “Com essa aprovação, todos os biomas brasileiros poderão ser drasticamente afetados, incluindo o Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal, cuja maioria de sua vegetação é não florestal, podendo resultar na liberação automática de áreas atualmente protegidas para desmatamento. Além disso, Amazônia e Mata Atlântica, que também possuem extensas áreas de vegetação não classificada como florestal, também poderão ser afetadas”.
A nota técnica da S.O.S. Mata Atlântica lembra que o projeto original do deputado Alceu Moreira foi apresentado após ações de fiscalização do Ibama em alguns municípios da serra gaúcha que redundaram na autuação de produtores rurais por suposta conversão de campos nativos para atividades agrícolas sem a devida autorização. Seu intuito declarado era de “retirar os Campos de Altitude da incidência da Lei da Mata Atlântica”. O projeto, destaca a nota, mirava apenas na alteração do status de proteção dos campos de altitude – ecossistema que cobre menos de 5% da área total do bioma – e ainda criava novas regras de proteção.
O PL foi alterado já na Cmads com a retirada da proteção dos campos nativos. Na CCJC, ambientalistas e representantes dos produtores rurais chegaram a costurar um acordo, em meados de 2023, para a volta do texto original do projeto, com algumas poucas alterações, inclusive com a participação do relator Lucas Redecker. Entretanto, em dezembro, o deputado gaúcho apresentou um novo substitutivo que, de acordo com a nota, “retoma, na íntegra, o conteúdo do parecer anteriormente aprovado na CMADS , mas vai além, incluindo dispositivo no Código Florestal que, na prática, revoga a Lei da Mata Atlântica”.
Foi este substitutivo o aprovado nesta quarta, por 38 votos a 18, na CCJC. A Fundação S.O.S Mata Atlântica afirma que “ao retomar o texto da CMADS, o substitutivo retira toda a proteção legal aos campos nativos de todos os biomas do país , permitindo que eles possam ser livremente convertidos para uso alternativo do solo (agricultura, pastagens plantadas, mineração, urbanização, etc.) sem qualquer tipo de limitação ou autorização administrativa”.
Para a fundação, o novo substitutivo aprovado provoca um grave retrocesso ambiental ao deixar os biomas desprotegidos. “Para além de retirar a proteção especial da Mata Atlântica e a qualquer outro bioma, o texto, ao suprimir toda e qualquer proteção legal aos campos nativos, deixa partes muito significativas dos biomas Pantanal, Cerrado, Amazônia, Pampa e Caatinga completamente desprotegidas e suscetíveis à conversão agrícola descontrolada”, afirma a nota técnica da ONG.
Manifestação semelhante já havia sido feito, no começo do ano, pela Coalizão pelo Pampa, coletivo formado por mais de 20 entidades entre associações de servidores da área ambiental, universidades, grupos de pesquisa e ONGs, que denunciou “o profundo retrocesso e o risco de graves prejuízos ambientais, culturais, sociais e econômicos representados pelo PL 364/2019” e as alterações promovidas durante sua tramitação. “Alertamos a sociedade brasileira quanto à necessidade de mobilização para que esse projeto, concebido para atender aos interesses de poucos, mas lesivo ao patrimônio do país e aos interesses da coletividade, seja reprovado no Congresso”, frisou a Coalizão Pampa.
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Oscar Valporto
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade